Acharmo-nos melhores do que os outros é uma trip daquelas. Nunca fiz coca mas do que já ouvi de gente que fez, as nossas capacidades naturais explodem para níveis incríveis. O mais próximo da coca que chego é a pontada de cafeína que de manhã e a seguir ao almoço aumenta o meu pobre vocabulário conceptual e me faz exprimir com excitação extra. As drogas na nossa vida tentam-nos não tanto pelas coisas novas que nos dão, mas mais pelas coisas antigas que são estupefacientemente transformadas para a nossa promoção pessoal.

Voltando ao início, acharmo-nos melhores do que os outros é uma droga natural imbatível: não precisamos de a comprar por balúrdios, não nos deixa ressaca, não nos estraga imediatamente a saúde. Sentirmo-nos melhor do que os outros é a droga que não arruína a carteira, a vida social e o futuro médico. É cem por cento segura a droga que é sentirmo-nos melhores do que os outros. E, lá está, tem o efeito de pegar nas coisas velhas dentro de mim, aquelas que já cheiravam a mofo como os meus velhos ressentimentos, e deixá-las encantadoras aos meus olhos e aos olhos dos outros. Quando me sinto melhor do que os outros fiz dos meus sentimentos de inferioridade uma razão para triunfar no mundo. Que droga incrível! Barata, limpa, orgânica.

Os discípulos de Jesus estavam em recuperação no uso da droga de se sentirem melhores do que os outros. Daqui vindos, podemos dizer que Jesus tinha uma dúzia de viciados nessa substância da superioridade social. Podemos até ir mais longe e dizer que a missão do Messias era recuperar estes drogaditos morais. Claro que a sua missão salvadora não se resumia a eles mas a partir deles podia atingir muitos mais. O discípulo de Jesus não se tornava discípulo por ser um bom exemplo mas por ser o pior. Cercado de péssimos exemplos, Cristo poderia curar muitos mais pelo contraste: quem o segue acabará no foco da maior correcção. Seguir o Mestre é estar numa espécie de Alcoólicos Anónimos que se actualizou em Alcoólicos Públicos.

Para quem, como eu, passa a vida no Evangelho de Marcos, topa o paradoxo: quanto mais Jesus fala do esforço maior que lhe é pedido, o de morrer em sacrifício pelos pecadores, menos os discípulos o compreendem e mais se entregam a doses maiores da droga que supostamente tinham abandonado—a de se sentirem melhores do que os outros. Há uma fase mórbida no ministério de Jesus: diz que tem de morrer (em Marcos 8:31), diz outra vez que tem de morrer (em Marcos 9:31), e, para não variar, volta a dizer que tem de morrer (Marcos 10:34). Quem gosta de aturar uma pessoa fixada na morte? Ninguém, certo. Mas os discípulos também não ajudam. Na primeira vez que Jesus falou em morrer, Pedro repreendeu-o (Marcos 8:32). Na segunda vez, os discípulos “tinham disputado entre si quem era o maior” (Marcos 9:34). E na terceira vez, Tiago e João prosseguem pedindo-lhe lugares sentados em glória (Marcos 10:37). Jesus está a dizer a coisa mais sóbria possível, e os discípulos a aumentar a dose de drunfos.

Mas há uma esperança. Em todas as ocasiões sinistras em que Jesus falou acerca da sua morte, falou também que ressuscitaria. Mas parece que, do mesmo modo como os discípulos não queriam ouvir falar de morte, também não apanharam a parte da ressurreição. Isso explica o choque deles quando Jesus sucumbe na cruz, mas explica igualmente o choque deles quando Jesus ressurge do túmulo. Já estão a ver onde quero chegar: para quem consome da droga que é sentirmo-nos melhores do que os outros, morrer não interessa, mas viver de uma nova maneira ainda menos. Esta adição implacável a sentirmo-nos melhores do que os outros pode matar-nos, sem dúvida. Mas nas mãos do grande reabilitador Jesus, imitarmos-lhe o sacrifício pode bem ser uma alternativa ao nosso fim.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR