As esquerdas não têm emenda. Recorrem sempre aos argumentos que servem as suas conveniências. Em 2004, quando Jorge Sampaio aceitou Santana Lopes como PM, para as esquerdas, os portugueses votavam em primeiro-ministros e as maiorias parlamentares eram secundárias. Em 2015, quando António Costa perdeu as eleições, com uma maioria de esquerda parlamentar, os portugueses votavam em deputados e não nos líderes partidários. Em 2015, as esquerdas também dividiram a política portuguesa entre esquerda e direita. Hoje, após as eleições de 10 de Março, a política portuguesa já não se divide entre esquerda e direita, mas entre três blocos: todas as esquerdas, a direita democrática, e a direita anti-democrática, o Chega.

Este último argumento permite reclamar uma vitória das esquerdas, dizendo que a soma dos deputados do PS, do Bloco, do PCP e do Livre é superior à soma dos votos da AD com a IL. Só fantasias e distrações para esconder a realidade: as esquerdas sofreram uma das maiores derrotas de sempre da história da democracia portuguesa.

Em relação a 2022, o PS perdeu mais de meio milhão de votos e 43 deputados. Desde 1991, teve o segundo pior resultado, a seguir a Sócrates em 2011 (após a falência do país). E nunca, na história da democracia portuguesa, uma maioria absoluta de um só partido se tinha auto-destruído em dois anos. Mas os maus resultados não se esgotaram no PS.

O Bloco teve o pior resultado desde 2002, igual ao de há dois anos. Mas há uma diferença fundamental entre 2022 e 2024. Em 2022, o PS conquistou uma maioria absoluta. Agora, perdeu-a. Nem com um resultado fraco do PS, o Bloco conseguiu aumentar o número de deputados, continua com 5. Isto sugere que o Chega foi buscar mais votos ao PS do que o Bloco.

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O PCP continua em queda bem acentuada. Vejamos os resultados dos comunistas nas eleições deste século. Em 2002, alcançou 12 deputados. Em 2005, subiu para 14 deputados, apesar da maioria absoluta do PS. Em 2009, aumentou um deputado. Em 2011, de novo, mais um deputado. Em 2015, manteve a tendência, mais um deputado. Em 2019, baixou para 12 deputados. Em 2022, perdeu metade dos deputados. O que é extraordinário é que, tal como no caso do Bloco, o PCP não aproveitou a derrota do PS: tem menos deputados do que aqueles que conquistou com as maiorias absolutas do PS, respectivamente 14 e 6. E tal como no caso do Bloco, o PS perdeu mais eleitores para o Chega do que para o PCP.

O Livre foi o único partido de esquerda vencedor nas eleições de 10 de Março. Mas o que é verdadeiramente preocupante para as esquerdas é que o Chega beneficiou muito mais da insatisfação dos antigos eleitores do PS do que o Bloco e o PCP. Ou seja, houve uma transferência clara de votos da esquerda para a direita.

Igualmente preocupante, as esquerdas perderam os votos dos jovens. Os eleitores entre os 18 e os 34 anos votaram primeiro na AD, em segundo no Chega e só depois no PS. O Bloco ficou em quinto nesta faixa etária, atrás da IL.

Se olharmos para os resultados finais, há três partidos de direita entre os quatro primeiros, a AD, o Chega e a IL. 138 é a soma dos deputados destes três partidos, uma grande maioria absoluta. O Chega sozinho tem quase quatro vezes o número dos deputados em comparação com todos os pequenos partidos das esquerdas. 50 deputados contra 13 deputados. Se isto não é uma grande vitória das direitas e uma enorme derrota das esquerdas, então os conceitos de vitória e de derrota deixaram de existir.

Pedro Nuno Santos não o disse, mas pelo modo como concedeu a derrota na noite das eleições, antes do apuramento final dos resultados, mostrou ter percebido o que aconteceu. O Bloco, o PCP e o Livre também perceberam, mas andam a brincar às coligações. Ninguém entende porque não fizeram essas coligações quando deviam, ou seja, antes das eleições. O comportamento destes partidos recordou-me a reação dos jovens universitários britânicos ao referendo que ditou a saída do Reino Unido da União Europeia. Muitos deles não se deram ao trabalho de viajar até suas casas para votarem, ficando nas cidades das suas universidades. Mas depois do referendo fizeram imensas manifestações contra o Brexit. Os partidos das esquerdas portuguesas seguem ideologias velhas, mas acrescentaram agora comportamentos juvenis.