Depois do rocambolesco episódio da semana passada, não foi preciso esperar muito para lermos análises deste género sobre Pedro Nuno Santos: «Um político jovem e com muito futuro pela frente, paralisado num governo que não lhe dá margem de manobra ou protagonismo. (…) P.N.S. tem a capacidade – digo: tem a disponibilidade – para chegar a entendimentos à esquerda mesmo antes de eles se afigurarem como necessários. (…) Uma demissão de P.N.S. nunca seria um adeus, seria sempre um “até já”».

E também: «Divide as águas. É corajoso, intempestivo, absoluto. Fala grosso, não foge das batalhas e conquistou dentro do PS um estatuto de poder, um poder forjado por militantes socialistas de norte a sul a quem formou ou deu lastro – eram eles a sua vanguarda no dia e na hora que ele desejasse avançar. (…) O ministro Pedro Nuno Santos é um líder. O modo como olha. O modo como fala, como anda, como mexe as mãos ou sorri. Não é apenas um líder como se convenceu de que a liderança do partido e do país acabaria por chegar – de alguma maneira é alguém que acreditava estar predestinado a ser grande, a marcar um tempo, a ser protagonista maior. Quando ele chega a uma sala as pessoas olham. E ele sabe que as pessoas olham. E quando chega ao Conselho de Ministros e se senta não é apenas ele que se senta – é ele mais a promessa de um dia não estar sentado naquele lugar, mas na cabeceira.»

Não há dúvida que Pedro Nuno Santos continua a merecer estupendos encómios. Porém, além das loas tecidas – todas boas loas e, como se sabe, a boa loa nunca soa boa loa à toa – sente-se também um cheirinho a desilusão.

A mesma Carmo Afonso que na sexta-feira gabava PNS, anteontem escrevia:  «Ficámos suspensos no que parecia apontar para um ato audacioso de P.N.S, e na sua brutal demissão, mas acabámos por vê-lo terraplanado e amansado. Não sabemos se foi apenas um cobarde ou se teve a coragem de passar pelo que vimos e o espírito de sacrifício de zelar pela continuação do seu trabalho. (…) Será difícil de esquecer aquela imagem de P.N.S. do tamanho de um grão de areia. Se aceitou prestar-se àquele papel apenas para salvar a sua própria pele, e depois de inadvertidamente a ter arriscado, estamos conversados. Digo, que ato tão pouco digno.»

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Luís Osório nem precisou de reflectir no fim-de-semana. No mesmo texto em que elogiou o modo de olhar, de falar, de mexer as mãos e de sorrir de Pedro Nuno Santos, concluiu: «Percebi hoje que a sua “loucura” não é maquiavélica. É apenas ansiedade de protagonismo, pressa de marcar pontos, imprevisibilidade e excesso de ego.(…) É que nenhum futuro líder se manteria no cargo depois de uma humilhação destas. E quando da próxima vez Pedro Nuno fizer de lobo o país recordar-se-á que no momento decisivo foi um cordeiro.»

A mágoa é ainda mais simbólica se pensarmos que se tratam de figuras arquétipas da esquerda nacional. Luís Osório é alguém habituado a farejar os próximos chefes do PS, para melhor os agradar, o típico lambe-cus; e Carmo Afonso é uma activista que acalenta o sonho de contribuir, com as suas exortações, para a hegemonia de esquerda liderada por um PS de pendor socialista. Não é por acaso que são conhecidos por “Luís Supositosório” e “Carmo Ah! Um dia hei-de inspirar camaradas como o Zeca Afonso”.

Para quem tem o sonho de um futuro governo do PS aliado aos seus parceiros de esquerda, Pedro Nuno Santos era o messias que o ia realizar. Assegurava a profecia: «Por isso, o Senhor, Ele próprio, vos dará um sinal: eis que a virgem no ventre terá e parturirá um filho; e chamarás o nome dele Pedro Nuno». O escolhido. Aquele que traria equilíbrio à Força. E sacaria a Excalibur da pedra. O Kwisatz Haderach. Que destruiria o Anel de Sauron. E escangalharia a Matrix. (Ao contrário dos sonsos Medina e Vieira da Silva, que de certeza aceitariam entender-se com a direita).

