A Escócia votou Não. O Reino Unido rejubila e permanece unido. A Europa suspira de alívio. Mas não haja enganos: nada será como dantes nas ilhas britânicas e no continente europeu.

Apesar do resultado, e como assinalaram analistas um pouco por todo o lado, nomeadamente aqui no Observador, o paradigma nacional foi posto em causa: invertendo mais de 2 séculos da progressiva união de povos sob a égide de Estados (mais ou menos) unitários, a Europa Ocidental – a leste é outra história – conhece a partir de agora uma verdade nova simples de enunciar e profundamente complexa: as nações e os povos podem autonomizar-se dos Estados a que pertencem, pois os laços identitários que os justificam são mais frágeis do que todos criam. Irónica é a ideia não ter surgido, pelo menos com esta força, da instabilidade belga, dos movimentos independentistas na Padânia ou na Córsega, das reinvindicações espanholas da Catalunha a Galiza. Emerge agora de uma união britânica que sempre pareceu a mais sólida na sua precariedade, porque assente numa espécie de pacto volitivo inicial baseado na assunção plena do reconhecimento das diferenças dos respectivos povos – pois se as nações britânicas até têm cada uma a sua própria seleção de futebol!  

O desafio colocado agora ao governo inglês é de monta: terá de cumprir as muitas promessas feitas, sobretudo nos últimos dias da campanha. A devolução (das competências) de há uns anos deve tornar-se agora uma verdadeira reforma federalista, com poderes (muito) acrescidos para o parlamento escocês. Mas talvez o mais importante seja a percepção, pelos escoceses, do respeito pelas suas opções e identidade: um choque cultural desta magnitude pode ser o catalisador da mudança.

Outra consequência deste resultado, aliás ligada ao comentário anterior, é saber se a continuidade escocesa refreará ou não os riscos do “britexit”, isto é, da saída inglesa da União Europeia. A Escócia tem nesta matéria uma atitude bastante mais pró-europeia do que Westminster e os ingleses em geral; uma eventual saída do Reino Unido poderá levar a que a questão da independência se volte a colocar de novo muito antes dos 20 anos (mínimo) prometidos por Alex Salmond em caso de Não.

E não vale a pena esconder a chuva com uma peneira: a partir de agora, a possibilidade de uma saída escocesa será como uma espada de Dâmocles sobre o pescoço frágil de Westminster, o London Eye e as 7 irmãs. Isso, claro, a não ser que as partes recriem a sua relação numa base de respeito mútuo e de autonomia da Escócia, caso em que o Reino Unido terá averbado um novo triunfo baseado na vontade dos cidadãos, democraticamente expressa nas urnas.

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A União Europeia suspira de alívio, pois não terá de enfrentar o desafio paradoxal de saber como confortar o Reino Unido sem alienar o novo Estado. Os escoceses manterão a libra e Isabel II, a economia escocesa continuará a coser-se com as linhas que conhece e os submarinos nucleares ingleses permanecerão (ou talvez não) em Clyde.

O Não venceu, mas este referendo representa, simbolicamente, o fim de uma Era. As Nações existem e persistem, com vontade própria independente dos Estados que as contêm.

 

PROFESSOR DA UNIVERSIDADE CATÓLICA – ESTUDOS POLÍTICOS