As diferenças entre os dois são óbvias e, obviamente, importantes. Mas ninguém fala das semelhanças, as quais também são relevantes. Em primeiro lugar, Costa e Trump perderam o voto popular e chegaram ao poder através das regras constitucionais de ambos os países. A legitimidade política é absoluta mas é seguramente um ponto em comum; e raro. Na maioria dos países ocidentais, os chefes de Estado ou de governo pertencem aos partidos mais votados.

Costa e Trump afirmam igualmente que a sua chegada ao poder marca uma ruptura histórica. Costa declara com frequência que a geringonça resultou da queda final do Muro de Berlim. Do outro lado do Atlântico, Trump orgulha-se de ser a voz daqueles que estiveram décadas sem representação política. Ou seja, ambos alargaram o poder político a movimentos radicais ou a grupos até agora ignorados. Costa e Trump beneficiaram da existência de maiorias zangadas. Em Portugal, das eleições de 2015, saiu uma maioria de cerca de 60% contra a direita. Nos Estados Unidos, as eleições presidenciais originaram várias maiorias nos chamados “swing states” contra os Democratas e contra o “establishment” político.

No entanto, apesar da aliança com forças radicais, Costa e Trump são ideologicamente moderados. Ou melhor, são políticos muito mais pragmáticos do que ideológicos. No caso de Trump, o discurso radical está longe de ser ideológico. Não há de resto qualquer consistência doutrinal na conduta política de Trump. Uns dias é protecionista, outros dias é mais liberal. Por vezes, é isolacionista; outras vezes, é mais internacionalista. Se há alguma tendência visível durante estes primeiros cem dias é uma certa moderação, pelo menos em relação às piores expectativas iniciais. Aliás, ideologicamente, com o apoio de partidos anti-democráticos e defensores de regimes totalitários, a geringonça é muito mais radical do que a maioria republicana no Congresso.

Há igualmente um certo pragmatismo no posicionamento de Trump em relação ao sistema político norte americano. No passado, já esteve mais perto dos Democratas do que dos Republicanos. Muitos entretanto esqueceram, mas Trump era mais próximo dos Clinton do que dos Bush. Trump não é um perigoso radical. É simplesmente um oportunista sem cultura política. Do mesmo modo, apesar da aliança com comunistas e bloquistas, Costa não é um político radical. Por conveniência, pode agora sublinhar os aspectos mais radicais da sua biografia política. Mas ninguém acredita verdadeiramente nisso. Aliás, até 2015, Costa era visto como um dos líderes da ala moderada e centrista do PS. No dia em que não precisar do apoio do PCP e do BE, não terá qualquer dificuldade em liderar um governo de bloco central (desde que Passo Coelho não seja o líder do PSD) ou mesmo uma coligação com o CDS mais social de Assunção Cristas. O tempo o dirá.

Além se serem pragmáticos, Costa e Trump são acima de tudo políticos de poder. Como mostra o passado recente, farão os entendimentos necessários a consolidarem o seu poder, o que não deixa de ser preocupante. Ambos exibem uma grande dificuldade em lidar com qualquer tipo de oposições, questionando mesmo a independência de instituições públicas. Trump já se envolveu um lutas com o poder judicial. O PS atacou recentemente o Tribunal Constitucional. Trump lida de um modo difícil com a independência da Reserva Federal. Costa e os seus aliados tudo fazem para enfraquecer a independência do Banco de Portugal. Trump desvaloriza a oposição democrata no Congresso. Costa ignora as perguntas do líder da oposição no Parlamento (ainda mais extraordinário na medida em que a sua legitimidade política resulta inteiramente de uma maioria parlamentar). A verdade é indiscutível: Costa e Trump exercem o poder com pouco respeito pelo princípio da separação de poderes.

Dois políticos com percursos pessoais opostos, vindos de mundos diferentes, exibem tantas semelhanças, e algumas delas perturbadoras. São a demonstração do que o contexto histórico é por vezes mais importante do que a educação política. Costa e Trump são políticos que abandonaram as categorias que nos formaram nas últimas décadas. Tiveram a ousadia de recusar as referências políticas e ideológicas que nos guiaram até ao presente e de começarem a contruir um futuro diferente do passado. Esta capacidade revela um último ponto em comum. Não têm um pingo de vergonha e são de um descaramento sem limites. Cada vez que vejo Costa e Trump em ação, o pensamento que mais me ocorre é o seguinte: são uns desenvergonhados.

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