Seriam umas onze da noite quando Ling Ling (nome fictício) começou a vomitar sangue e deixou de se conseguir mexer. Nas duas horas anteriores, alguns professores tinham estado a agarrá-la pelos braços e pernas e a deixá-la cair repetidamente no chão. Nem quando a rapariga, de 19 anos, começou a sangrar, eles pararam, pois julgavam que estava a fingir. Ling Ling tinha ido à casa de banho sem pedir autorização, foi punida e acabou por morrer.

Tudo isto passou-se em Zhengzhou, no centro da China, numa escola que alega conseguir curar o vício de adolescentes em internet, algo que é considerado uma doença mental naquele país desde 2008. A morte de Ling, ocorrida a 19 de maio, é apenas mais uma de um conjunto de mortes polémicas relacionadas com estes estabelecimentos de ‘cura’, onde são aplicadas técnicas militares controversas.

Nos últimos anos, relata o Legal Evening News (em mandarim), foram noticiados 12 casos de abusos físicos em instituições desta natureza, mas muitos mais ocorrerão sem que se saiba. Desses 12, sete acabaram com a morte da vítima. Um dos casos mais mediáticos foi o de Deng Senshan, de 15 anos, que morreu menos de um dia depois de os seus pais o terem deixado num campo de reabilitação para viciados em internet, alegadamente vítima de um brutal espancamento. No mesmo ano, 2009, o Ministério da Saúde chinês viu-se forçado a proibir a utilização de choques elétricos como forma de tratamento dos vícios em internet.

A Zhengzhou Boqiang New Idea Life Training School, que Ling Ling frequentava, apresenta-se como querendo “ajudar [as crianças] a tornarem-se saudáveis, felizes, inteligentes e de mente aberta e conduzir as famílias ao caminho da felicidade e harmonia.” A verdade é que, quando a mãe de Ling foi à escola reclamar o corpo da filha, muitos dos estudantes atiraram-lhe papéis com pedidos de ajuda e números de telefone das famílias. De acordo com o Beijing Times, que conseguiu falar com alguns estudantes, esta instituição – agora fechada para investigações – tem regras de punição rígidas que podem abranger infrações muito variadas, desde não fazer a cama corretamente até olhar para um professor com desrespeito.

Uma equipa do New York Times conseguiu, em janeiro deste ano, filmar um curto documentário num destes centros de reabilitação. Nesse filme é possível ver alguns dos adolescentes a chorar queixando-se das condições a que são sujeitos, mas também as explicações dos responsáveis pela ‘cura’.

O debate sobre se o vício em Internet é ou não uma doença mental não é pacífico e está longe de estar fechado.

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