A resposta a esta pergunta tornou-se central nesta eleição.

No debate entre Biden e Trump desta terça-feira, tornou-se claro que a polarização extrema é a única estratégia que resta a Trump. A morte, na semana passada, da juiz do Supremo Tribunal, Ruth Bader Ginsburg, uma liberal que ajudou a bloquear as restrições ao aborto, foi uma bênção sem disfarce. Ao trazer o equilíbrio do tribunal e o futuro do direito ao aborto para o centro da campanha, Trump pode, assim, tentar mobilizar o eleitorado da direita religiosa.

A substituição de Ruth Bader Ginsburg por Amy Coney Barrett veio também aguçar as tensões que Joe Biden tem de navegar entre os eleitores católicos. Biden é, por um lado, o líder de um partido que se tornou mais secular e cada vez mais liberal, incluindo no seu apoio ao direito ao aborto. Por outro, Biden enfrenta um campo católico cada vez mais dividido, especialmente durante o pontificado do Papa Francisco. Isso coloca-o num delicado equilíbrio. Com a escolha de Amy Coney Barrett, católica e conservadora, Trump não deixou passar a oportunidade de aprofundar o dilema de Biden e politizar a polarização interna do catolicismo na América.

Está Deus com os moderados, que aceitam o “muro da separação” entre religião e Estado, peça central da tradição constitucional da América e da doutrina política do catolicismo desde o Concílio Vaticano II, ou com os radicais, que condenam essa separação como desapropriada quando está em causa o direito ao aborto?

Durante a audiência de confirmação de Amy Barrett como juiz do Tribunal de Apelação, em 2017, os democratas, em tom acusatório, afirmaram que “o dogma fala alto em si”. Pairam suspeitas de que a sua nomeação para o Supremo Tribunal irá contribuir para reverter muitas das liberdades que foram conquistadas nas últimas décadas. Ela respondeu que as suas convicções privadas não afetariam o seu desempenho de um cargo público.

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Dois pesos e duas medidas? Pode Biden ser católico e reconciliar o partido democrata com as pessoas de fé, mas a religião de Amy Coney Barrett, que faz parte de uma comunidade carismática com voto de obediência, a “People of Praise”, ser condenada por eles?

A verdade é que a polarização extrema na sociedade e na própria Igreja Católica está a por à prova o princípio de separação entre Igreja e Estado. O catolicismo é um elemento estranho na vida partidária americana. Apesar da Igreja Católica ser a maior igreja e a segunda denominação cristã na América (com 22%), Biden seria apenas o segundo presidente católico dos Estados Unidos, depois de John F. Kennedy. Desta feita, o catolicismo de Biden, que respeita a tradição da separação, tanto como americano como enquanto católico, poderia salvar a velha tradição americana – ironicamente nascida da resistência ao catolicismo dos colonos fundadores – do ataque hábil de Trump.

Madalena Meyer Resende (no twitter: @ResendeMeyer) é um dos comentadores residentes do Café Europa na Rádio Observador, juntamente com Henrique Burnay, João Diogo Barbosa e Bruno Cardoso Reis. O programa vai para o ar todas as segundas-feiras às 14h00 e às 22h00. 

As opiniões aqui expressas apenas vinculam o seu autor.

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