Mário Soares fundou o PS porque o Estado Novo estava no fim. Soares pressentiu-o e, como político intuitivo que era, acertou. 43 anos antes, Salazar quis fundar a União Nacional porque era preciso retirar o exército da política. Nascido na oposição, o PS juntou opositores que queriam derrubar o regime; construída no seio do poder, a União Nacional juntou uma elite local e tecnocrata para solidificar o regime e que não questionasse Salazar.

Nada unia Soares a Salazar. Eram o oposto um do outro. Em feitio, na forma de ver e viver a vida e também politicamente. Ao contrário da União Nacional, o PS de Soares foi um partido de oposição: primeiro ao Estado Novo, depois ao PCP. E até no governo do Bloco Central, Soares e o PS foram do contra: contra a inflação, os salários em atraso, contra a possibilidade do país não integrar a CEE. Foi quando isso se conquistou, e Soares chegou a Belém, que o PS soarista perdeu a razão de ser. Em 1986, o Partido Socialista da oposição, o partido do combate político, o PS de Mário Soares desapareceu. Soares fundou-o para derrubar um regime e instituir outro e, feito isto, o seu papel terminou. Foi nessa altura que nasceu o outro PS. O Partido Socialista de António Guterres, de José Sócrates e de António Costa. Um PS de poder, não de oposição. Um PS que alberga uma elite local e tecnocrata que se apossou do regime, sustenta-se no poder e não questiona o líder.

As diferenças (que existem) entre o actual PS e a União Nacional residem, derivam, na distinção entre a ditadura e a democracia. Não se encontram no âmago das respectivas instituições, antes resultam da circunstância política que, essa sim, é diferente. Em 1930 não se votava para a Assembleia Nacional. Havia uma repressão selectiva, uma censura sobre a imprensa que não temos hoje. Mas trata-se de uma diferença de regime, não de modo de estar no regime. A União Nacional estava para o Estado Novo como o PS se encontra no actual regime democrático, ou seja como a base que o sustenta. No anterior regime, a União Nacional apresentava-se como uma massa aglutinadora e formadora de autoridades que o poder compensava e premiava; hoje é o PS quem surge como essa massa aglutinadora de uma classe dirigente formada para exercer e manter o poder. O último apoio aos pensionistas é apenas um exemplo de como este PS cerra fileiras quando teme eleições ineperadas. Mas há outros exemplos, como sejam a incapacidade do Partido Socialista ter questionado José Sócrates ao ponto de ter falhado redondamente o seu papel escrutinador do seu líder partidário. Ou a forma como o governo e o PS gerem a TAP, o modo como lidam com o Parlamento, como o Presidente da Assembleia da República se afirma politicamente por via de casos mediáticos que provoca de forma propositada.

Já o escrevi aqui e tive oportunidade de o referir na Rádio Observador: desde 1995 que o PS governa o país de forma quase ininterrupta. Os intervalos entre 2001 e 2005 e entre 2011 e 2015 foram precisamente isso, intervalos. Períodos de emergência em que o PS se afastou para que outros fizessem o que era impopular. A maioria dos actuais ministros, secretários de Estado e deputados do PS eram muito novos quando este período de predomínio socialista começou. Para eles não existe outra realidade e isso reflecte-se nas suas atitudes e no seu comportamento. Veja-se a diferença abissal entre a actual postura dos socialistas e a assumida no tempo de Mário Soares. Este chefiou um governo de emergência, aplicou um programa do FMI que era difícil e impopular. Quando se demitiu, em 1985, Soares tinha 8% nas sondagens para as presidenciais de Janeiro de 1986. Por muitas críticas que se façam a Mário Soares, o ter fugido às decisões difíceis, às medidas impopulares, mas necessárias, não é uma delas.

Atente-se na reacção de Soares quando o Partido Socialista perdeu para a AD e compare-se com a forma como o actual PS lidou com as derrotas de 2011 e 2015. Como é que os socialistas vão reagir perante uma possível derrota nas próximas legislativas? Vão deixar a alternativa ser governo ou voltarão à guerrilha política que tão bem os caracterizou entre 2011 e 2015? Só esta incógnita já é um sinal daquilo em que o PS se tornou: um partido incapaz de questionar as suas lideranças, de se interrogar, de se corrigir. De evoluir.

49 anos após o 25 de Abril podemos dizer que o país falhou em dois pontos essenciais: no desenvolvimento sustentado porque, com um Estado e uma economia endividada, é muito difícil que as novas gerações tenham a mesma esperança de uma vida melhor que os jovens e as crianças em 1974; na democracia, porque continuamos presos a um partido político, a uma organização partidária incapaz de se adaptar aos novos tempos e que faz o que pode para adiar as reformas inevitáveis. O Estado Novo não se reformou e morreu numa revolução. É cada vez mais evidente que este PS se tornou num óbice à existência de um verdadeiro Estado de direito e de uma sociedade aberta.

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