Há mais de dois mil e trezentos anos, Aristóteles, o clássico filósofo grego tutor de Alexandre “O Grande” da Macedónia, aperfeiçoou uma análise sobre sistemas de poder, que continua a constituir objeto de estudo das cadeiras de ciências políticas, na vertente de História das Ideias Políticas. Após ter percorrido países e impérios, do Egipto à Babilónia, comparou e sistematizou vários regimes de poder, sintetizando-os numa simples matriz, que se traduz num modelo cuja aplicabilidade, por incrível que pareça, se mantém atual.

Em que consistia então este modelo?

Tratava-se de caracterizar o “exercício do poder” segundo dois parâmetros: qualidade e quantidade.

Em termos de qualidade, o exercício do poder era caracterizado como são, (exercido a favor do povo ou da comunidade a que era aplicado), ou degenerado (exercido em proveito próprio).

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Em quantidade, o exercício do poder era caracterizado como sendo exercido, por um… por poucos, ou… por todos.

Da construção desta matriz resultava o seguinte:

-O sistema são exercido por uma pessoa, era designado por monarquia, (no sentido do Rei justo e bom).

O sistema degenerado exercido por uma pessoa, era designado por tirania, (Rei déspota, oprimindo e explorando os seus súbditos ou governando em benefício próprio).

Ao sistema são exercido “por poucos” chamou Aristóteles aristocracia (em grego “ariston” significava o melhor; no caso, os melhores ou mais capazes a colocarem as suas capacidades ao serviço de todos). Ao degenerado chamou oligarquia, (ou seja, os melhores a servirem-se das suas capacidades para agir a seu favor).

E por último, ao sistema são executado por todos, definiu-o como democracia, (poder repartido e exercido pelos representantes em prol de objetivos comuns) e ao degenerado como demagogia ou oclocracia (poder manipulado pelos representados ou multidão em que cada representante procura obter o máximo de dividendos ou vantagens desse exercício e… digo eu… também em proveito próprio, numa desenfreada “atitude de rapina”).

Não encerrando aqui esta análise podemos animar o modelo aristotélico imprimindo-lhe uma dinâmica sequencial.

Assim, a uma monarquia pode suceder uma tirania, que pode ser deposta por uma aristocracia, que pode degenerar numa oligarquia, que por sua vez pode ser afastada por uma revolução procurando instalar uma democracia que, com o passar dos anos, degenera também ela, se não devidamente fiscalizada, transformando-se numa demagogia/oclocracia.

A alternância não será necessariamente esta, mas a um sistema tendencialmente são, sucede por vezes um degenerado, e vice-versa. Se aplicarmos este modelo à actualidade somos provavelmente forçados a concluir que, salvaguardando alguma nomenclatura e ligeiras diferenças, a “filosofia” da sua génese permanece.

Convicto estou, sem sombra de dúvidas, que o exercício do poder deverá assentar na manutenção do lado são do eixo da matriz, quer ele seja exercido por uma pessoa, por poucos, ou por todos, ou seja consoante o tipo de Nação e sua história, conjuntura, cultura, território, povo, conjunto de povos ou etnias, ou mesmo tribos a que se aplique.

É também minha convicção que, quanto maior for a maturidade política de um povo, intimamente relacionada com os seus níveis de desenvolvimento educacional e cívico, maiores serão as garantias para que o poder possa ser exercido por muitos ou todos (obviamente representados) de uma forma sã, ou seja, aquilo a que Aristóteles se referia como democracia.

É por conseguinte prioritário continuar a apostar num robusto desenvolvimento académico, físico e cívico da juventude portuguesa, e complementarmente, lançar campanhas cívicas que sustentadamente alterem a mentalidade dos menos jovens no sentido de os tornar menos tolerantes perante desvios de poder para o lado degenerado da sua execução.

Se por mero exercício e apenas para este caso, considerarmos que o Estado Novo se aproximava de uma oligarquia no modelo aristotélico de aplicação degenerada de poder e que o Golpe de Estado de 1974 (descontando o tenebroso PREC, com muitos “arrependidos” que se metamorfosearam depois das alarvidades e crimes que cometeram, por vezes  em nome de ideologias nunca anteriormente pelos portugueses sufragadas e que continuam agarrados ao poder, ou a ele intimamente ligados/dependentes), que o golpe referido, dizia eu, abriu uma janela de espaço para um regime são, ( democrático), não duvido hoje que a IIIª República degenerou numa demagogia, completados quase 50 anos sobre aquele golpe, que  delapida o erário público, endivida e compromete as gerações futuras e que sem sentido de Estado e estratégias credíveis e sustentáveis, também sob o ponto de vista económico e ambiental, ameaça seriamente o futuro de Portugal.

Se dúvidas houvesse, elas desfazem-se através de uma simples análise comparativa dos vários índices de desenvolvimento ao longo dos últimos cinquenta anos com os restantes países europeus.

Para estancar esta vertigem, a cultura da meritocracia dever-se-á assim sobrepor de vez à partidocracia e clientelismo político responsáveis pelo afastamento ao longo destes anos dos melhores e mais capazes portugueses, nas mais diversas áreas, colocando inúmeros correligionários, maioritariamente elementos sem qualidade moral, ética, intelectual, e sem capacidade técnica e/ou académica  nos lugares de topo de cargos públicos de soberania e em muitos cargos de gestão pública, no poder central e local, institutos, empresas estatais, administrações públicas e autárquicas e restantes atividades tuteladas pelo Estado.

A alteração do sistema eleitoral de plurinominal para círculos uninominais com círculo de compensação nacional, contribuirá também para incentivar a cultura da meritocracia, responsabilizar os eleitos e aumentar a sua representatividade, aumentando ainda o interesse do eleitorado que (conhece e responsabiliza quem elege), e combate a abstenção. Para isto será necessário lançar a questão com vista a uma revisão alargada da Constituição da República Portuguesa.

Talvez seja então interessante, também hoje, apontar a necessidade de refletir sobre aquela milenar visão aristotélica do exercício do poder, prosseguindo em busca da exigência de um sistema de poder são …e…AGIR !

Cascais, 03 de julho de 2023