Na sexta-feira passada, à saída da reunião no Infarmed, o Presidente da República foi confrontado com o depoimento do ministro da Defesa na AR, a propósito do tráfico de diamantes, ouro e droga por parte de militares portugueses. Aos deputados, João Gomes Cravinho desmentiu a versão de Marcelo Rebelo de Sousa, que tinha dito que o ministro da Defesa não informara o PR respaldado por pareceres jurídicos.

Simpaticamente, o Presidente acedeu a comentar o tema, apesar de não ter a ver com saúde pública. Por outro lado, tem a ver com a sua própria saúde, na medida em que de certeza que Marcelo ficou doente por ter de admitir em público que se enganou e que o ministro da Defesa esteve muito bem ao não informar ninguém.

Quando estava a relatar o que acabara de se passar na AR, Marcelo disse: «(…) E depois acrescentou “eu tomei esta decisão de acordo com a minha leitura jurídica, a minha interpretação jurídica, e não na base de opiniões ou informações jurídicas que tenha pedido e tenham sido dadas”. Ora bom, isto corresponde no essencial àquilo que o Sr. Ministro da Defesa Nacional me disse na segunda conversa que tivemos telefónica quando eu estava em Cabo Verde. Isto é, no início de 2020, foi nessa altura que foi feita uma comunicação que tinha de ser feita às Nações Unidas, o Sr. Ministro entendeu que não devia comunicar ao PR nem ao PM, por estar em investigação judicial e haver segredo de justiça. Qual é a pequena diferença? Eu entendi, fique com a impressão, que o Sr. Ministro tinha tomado essa decisão na base de opiniões jurídicas, não disse escritas, disse opiniões jurídicas, eu chamei-lhe pareceres jurídicos, podem ser verbais. O Sr. Ministro esclareceu que não, foi de acordo com a sua interpretação jurídica, com a qual eu concordo, como disse na altura tinha dito na véspera e repeti ontem ou anteontem. Portanto, o Sr. Ministro apesar de não ser jurista e não ter ouvido opiniões de juristas, teve a meu ver a interpretação jurídica correcta. É isso que importa aos portugueses.

(Aqui há uma pergunta de uma jornalista).

Não, pelos vistos não foi preciso haver parecer jurídico para o sr. ministro, apesar de não ser jurista, ter uma interpretação jurídica a meu ver correcta.

(Nova pergunta).

Sim, mas pelos vistos o erro é meu. Porque eu entendi que o sr. ministro tinha formulado essa opinião jurídica na base de outras opiniões jurídicas. Não, formulou por ele. Eis como se pode, mesmo sem formação jurídica, já tínhamos outro caso, o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, que não é jurista mas pensa como jurista, temos dois casos de quem não é jurista, mas pensa como jurista.»

Posto isto, julgo que estou também habilitado a dar o meu parecer jurídico sobre este assunto, baseado na minha experiência a visionar séries americanas passadas em tribunal. Não sei como é que os pareceres jurídicos costumam ser redigidos, mas os meus são assim:

  1. O Presidente afirma que o depoimento de João Gomes Cravinho “corresponde no essencial” ao que lhe disse ao telefone, com a “pequena diferença” de Marcelo ter ficado a achar que havia uma apreciação jurídica emitida por um especialista na matéria depois de consultar várias fontes, mas na realidade haver um palpite de um tipo ao acaso. É a diferença entre alguém tirar um rim porque os médicos prescreveram a intervenção, ou porque lhe dá a sensação que é melhor. No fundo, como a Brasa, parece que é um parecer, mas não é. A não ser, claro, que Marcelo tenha um parecer de um linguista a atestar que “no essencial” quer dizer “em nada” e que “pequena diferença” quer dizer “grande diferença”.
  2. O Presidente não estranha que o auto-parecer jurídico de Gomes Cravinho o impeça de comunicar ao primeiro-ministro (seu superior hierárquico) e ao Presidente (Comandante Supremo das Forças Armadas), mas não a um funcionário da secretaria das Nações Unidas. Aliás, diz tantas vezes que concorda com a suposição do ministro da Defesa, que só faltou atribuir-lhe 18 valores pelo seu conhecimento da Constintuição. A Constintuição é o conjunto de normas jurídicas para as pessoas que intuem o que diz a Constituição. Cheira-lhes que é assim e pronto.
  3. Consultei os meus filhos de 3 e 10 anos para a hipótese que vou agora expor, o que faz desta uma opinião mais fundamentada do que a do ministro da Defesa. A nosso ver, a presente situação resulta ainda do rescaldo de Tancos. Como na altura houve dúvidas sobre o que é que o PM e o PR sabiam, João Gomes Cravinho achou melhor não contar nada a ninguém, para que Marcelo e António Costa pudessem garantir que não sabiam de nada. Sucede que Tancos era um encobrimento de um crime. Nessa altura, convinha mesmo que o PR e o PM não estivessem por dentro, para não serem considerados cúmplices. Já este caso da República Centro Africana é uma investigação de um crime grave e convém que o PR e o PM estejam por dentro, para não serem considerados uns tolos e Portugal uma República Tipo Africana. Que é o que começa a, lá está, parecer.

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