E pronto, está aprovado o Orçamento do Estado para 2020. Como esperado, o reparo da UTAO — a Unidade Técnica de Apoio Orçamental — a propósito de uma receita omitida de 255 milhões de euros foi só uma espécie de tapinha que não doeu nada ao ministro das Finanças. Aliás, consta que, depois da aprovação do Orçamento, se podia ouvir Mário Centeno a cantarolar pelos corredores da Assembleia da República:

Omite a verbazinha
Superavit vai dar
Oposição tá maluquinha
UTAOTAO eu vou levar
Porque:

Dói, UTAOTAO não dói
UTAOTAO não dói
UTAOTAO não dói
Só UTAOTAO…

Bom, diga o que disser Mário Centeno da saúde financeira do país, um deslize do Presidente da República deitou por água abaixo todo o discurso do governo. Depois da votação do OE, disse Marcelo Rebelo de Sousa: “Não há sequer condições para estar a pensar em crises políticas e económico-financeiras”. Como assim, Sr. Presidente? O país está tão mal, tão mal, que já nem uma boa e velha crise financeira os nossos políticos podem prometer? Quer dizer que já nem podemos sonhar com uma clássica bancarrota? Que miséria. Portugal já nem tem capacidade financeira para não ter dinheiro.

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Quem também viabilizou o Orçamento do Estado, abstendo-se na votação, foram os três deputados do PSD Madeira. E fizeram-no porque o orçamento prevê uma verba para a construção do hospital do Funchal. Que anjinhos. Como se essa verba não fosse logo das primeiras que Centeno cativará. E, quando confrontado com a cativação, dirá o Ministro das Finanças: “Não têm ouvido as notícias? Os oceanos nunca foram tão quentes na história humana como em 2019. E o aumento da temperatura está a acelerar. Portanto, não tarda nada o Oceano Atlântico evapora-se, acaba o problema da insularidade da Madeira e não é preciso um hospital no Funchal para nada: os madeirenses apanham a carreira e vêm à consulta no Amadora-Sintra.” E se esta justificação não calar os críticos, Centeno fechará de vez o assunto garantindo: “Mas pronto, se têm assim tanta pressa em construir o hospital do Funchal, assumo desde já o compromisso de arrancar com a obra no exacto instante em que estiver concluída a construção da ala pediátrica do Hospital de S. José, no Porto. E não se fala mais nisso.”

Ainda a propósito do PSD, Rui Rio e Luís Montenegro disputarão a liderança do partido numa segunda volta das eleições. Não vou dizer que conheço os estatutos do partido, mas tenho a certeza absoluta que esta não é a melhor solução para os sociais-democratas. Aquilo de que o PSD precisava mesmo, para poder ambicionar voltar ao governo, não era uma segunda volta. Era uma segunda vinda. Sim, sim. Neste momento, só mesmo um milagre de proporções bíblicas, ao nível de um regresso do Cristo, poderia evitar que o PSD apodreça na oposição para toda a eternidade.

Voltando à questão dos hospitais. É bem possível que, em breve, o governo resolva o problema da falta de médicos. E, não só isso não vai custar mais dinheiro, como Mário Centeno ainda poupará. O plano é simples. Consiste em retirar dos hospitais os já escassíssimos agentes da autoridade que por lá fazem rondas, de molde a que os médicos sejam agredidos com ainda mais assiduidade. É que nunca mais faltarão médicos nos hospitais. Está certo que não será a atender pacientes. Será a recuperar de contusões. Mas haverá, ou não, sempre médicos nos hospitais? Ah, pois é. Tirando um ou outro contratempo, do tipo o doente não poder ser visto pelo doutor à hora combinada porque este ainda tem os olhos todos inchados da carga de pancada que apanhou na véspera, não consigo encontrar defeitos nesta estratégia.