A crise política “inesperada”, que levou à queda do governo de António Costa, veio abrir um capítulo que começou a ser escrito a 14 de Setembro de 2014, quando se abriu o caderno eleitoral a quem quisesse votar nas eleições para secretário-geral do Partido Socialista. Sabe-se quem teve vantagem nessa contenda. Mas este meu artigo não pretende esmiuçar os despojos de uma litigância onde a gratidão morreu jovem. Em política os fins não justificam todos os meios. E, também, não há lugar para faturas, principalmente, quando já passou quase uma década sobre a noite das facas longas. O silêncio de António José Seguro, durante este período, é uma lição rara de discrição – não se conhece outro exemplo desde a Revolução de 1974. Isso diz muito do homem e do político. Todos sabemos que A.J.S. não desistiu de Portugal. Ele é respeitado e admirado dentro e fora do PS – continua a ser uma referência ética e cívica.

Com a saída de António Costa inicia-se um novo ciclo nacional e partidário. O PS deve ter orgulho na sua história e rever-se naqueles que serviram os seus ideais entregando-se à causa pública. A política descartável é, infelizmente, o reflexo da vertigem pela notoriedade, onde o narcisismo amplia a sombra do umbigo. Interessa a quem chega ao poder garantir um núcleo austero, viciado em baixar o queixo, para garantir, assim, os puros que nunca se enganam e raramente têm dúvidas. A história já provou que esta sabedoria saloia têm tudo para dar errado, com o tempo tropeça-se nos próprios pés.

A escolha do novo secretário-geral, Pedro Nuno Santos, abre um novo ciclo, que se espera arejado e inclusivo. Todos sabemos como é difícil lutar contra “endogamia” dos líderes, ela funciona como o eucalipto, seca tudo à sua volta. Espera-se que isso não aconteça com P.N.S.. Para ganhar o país é preciso unir internamente, não esquecer ninguém, ou como se gosta de dizer: não deixar ninguém para trás. É preciso vencer a inércia do primeiro passo para evitar a amnésia precoce. Se ninguém falar, até dá jeito, porque as palavras “Secretas vêm, cheias de memória. / Inseguras navegam: / barcos ou beijos, / as águas estremecem”, como escreveu Eugénio de Andrade.

Um líder forte é aquele que não receia partilhar o horizonte e, nesse futuro em construção, têm lugar, certamente, José Luís Carneiro e, principalmente, António José Seguro. Em política, como em tudo, o poder é efémero. O saudoso Fausto Correia gostava de lembrar que “no PS, já todos estivemos contra todos”. Esta verdade nem sempre é reconhecida, mas resume a história das diferentes lideranças, quando nos preparamos para comemorar o centenário do nascimento de Mário Soares, aquele que representa quase tudo do que somos e defendemos.

Entendo que se esgotou o tempo de silêncio de António José Seguro. O país e o PS precisam do seu contributo para um futuro onde é urgente fazer pontes e recuperar o melhor da ação política. Não temos muitos políticos com a sua experiência, prestígio e idoneidade. Acredito que o seu regresso à política vai acontecer. O novo secretário-geral do PS pode e deve convidar A.J.S. para novos desafios, unindo o que ainda está divido e, com o golpe de asa, ousar para além do anel eleitoral interno. Só se agiganta quem cultiva a humildade e está disponível para fazer a viagem sem deixar ninguém para trás.

O que há-de vir conta com António José Seguro. E só podemos ficar felizes quando isso acontecer. Incentivo o novo secretário-geral a dar um sinal nesse sentido. O país não iria compreender o silêncio de Pedro Nuno Santos.

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