E esta era a ocasião em que Pedro Nuno Santos se ia revelar, mostrando a sua têmpera, não tendo medo de sofrer as consequências por tomar uma decisão e avançar. Posto perante o dilema, PNS de bom grado sacrificar-se-ia pelos seus ideais para depois ressuscitar, conforme as Escrituras, não ao terceiro dia, mas daqui por quatro anos, quando António Costa se pisgasse para uma sinecura europeia. Regressaria então, em sua glória, para julgar os vivos e os mortos, unir a esquerda portuguesa e o seu reino não teria fim. Estava escrito. Mas a lápis, pelos vistos. Como diria um empregado de mesa: “Profecia? Já não vai?”

Em vez de cumprir o destino que lhe estava reservado, Pedro Nuno acagaçou-se. Levado perante Pilatos, o nosso Jesus desconversou e o Evangelho reza agora assim: “Disse-lhe, pois, Pilatos: “Então, tu és rei?” Jesus respondeu: “Calma! Tu dizes que eu sou rei, mas há aqui um mal-entendido. Eu não disse que sou rei, disse que estou a reinar, que é diferente. É reinação. Na brincadeira. Houve um erro de comunicação. Posso ir-me embora? É que estou de ressaca. Ontem sou capaz de ter bebido um copito e dito umas gabarolices”.

Aliás, é esse o problema. Os apóstolos de Pedro Nuno entusiasmaram-se com as promessas na Última Ceia, mas vai-se a ver e foi só mais uma ceia. No dia seguinte ceou-se outra vez. E no outro. E no outro. Afinal, o sangue era mesmo vinho, Pedro Nuno bebeu de mais e esticou-se na bazófia típica dos ébrios. Quando acordou, voltou atrás. E os seus discípulos esmoreceram: o messias é apenas mehssias. No fim, PNS quer dizer “pífio Nosso Senhor”.

Chegado ao momento decisivo, o Cristo de São João da Madeira vacilou. “Eh, pá, aquela cruz parece muito pesada, não me vai fazer nada bem à hérnia”. É como se Luke Skywalker tivesse dito: “Deixa estar, Obi-Wan, acho que prefiro ficar em Tatooine. Já dei a entrada para um novo tractor, não faz sentido ir agora, antes da sementeira”. Se Artur tivesse alegado frieiras para não pegar na espada. Se Paul Atreides se queixasse do ar seco do deserto e voltasse para a nave. Se Frodo Baggins tivesse vendido o anel no OLX. Se Neo tivesse tomado o comprimido azul.

O oráculo enganou-se. Acontece.

Atenção, eu percebo perfeitamente o que se está a passar com Pedro Nuno Santos. Uma vez, tinha 15 ou 16 anos, andei o Verão todo a garantir que conseguia mergulhar de cabeça da prancha de 5 metros, na piscina do Hotel da Ericeira. Chegado o dia, quando olhei para baixo, já não me pareceu assim tão boa ideia. E toda a gente que achava que me ia ver saltar, viu-me antes a descer as escadas. Também impressiona, mas por outras razões. A diferença é que eu fiz isto à frente de umas 10 pessoas e Pedro Nuno Santos teve de o fazer à frente de 10 milhões. Por outro lado, como o Ministro não estava com um fato de banho sem forro, teve sorte e não se lhe notou a nódoa da pinguinha. É que PNS até pode controlar o aparelho do PS mas, pela forma como se assustou, diria que tem dificuldade em controlar o aparelho urinário.

O pior é que a questão do aeroporto continua longe de estar decidida. Aliás, é capaz de ter ficado mais difícil de resolver. Agora há ainda menos alternativas de localização viáveis. Ficou de fora qualquer sítio num raio de 50 km à volta da casa de Pedro Nuno Santos, porque o seu ego inchado é tão descomunal que atrapalha a aproximação à pista. (Por falar na casa do Ministro, os seus vizinhos passaram o fim-de-semana a queixar-se do pi-pi-pi ininterrupto da marcha-atrás de PNS. Parece que não consegue desengatar a mudança e agora só anda às arrecuas).

E há a questão ambiental. Sobretudo, no que diz respeito às aves prejudicadas pelo novo aeroporto. De repente, além de flamingos, corvos-marinhos, águias sapeiras ou pilritos, também temos de nos preocupar com o futuro de um pavão.

O fanfarrão revelou-se um fanfarrato. Um impulsivo sem pulso. Ufano com miúfa. Em vez de um homem que faz, um homem que faz-de-conta. Um menino medricas que teve de se assoar à bravata. Afinal, é mais ambicioso do que valente e aceita a humilhação porque prefere torcer que quebrar. Politicamente, enquanto Ministro das Infraestruturas, já pode ser cotejado com Fontes Pereira de Melo ou com Duarte Pacheco. São todos defuntos.

É óbvio que o PS vai fazer dele Primeiro-Ministro.