Na anterior legislatura, António Costa anunciou o desejo de aproveitar a revolução industrial 4.0 para colocar Portugal no pelotão de frente:

“[…] aproveitar esta revolução industrial e ser esta a primeira vez na história do nosso país em muitos séculos em que conseguimos estar onde devemos estar, onde temos de ter a ambição de estar, que é mesmo no pelotão da frente.”[1]

Infelizmente, apesar da convergência em relação ao PIB da UE-28 em 2017 e 2018, na anterior legislatura Portugal caiu da 19ª posição em PIB per capita em 2015, para a 21ª em 2018. É verdade, já só há sete países na UE com um PIB per capita inferior ao português: a Bulgária, a Croácia, a Roménia, a Grécia, a Letónia, a Hungria e a Polónia.

Aproximarmo-nos do centro da Europa e estarmos no pelotão da frente é um desejo antigo. O ex-primeiro-ministro Cavaco Silva foi o último a assumi-lo de forma clara. António Guterres teve como grande desígnio a entrada no Euro. Com um endividamento galopante e baixas taxas de crescimento, os primeiros-ministros que se seguiram não conseguiram libertar-se da gestão de curto prazo para cumprir as regras impostas pela moeda única e acalmar os mercados financeiros. Pelo meio tivemos os delírios de José Sócrates.

Voltar ao desígnio do pelotão da frente, sobretudo para pessoas da minha geração, que nos anos 90 acreditaram que era possível concretizá-lo, é colocar o país novamente a olhar um horizonte mais longo. O sucesso alcançado na frente orçamental e a condição das contas certas, que o Governo parece assumir como essencial no seu programa, contribuem para assentar os pés na terra.

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Como referimos na nova edição do livro Crise e Castigo, o primeiro-ministro acredita que há condições para aproveitar a nova onda tecnológica porque na era da economia digital a geografia dos mercados não tem a mesma importância que teve nas revoluções anteriores. De acordo com esta visão, temos condições para abandonar a periferia do mundo.

Abandonar a periferia implica integrar as grandes cadeias de valor globais, que hoje representam cerca de dois terços do comércio mundial.

David Dollar da Brookings Institution, compara a globalização a um comboio de alta velocidade, que só pára nos países que têm boas estações. Nas últimas décadas, Portugal foi mais um apeadeiro do que uma estação onde as grandes multinacionais, que hoje controlam cerca de dois terços do comércio internacional, não quiseram parar. Quando a globalização e a mudança tecnológica aceleraram, Portugal não acompanhou a mudança e virou-se para as políticas de estímulo à procura interna, que o acesso ao financiamento externo tornou possível numa fase de baixo crescimento.

Assim, depois de décadas de convergência na segunda metade do século XX, Portugal estagnou e divergiu. Uma explicação para essa mudança é a economia portuguesa ter caído na armadilha dos países de médio rendimento: quando isso acontece, imitar os outros já não chega para crescer. É preciso inovar.

Nos últimos anos surgiram alguns casos de inovação que sugerem que a economia portuguesa poderá superar a fase da imitação. Dou aqui dois exemplos que envolvem duas multinacionais e uma universidade e uma empresa portuguesas.

O primeiro exemplo é o da parceria entre a multinacional Bosch e a Universidade do Minho, iniciada em 2013, com o apoio de fundos europeus, que permitiu reconverter aquela empresa alemã, instalada há décadas em Braga. A Bosch Car Multimedia passou de uma empresa de montagem de equipamentos para uma empresa geradora de novas tecnologias, patenteadas, que transformaram a natureza da sua operação em Portugal, duplicando o valor da sua produção, que ultrapassou os mil milhões de euros em 2018. Isto foi possível com a existência de engenheiros e investigação de grande qualidade, que hoje as universidades portuguesas possuem.

O segundo exemplo é o da parceria entre a Critical Software e a BMW para o desenvolvimento do carro autónomo. A empresa tecnológica portuguesa e a BMW formaram o consórcio Critical Teckworks, que irá operar a partir do Porto, e que permitirá à Critical integrar uma grande cadeia de valor global, num segmento de alto valor acrescentado.

Este é o caminho para continuar a aumentar o peso das exportações no PIB, que o Governo pretende que atinja 50% em 2023. O aumento de 30% em 2010 para 44% do PIB em 2018, sugere que Portugal tem vindo ganhar centralidade na economia mundial. No programa do Governo, as medidas para a melhoria das qualificações e o enfoque na atração de investimento directo estrangeiro parecem ir no bom sentido. Mas os exemplos acima descritos só poderão multiplicar-se com um sistema científico e tecnológico robusto. Infelizmente, a fragilidade e a imprevisibilidade no financiamento do ensino superior e da ciência em Portugal na última legislatura não dão garantias do cumprimento da promessa do novo Governo de “Reforçar a previsibilidade e a regularidade do financiamento em ciência”.

Se é verdade que a inovação é essencial para quebrar a armadilha dos países de rendimento médio, em Portugal ainda há espaço para melhorar as taxas de crescimento imitando as práticas institucionais de países com melhores indicadores. Essa é uma das conclusões do estudo “Crescimento da Economia Portuguesa” coordenado por Francisco Veiga, em que colaborei com outros colegas da Universidade do Minho, para a Missão Crescimento.

Este estudo identifica um conjunto de reformas que poderão ter um impacto significativo no crescimento económico da economia portuguesa. Impactos significativos poderão ser alcançados com melhorias no funcionamento das instituições. Maior concorrência nos mercados, através de melhorias na qualidade da regulação; reformas no sistema legal, que reforcem o cumprimento dos contratos e que melhorem a eficácia dos tribunais; e o controlo da corrupção, que impeça o exercício do poder público para ganho privado e a “captura” do Estado por interesses privados. A aproximação aos países com melhores práticas (top 10) da UE e da OCDE naquelas áreas poderia adicionar mais de 1 ponto percentual ao crescimento anual do PIB per capita português.

Os ganhos das mudanças institucionais, para além do forte impacto no crescimento económico, têm a vantagem de em muitos casos não terem custos orçamentais. No entanto, é muito difícil mudar as instituições a partir de dentro porque ao poder instalado interessa, obviamente, a manutenção do status quo.

Quando se analisa o programa do Governo, as referências à regulação, com a exceção do mercado de trabalho, praticamente não existem. No entanto, o combate à corrupção é eleito como prioridade e são elencadas 30 acções. Se António Costa ambiciona mesmo pôr Portugal no pelotão da frente é bom que o seu Governo implemente efectivamente as medidas de combate à corrupção.

[1] Primeiro-Ministro António Costa, na apresentação da segunda fase do programa Indústria 4.0 (i4.0), em Guimarães, citado pelo Dinheiro Vivo, 19 de Abril de 2019.