Combater com a realidade aquilo que queremos muito ouvir é praticamente impossível. Os últimos anos foram muito ricos em exemplos dessa regra geral. Quisemos acreditar que o problema das pensões estava resolvido, quisemos acreditar que o subfinanciamento da saúde e da educação estava resolvido, quisemos acreditar que era possível aumentar o salário mínimo sem que isso tivesse efeitos no emprego, quisemos acreditar que a redução do horário de trabalho da função pública não custava dinheiro ou degradação dos serviços, quisemos acreditar que era muito fácil e barato reduzir o desequilíbrio das contas públicas, quisemos acreditar que se podia reduzir o défice público, reduzir impostos e, ao mesmo tempo, dar mais e mais dinheiro a pensionistas e funcionários públicos. Disseram-nos que isso era possível e nós, de tantos desejarmos, acreditámos no milagre. O problema é que não há milagres. Assim que desapareceu o crescimento, assim que apareceu a crise, os mesmos problemas de sempre voltam a perseguir-nos.
Agora queremos acreditar que a responsabilidade não é de ninguém, porque ninguém podia prever um evento como o da pandemia. Mas todos sabiam que, mais cedo ou mais tarde, chegaria uma crise– até poderia ser por outra qualquer razão, mas uma nova crise iria aparecer e mostrar como estávamos apenas a navegar empurrados pelos bons ventos da conjuntura. Os bons ventos deram lugar à tempestade e o barco mostrou, de novo, como é frágil.
Na tempestade estamos a cair na mesma tentação de dizer às pessoas o que elas querem ouvir. A culpa é da pandemia, dizem-nos. Claro que a causa é a pandemia, todas as crises têm uma causa. A causa de 2011 foi o excesso de endividamento aos olhos de quem nos financiava. Mas podíamos, e tivemos condições, para estar melhor preparados. Não o fizemos. E esta conjuntura mostra também que a estabilidade política não é, em si, favorável a boas decisões de política económica. Depende das condições em que se garante essa estabilidade política. E a que vivemos desde 2015 privilegiou em excesso o mercado eleitoral de cada um dos partidos que participou na governação, não adoptando uma única medida necessária, mas impopular. Bem pelo contrário, alimentaram-se ilusões.
Este artigo é exclusivo para os nossos assinantes: assine agora e beneficie de leitura ilimitada e outras vantagens. Caso já seja assinante inicie aqui a sua sessão. Se pensa que esta mensagem está em erro, contacte o nosso apoio a cliente.