Seattle foi, em várias dimensões, não só um grande Chefe, mas um grande Homem. A começar pelo tamanho. Os empregados da Hudson’s Bay Company chamavam-lhe Le Gros, O Grandalhão, devido à sua grande estatura, estimada em 1,80m, no mínimo. Terá nascido em 1786, ou um pouco antes, filho de Shweabe, Chefe dos Suquamish, e de Sholeetsa, filha e irmã de chefes dos Duwamish. Tal como as famílias reais europeias da época, os chefes índios americanos tendiam a casar com princesas, não com plebeias. Costume que, curiosamente, se encontra também na China, na Índia, no Japão, nas tribos africanas e até nu PS. A endogamia é uma doença genética, que afeta quase todos os chefes dos vários ramos da grande família humana e para a qual não há vacina nem cura.

Seattle ganhou fama, ainda jovem, como líder e guerreiro. Tinha fama de ser um grande orador, persuasivo no raciocínio e potente de voz. Voz que se ouvia, relata-se, a mais de um quilómetro de distância, sem microfone nem megafone. A sua coragem física e sentido estratégico permitiu-lhe vencer as inúmeras batalhas que defrontou durante a sua juventude e idade madura contra tribos vizinhas e rivais. Não se sabe ao certo quantas batalhas terá travado e vencido, mas não há que duvidar que não foram menos numerosas ou menos mortíferas que as travadas por Alcibíades, Subutai, Nobunaga, Napoleão ou Suvorov.

Seattle já teria uns 60 anos quando, em 1847, comandou os Suquamish naquela que terá sido a sua batalha mais famosa, contra os Chimakum, no território agora chamado Quimper Peninsula. Os guerreiros Chimakum foram vencidos e os sobreviventes foram todos mortos. Depois da batalha, também os velhos nas aldeias Chimakum foram chacinados, assim como todas aquelas mulheres e crianças que não foram feitas escravas. Também grandes chefes são por vezes brutais e desumanos, ofuscados pelas falácias habituais: “é costume”, “é necessário”, “eles também o fariam” e “qual é o mal? Fomos educados assim…”

Deste modo, os Chimakum foram erradicados, algo que não saberíamos hoje, se ao tempo já não vivessem na região alguns colonos vindos da costa Leste. Se este acontecimento tivesse ocorrido nos nossos dias é possível que houvesse algumas vozes entre o hétero-patriarcado branco a dizer que Seattle e os seus guerreiros eram culpados de genocídio. Acusação movida por motivos racistas, ripostaria qualquer deputada do Bloco, já que os Suquamish não eram europeus, e que é desrespeitadora da milenar cultura & costumes dos povos nativos e, como tal, merecedora do repúdio de qualquer progressista admirador de um Estaline ou de um Maduro.

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Seattle, fruto das suas numerosas vitórias, era possuidor de inúmeros escravos. Como, aliás, o eram Washington e Jefferson, os imperadores Mogol na Índia e Qing na China, os Castros em Cuba e u PS em Portugal. Curiosamente, escritos académicos recentes sobre os Territórios do Oregon e de Washington, desagregado este do primeiro em 1853, discutem se o número de escravos nestes vastos territórios era, na altura, de dois ou de três. A grande questão atual prende-se em determinar se Charles Mitchell (1847—c. 1876), o potencial número três, que nascera numa plantação em Maryland, filho de uma escrava negra e de um homem branco, e que acompanhara James Tilton (1820—1878), nomeado Agrimensor Geral do Território de Washington, era de facto escravo ou não.

E as dezenas de milhares de índios que eram escravos do Chefe Seattle e dos outros caciques nativos não contam para as estatísticas dos académicos modernos? Claro que não. Por dois motivos. O primeiro é porque os donos dos escravos não eram brancos. O segundo é porque os escravos não eram negros. A conceção atual de racismo deixou para trás os comportamentos discriminatórios individuais como irrelevantes e evoluiu para se focar nas forças estruturais e impessoais que atuam para abafar as aspirações das pessoas de cor, mesmo quando é impossível identificar atos discriminatórios concretos. Nesta conceção, os europeus ou brancos estão na história universal como parte de um padrão cultural que, inevitavelmente, explora os outros povos, assim como no caso americano os brancos, todos os brancos, e as suas instituições políticas são uma superstrutura impessoal, que automática e cegamente oprime os negros, todos os negros. A critical race theory, como este desvario é chamado nas faculdades de desumanidades e de estudos anti-sociais, postula que são categorias rácicas, sexuais e de desorientação líbica que posicionam as pessoas ou como opressoras ou oprimidas—racismo de que só seremos libertados quando todas as atuais estruturas sociais, que são intrinsecamente racistas, forem destruídas e regressarmos à selva. Por isso mesmo, Lincoln e Grant, duas figuras pivotais na abolição da escravatura nos Estados Unidos, são hoje considerados símbolos do racismo e as suas estátuas são destruídas. E o esclavagista Chefe Seattle? Esse é categorizado como um santinho e as suas estátuas continuam de pé. Mesmo na comuna de Seattle. E ainda bem, porque apesar dos seus defeitos, que incluíam o não reconhecer, tal como os sultões do séc. 19, a dignidade intrínseca de todos os seres humanos, Seattle foi de facto um grande Chefe!

Mais: por muitas perversidades & pecados que o Chefe Seattle tenha cometido, eles foram-lhe todos perdoados por Deus nosso Senhor quando ele se converteu ao catolicismo e se batizou em 1848, um ano após a chacina dos Chimakum. E, se bem que Sua Santidade ainda não o tenha beatificado, o Chefe Seattle já foi canonizado e é considerado um santo pelo ecologismo moderno devido a um famoso discurso que terá pronunciado em defesa dos direitos do ambiente e da mãe terra.

Seattle, como grande estratega e valoroso guerreiro que era, era uma realista. Assim soube, estratégica & corajosamente, não entrar em conflito com os colonos que no fim da sua vida começaram a entrar pelos territórios dos Suquamish adentro, mas negociou um conjunto de direitos para o seu povo, hoje geridos pela Port Madison Enterprises, o braço empresarial da tribo. Isto valeu-lhe o respeito dos colonos que, ainda antes da sua morte em 1866, impuseram o seu nome à capital do Território.

Seattle foi indubitavelmente um grande Chefe, mas fica a dúvida: porque será que não há nenhum antirracista ou anti-esclavagista, dos verdadeiros, dos a sério, dos feitos na fibra de Martin Luther King, a exigir aos Suquamish dos nossos dias um pedido de desculpas pela escravidão, opressão e massacre dos Chimakum? Ou será que que os Chimakum não eram gente?

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