1 Acossado pela constante descida do PS nas diferentes sondagens (ver aqui, aqui e aqui), António Costa resolveu passar ao ataque da pior forma possível, contradizendo toda a sua mensagem sobre uma maioria absoluta dialogante e tolerante.

Em poucos dias, António Costa fez mesmo lembrar o estilo autoritário do seu antecessor José Sócrates:

  • destratou um partido da oposição no Parlamento com as boas maneiras democráticas de Sócrates;
  • atacou a independência do Banco Central de Europeu — o banco central que “está fora do nosso controlo”, como fez questão de dizer o líder parlamentar Eurico Brilhante Dias —, como Sócrates também costumava fazer com qualquer poder independente
  • ignorou a prudência e o bom senso de não interferir em processos eleitorais de outros países (apoiou Lula, como Sócrates apoiava Hugo Chávez);
  • e mandou calar Paulo Rangel por criticar a nova proposta de gasoduto que ligue a Península Ibérica a França, quando vários técnicos explicaram de forma fundamentada que é impossível transportar hidrogéneo da forma que os socialistas desejam (ver aqui, aqui e aqui)

Nada mau para uma semana apenas.

2 Pior do que tudo, o primeiro-ministro está concentradíssimo em promover o Chega o máximo que puder para condicionar o PSD e o restante espaço do centro-direita, num ato de cinismo político tão profundo quanto a difícil relação de José Sócrates com a verdade material.

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O último episódio, como se viu no debate do Orçamento de Estado, passa por colar a Iniciativa Liberal (IL) ao Chega. Mas o que é os liberais têm a ver com o Chega? Onde é que o discurso, as propostas e o estilo dos liberais têm a ver com a demagogia de André Ventura? Onde é que há populismo ou demagogia nas ideias da IL? As respostas são tão óbvias que só os boys socialistas podem ver o contrário.

Da esquerda à direita, vários analistas independentes têm alertado para o (grande) perigo da tática do PS de colocar o Chega no centro da sua narrativa política. Ao fazê-lo, mais do que condicionarem o PSD, o PS está a dar cada vez maior notoriedade a André Ventura, contribuindo para o crescimento do Chega.

Mas o PS de António Costa (incluindo aqui Augusto Santos Silva) está-se nas tintas para o mal que está a fazer ao nosso sistema democrático. O que lhe interessa, sem olhar a meios, é a melhor tática para conservar o poder e eternizar-se no poder.

3 A independência do Banco Central Europeu (BCE) é algo sagrado, do ponto de vista jurídico e político. Por alguma razão, não se vê o Conselho Europeu ou a Comissão Europeia a pronunciarem-se publicamente sobre as decisões do BCE.

Mas o que vale na Europa, não vale em Portugal. Pelo menos, era assim que José Sócrates pensava. E António Costa resolveu seguir o seu antigo chefe, criticando publicamente a política monetária do BCE — banco central que “está fora do nosso controlo”, como fez questão de dizer Eurico Brilhante Dias — em pleno debate do Orçamento de Estado, “porque sucessivas subidas das taxas de inflação não contribuem para o controlo da inflação”, disse Costa.

Está claro que o BCE não devia olhar para o quadro geral da economia europeia (com uma inflação galopante) e devia obviamente ignorar a teoria económica consolidada de que uma taxa de inflação em crescimento exige uma política monetária restritiva, com a subida de juros para fomentar a poupança e reduzir o consumo e o investimento. Do que serve tudo isso, se ao PS não lhe dá jeito juros altos?

E, claro está, que quem defende a política monetária do BCE, como os socialistas acusam o PSD, é uma espécie de personificação do diabo que só quer mal para os portugueses.

4 Como não podia deixar de ser, a cassete rançosa intitulada “A Culpa é do Passos” reapareceu. Toca em loop desde 2015 e agora, com o crescente e dura perda de poder de compra, até tem uma variante conhecida como a “A Nossa Austeridade é Melhor do que a Vossa”.

Uma vez mais, António Costa segue uma velha tática de José Sócrates. Este repetiu até à exaustão em todos os debates parlamentar a narrativa de que Durão Barroso tinha deixado o país de tanga antes de fugir para Bruxelas. Não é exagero: foi literalmente assim entre 2005 e 2011 — os seis longos anos que duraram a pequena autocracia socrática.

Costa já superou o reinado de Sócrates e repete há sete longos anos o PSD e o CDS é que criaram e aplicaram de forma maléfica uma dose de austeridade aos portugueses — como se Passos Coelho fosse uma espécie de vilão das telenovelas que só quer o mal de todos os outros personagens.

Afinal, de que culpa tem Passos Coelho?

  • de termos uma taxa de inflação a rondar os 10%…
  • de todos os portugueses estarem a perder poder de compra de forma brutal…
  • de os custos da energia e das taxas de juros dispararem…
  • de a fome e a pobreza estarem a aumentar de forma muito significativa…

Obviamente que os portugueses não são parvos e percebem que a tática de António Costa serve para esconder a sua própria incompetência. Tal como percebem o cinismo primário de Costa quando esteve diz que sempre o cuidado “de nunca falar” e “de respeitar” Passos Coelho.

5 Talvez lembrando os tempos em que, antes de ser preso preventivamente, José Sócrates negociava a vinda de Lula da Silva a Lisboa para apoiá-lo no seu primeiro congresso do PS como secretário-geral socialista, António Costa não achou nada melhor do que despir o fato de primeiro-ministro para vestir o de groupie petista para apoiar Lula e interferir no processo eleitoral de um país amigo.

Não, lamento, mas nenhum primeiro-ministro pode despir esse fato no contexto das relações diplomáticas com outro país, e logo um país-irmão como o Brasil. Até Vladimir Putin, esse modelo de referência em termos de direito de internacional, sabe que não se deve interferir “nos processos políticos domésticos — isso é o mais importante.”

E para que não restem dúvidas sobre o conceito de sentido de Estado de António Costa, o primeiro-ministro ainda utilizou a demissão da primeira-ministra do Grã-Bretanha, outro país amigo de Portugal, para atacar a Iniciativa Liberal. Porquê? Porque os liberais devem ter sentido com a demissão de Liz Truss o mesmo “os comunistas sentiram com a queda do Muro de Berlim”.

É preciso estar muito desnorteado para proferir afirmações deste calibre.

Sempre de língua afiada para atacar a oposição de forma despudorada, Costa ficou até agora calado sobre as suspeitas que recaem sobre o novo secretário de Estado Adjunto, Miguel Alves. Enquanto presidente da Câmara de Caminha, Alves adiantou 300 mil euros a uma empresa-fantasma.

A investigação do jornalista José António Cerejo deixa a nu diversos comportamentos questionáveis de Miguel Alves, que já está a ser investigado pelo Ministério Público, mas no PS reina o silêncio. O mesmo se diga sobre a acusação de prevaricação contra Susana Amador, ex-presidente da Câmara de Odivelas e vice-presidente do Grupo Parlamentar do PS.

Como se vê, o déjà vu da arrogância da maioria socrática está no ar.

Pode ser que as próximas sondagens ajudem António Costa a perceber que esse não é o caminho, pela absoluta contradição entre a sua prática e os bonitos discursos de maioria absoluta cor-de-rosa “de diálogo” nascida a 30 janeiro de 2022. E ainda nem passou um ano…