Ann Coulter, que, como já expliquei, é o meu indicador avançado relativamente à actuação da direita conservadora norte-americana, tem uma explicação muito simples para a vitória de Donald Trump sobre Hillary Clinton. Passo a citar: «Donald Trump foi eleito presidente, ganhando à mulher mais inteligente e qualificada no mundo, porque defendeu que os americanos são mais importantes do que os imigrantes.»

No início deste ano, escrevi uma crónica em que falava dos perigos de ter um trump como presidente dos Estados Unidos. Os acontecimentos de Charlottesville, no fim da semana passada, em que um racista branco, como qualquer terrorista, se atirou de automóvel para cima de uma multidão, matando uma pessoa e ferindo várias outras, dão razão a quem temia que, com a eleição de Trump, os racistas perdessem a vergonha e saíssem do armário. Não é que racistas e nazis não existissem antes, mas, como muito bem explicou Fernanda Câncio, o actual contexto torna estas manifestações particularmente chocantes, não só por se lamentar uma vida, mas também porque esta gente apoiou Trump e porque muitos deles fazem parte da administração Trump.

Acabei essa crónica de início do ano fazendo votos para que a direita portuguesa aprendesse uma lição essencial: «que com o discurso anti-politicamente correcto vem o racismo e xenofobia». Infelizmente, pelo que sabemos hoje, pelo menos o PSD não aprendeu. Ou, se calhar, aprendeu bem demais. Aprendeu que, quando tudo está perdido, o discurso populista com laivos de xenofobia dá votos.

Confesso que há umas semanas, quando o candidato do PSD a Loures se saiu com um discurso racista contra os ciganos, não dei demasiada importância. Pensei que era um daqueles broncos que aparecem de tempos a tempos e que, rapidamente, Passos Coelho se demarcaria. Mas, ao contrário do CDS, o PSD (à excepção de Teresa Leal Coelho, honra lhe seja feita), não só não se demarcou, como reforçou explicitamente o apoio àquele candidato. Alguns dos meus amigos de esquerda tentaram explicar-me que isto mais não era do que um tubo de ensaio para testar o eleitorado. O PSD estaria mesmo a testar um discurso populista e agressivo para ver se com isso ganhava tracção.

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Não tinha dado grande crédito a esta tese até me ter apercebido da forma como o PSD está a atacar as alterações à lei de imigração. Não está minimamente em questão o direito a discordar das mudanças. Eu concordo com elas, mas reconheço que são discutíveis. O que não é aceitável é que, depois de um ano de silêncio enquanto se discutia a lei na Assembleia de República, venha um antigo primeiro-ministro atiçar propositadamente a xenofobia em Portugal. Quando Passos Coelho diz que o Estado «deixa de poder expulsar alguém que cometeu crimes graves», sabe que está a distorcer a realidade, porque sabe muito bem, é impossível não o saber, que essa impossibilidade apenas acontece em casos excepcionais. Por exemplo, quando o imigrante veio para Portugal antes de ter 10 anos de idade.

Confesso que não sei muito bem o que pense. Apesar de não ter votado em Passos Coelho nas últimas eleições, respeito o trabalho que fez à frente de Portugal, num dos períodos mais difíceis da nossa história recente, conseguindo levar o país a um bom porto. Também sempre considerei que, estando a malta de direita convencida de que a PàF ganhou as eleições, não fazia qualquer sentido tirá-lo da liderança do PSD. Mas, vendo-o a ensaiar um discurso populista, que todos sabemos como começa, mas não sabemos como acaba — ou sabemos demasiado bem, como se percebe pelos últimos acontecimentos em Charlottesville—, fico assustado.

Nas últimas eleições, pus de parte a hipótese de votar na PàF no momento em que montaram um circo na Assembleia da República para evitar a co-adopção por casais do mesmo sexo. Agora, à homofobia, juntam o racismo e a xenofobia. Nunca o PSD desceu tanto e fê-lo com Passos Coelho na liderança.

Post Scriptum: Sempre que há um atentado terrorista praticado por um muçulmano, logo aparecem muitas pessoas a exigir que toda a comunidade muçulmana se demarque do atentado. Por exemplo — e isto é apenas um exemplo, muitos outros poderiam ser dados —, depois do atentado de Manchester, Paulo Tunhas escreveu: «nos tempos em que vivemos o que se pede antes de tudo aos líderes religiosos dessas comunidades são condenações concretas dos crimes que em nome do Islão são perpetrados, o que implica o exercício, eventualmente penoso mas necessário, de assumir a partilha de uma religião comum com aqueles que são autores desses crimes. Para, é claro, depois se demarcarem da interpretação corânica dos criminosos.» E, repare-se, escreveu isto depois de escrever que imaginava que «a muito reduzida comunidade muçulmana portuguesa (cerca de 50.000 pessoas, creio) [é] tão pacífica quanto possível».

Agora que vimos em Charlottesville um tipo atirar um carro para cima de uma multidão em nome da supremacia da raça branca, essas pessoas que exigem que todos os muçulmanos se demarquem dos atentados já vieram também demarcar-se? Ou, dado que todos aqueles tipos de extrema-direita saem à rua queixando-se do politicamente correcto e de que os seus direitos estão em causa e que marcham por isso, vamos exigir que os que diariamente atacam o politicamente correcto e o acusam de ser a fonte de todo o mal se demarquem do atentado?