“Percorri uma boa parte do mundo, e o que consegui ver e conhecer não me autoriza a permanecer na lógica elementar do “ou-ou”. Tenho a consciência de que, quando alguém diz e pensa algo diferente de mim, isso se pode dever apenas a que ele vê as coisas a partir de outro ponto de vista, de outra perspectiva, de outra tradição ou experiência; que ele se expressa numa outra “linguagem”“.

Começo com Tomás Halík, filósofo e teólogo checo, padre católico internacionalmente conhecido pela sua capacidade de diálogo entre crentes e não crentes, recentemente distinguido com o Prémio Templeton, um dos mais prestigiados a nível mundial, que antes foi atribuído a personalidades como o actual Dalai Lama, Desmond Tutu e Alexander Soljenitsín, entre muitos outros. A Madre Teresa de Calcutá foi excepção e recebeu ambos, o Nobel da Paz e o Templeton.

Abro um parêntesis para sublinhar que monetariamente o Prémio Templeton vale mais que o próprio Nobel pois essa foi a vontade expressa do empresário e filantropo John Templeton quando o estabeleceu pela primeira vez, em 1972, como forma de reconhecimento do pensamento e obra de “alguém vivo, que contribui de forma excepcional para a afirmação da dimensão espiritual da vida”. Templeton achava que a espiritualidade era ignorada na atribuição dos prémios Nobel e, por isso, fez questão de que o valor do seu prémio excedesse sempre o dos Nobel, tentando assim valorizar ainda mais a espiritualidade que a ciência e as artes.

Voltando a Tomás Halík, pensador profundo e elevado que toca as fibras mais sensíveis de quem procura um sentido para a vida, independentemente das suas crenças ou religião, quando ele fala da lógica elementar “ou-ou” sabe que todos estamos tomados por esta lógica e por uma inclinação natural para absolutizarmos o nosso ponto de vista. É humano e é um kit de sobrevivência, por assim dizer.

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Tornar absoluto o meu ponto de vista, o meu código de valores, a minha cultura, a minha conduta, a minha opinião, o meu conhecimento, a minha experiência, as minhas razões e por aí adiante é partir sempre do princípio que a minha maneira de sentir, pensar, decidir e agir estão mais certas que as dos outros. Não só mais certas, como mais inteligentes e melhores.

Embora a ideia da absolutização nos possa repugnar, na verdade todos caímos na mesma armadilha. Absolutizar está fatalmente associado a qualificar e, por isso, qualificamo-nos como bons e inteligentes, ao passo que aqueles que pensam, falam e agem de forma diferente da nossa são logo desvalorizados e catalogados num tom menor. E é tão fácil verificar isto… basta cair na conta de que naturalmente achamos que os que concordam connosco são mais inteligentes do que aqueles que discordam.

Por isso Halík toca numa matéria cara a todos: as ideias de cada um são preciosas para cada um, mas não são toda a realidade nem são as únicas ideias válidas ou boas. Além disso a natureza humana é complexa e ninguém é só uma coisa “ou” só outra. A lógica “ou-ou” é uma teia onde ficamos facilmente enredados. Presos nas malhas da expressão mínima a que facilmente nos reduzimos uns aos outros.

Quando experimentamos a lógica do “e” tudo muda porque deixa de haver apenas uma razão, uma ideia justa, um conceito iluminado, e passa a existir um sem número de possibilidades, porque todos podemos ser uma coisa “e” outra. Não temos que ficar espartilhados no ser isto “ou” aquilo. A combinação múltipla do “e” também multiplica as possibilidades de diálogo e de encontro com aqueles que pensam e agem de forma diferente.

Alargar os horizontes pessoais passa por isso mesmo, por abrir às lógicas dos outros, por resistir à tentação de absolutizar a partir de uma visão e acção ‘à minha maneira’, por deixar de funcionar na lógica “ou-ou”. Sempre que funcionamos exclusivamente nesta lógica, ficamos muito limitados porque ela nos impõe que “ou” tu “ou” eu estamos errados. Ora podemos estar ambos certos. E mais, muitos que pensam de forma ainda mais divergente podem estar igualmente certos e as suas ideias serem tão geniais como as de qualquer outro. Egoisticamente falando deveríamos expandir a consciência e cultivar a abertura ao infinito, pois só desta forma seremos capazes de evoluir.

A tentação de nos fecharmos e de nos protegermos dos que pensam de forma diferente (ou de os excluirmos!) é humana, mas é perversa. Encolhe os horizontes, isola e pode autoexcluir. Não serve. Não leva a lado nenhum, sobretudo porque empobrece as relações humanas, deslustra qualquer discussão e enquista todo o debate ou troca de ideias numa total absolutização dos pontos de vista. Faz-nos reféns de lógicas que impedem de alimentar um diálogo recíproco, de partilhar experiências, de evoluir no conhecimento e também no autoconhecimento.