A operação stop em Valongo com vista à cobrança de dívidas fiscais (a que se seguiu o anúncio das inspecções fiscais aos casamentos) mostrou como nos tornámos numa ditadura fiscal. Não vale a pena estar com rodeios: essa ditadura está aí. As empresas, sobretudo as pequenas, já deram por ela e para muitas dessas empresas as crescentes exigências burocráticas e a complexidade fiscal representam um custo e uma pressão incomportáveis. Quanto aos cidadãos, muitos deles embalados no discurso do combate à evasão fiscal, acreditam que eles nunca incorrerão nos nefandos delitos fiscais. Até que um dia o cidadão impoluto é mandado parar à beira da estrada e acaba a ver penhorado o seu carro porque se atrasou a pagar o IMI. Ou entram-lhe pelo casamento dentro porque a autora do ramo de noiva não apresentou a factura da gipsofila. Nesse dia torna-se óbvio ao tal cidadão exemplar que a evasão fiscal não é apenas um problema dos outros. Pior, o cidadão descobre que não é mais um cidadão mas tão só um contribuinte, logo um ser desprovido de direitos e sempre culpado até conseguir provar o contrário. (Regra geral não consegue pois a justiça fiscal não só não está ao alcance de qualquer um como de justiça tem pouco).

Mas as inspecções do Fisco-GNR em Valongo mostraram mais. Logo à partida mostraram como estranhamente nada soubemos sobre as primeiras destas operações, e note-se que uma delas, a que teve lugar em Santo Tirso, a 21 de Maio, gerou um enorme alvoroço naquela cidade, com três mil carros a serem inspeccionados. Quantas notícias se fizeram sobre isto? Por fim a reacção do Governo a procurar demarcar-se das inspecções do Fisco-GNR em Valongo mostrou como no executivo se teme que o estado de graça e impunidade acabe quando menos se espera, por algo que se considerava irrelevante. Fútil, até.

António Costa, Catarina Martins e Marcelo Rebelo de Sousa são três tácticos que acham, cada um deles, que tem os outros dois no bolso e que sob o escudo protector de “Costa, o hábil” consideram neutralizada qualquer veleidade de oposição à direita. Costa e a sua “vitória histórica” integram agora a galeria mediático-socialista de Guterres que era um génio. E de Sócrates o imbatível. Como se sabe Guterres, o génio, não aguentou a pressão e demitiu-se. Já Sócrates, o imbatível, levou Portugal a bater no fundo, financeira e moralmente falando. Por agora Costa, o hábil, desconjunta o país para comprar os apoios necessários para ser governo.

Note-se que cada líder socialista conta com o voto dos seus, com o silêncio dos empresários que reagem aos socialistas como os militares à voz do comando e com uma comunicação social que os reverencia (quanto tempo foi necessário para que o assunto da licenciatura de Sócrates passasse dos blogues para os jornais?) Mas sejamos justos, o principal apoio para os governos socialistas vem de uma direita que acredita que se fosse socialista tudo lhe saíria melhor. Aliás cabe perguntar: a direita quer voltar ao poder para quê? Para pedir desculpas todos os dias por estar no poder? Para titubear a cada medida? Para ser corrida sem qualquer explicação como aconteceu há quinze anos ao governo chefiado pro Santana Lopes?… Se é para ser assim é melhor a direita dedicar-se ao que faz melhor – a psicanálise – e abandonar de vez a política

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Desembaraçados de oposição propriamente dita, António Costa, Catarina Martins e Marcelo Rebelo de Sousa têm uma preocupação comum – como compensar o PCP de modo a que os comunistas não tentem ganhar nas ruas o que perdem nas urnas (tocante o detalhe da sindicalista Ana Avoila cinco dias depois das Europeias a relatar, no terminal fluvial do Barreiro, a revolta dos passageiros) – e um temor: que lhes aconteça o chamado momento Rosa Parks. Ou, numa versão mais doméstica, o momento Maria da Fonte. Aquela esquina da História em que pessoas improváveis, por razões ainda mais improváveis – a Rosa Parks doíam-lhe os pés e por isso não deu o lugar aos brancos no autocarro e a Maria da Fonte, fosse ela quem fosse, queria enterrar os seus mortos como de costume – dizem não às ordens que habitualmente cumpriam. Mais estranhamente ainda, esse não espalha-se incontrolável e veloz, como uma mancha de óleo.

Não por acaso, mal surgiram as primeiras notícias sobre a indignação que estas operações do fisco estavam a gerar, o Governo procurou demarcar-se de imediato de quaisquer responsabilidades: com a oposição anulada transferiu-se para uma rua inorgânica o espaço do que pode vir a ser um movimento de contestação.

É esse momento que quem nos governa procura esconjurar de cada vez que denuncia o que diz ser o populismo. Provavelmente será mas a grande questão em Portugal não é como combater o populismo que pode vir a acontecer mas sim se é possível combater um governo oligárquico apoiado por um Presidente da República populista sem cair no populismo. Ou mais precisamente porque exigem os populistas ser contestados sem populismo?

PS. Tomar nota: “Movimento Zero. Cinco mil polícias evitam intervenção nos bairros problemáticos. O caso dos oito polícias condenados por sequestro e agressões a moradores da Cova da Moura foi o mote que levou à criação do “Movimento Zero”, um grupo de protesto criado por elementos da Polícia de Segurança Pública (PSP) contra a falta de apoio da PSP e do Ministério da Administração Interna (…) pretendem não autuar as infrações de trânsito e apenas intervir nos bairros problemáticos só em situações de extrema gravidade.” Foi assim que começou em França a formação dos que hoje são designados como territórios perdidos pela República. Primeiro a policia foi criticada, diabolizada e condenada. Depois a polícia passou a entrar nessas zonas apenas em momentos especiais.  Os habitantes pediam polícia. A França mandava-lhes activistas, socióĺogos e mediadores culturais. Os habitantes e as ruas desses bairros ficaram sob o jugo de imans radicais, líderes de gangs, grupos criminosos. Hoje a polícia não só não entra nesses territórios como se discute a sua militarização. Aliás na França de Macron (note-se na França de Macron não na Hungria de Orban) os militares são cada vez mais chamados a manter a ordem nas ruas. Desautorizar as polícias tem custos. Os primeiros a pagá-los são os habitantes desses bairros ditos problemáticos. O segundo é o país no seu todo.