Os dinamarqueses assinalam nesta terça-feira o septuagésimo aniversário desde que o país foi libertado pelos Aliados da ocupação nazi. Mas há uma história, um tanto negra – mas profundamente anedótica –, que hoje o Guardian revela, e que, dir-se-á, ainda assombra a democracia da Dinamarca. Quem a conta é Peter Tatchel, um ativista britânico, que, entre muitas lutas, é também defensor dos direitos dos homossexuais. Foi ele quem remexeu na história dinamarquesa e deu a conhecer, na década de 1990, o médico nazi que se se propôs “curar” os males da homossexualidade.

Carl Værnet cedo revelou os seus ideais antissemitas e homofóbicos, bem como a sua admiração pela figura de Adolf Hitler. Filiou-se no Partido Nazi dinamarquês em 1930. Quando, na primavera de 1940, a Dinamarca foi ocupada, não demoraria até que o Værnet – e a sua investigação pela erradicação da homossexualidade nos homens – chegassem ao conhecimento de Heinrich Himmler, braço-direito de Hitler, líder da Gestapo e, talvez, o principal responsável político do Terceiro Reich pelo extermínio judeu em massa. Himmler convidou-o para prosseguir com a investigação, testando a “cura”, que não era mais do que a infiltração de doses desumanas de testosterona nas virilhas dos presumíveis “doentes”, no campo de concentração de Buchenwald, na Alemanha. Morreriam quase todos.

No mesmo dia em que a Dinamarca se libertou da ocupação nazi, o Dr. Carl Værnet viu-se privado da sua própria liberdade, e acabou por ser preso em Alsgade Skole, um campo para prisioneiros de guerra, em Copenhaga, gerido, a dois, pelos Aliados britânicos e pela própria Dinamarca libertada. O responsável-maior pelo campo de Alsgade Skole era o major inglês Ronald F. Hemingway, o mesmo que autorizou que Værnet se mudasse para um hospital da cidade, e, mais tarde, se deslocasse à Suécia para receber um tratamento à base de Vitamina E (que os próprios contribuintes do país haveriam de suportar), por, alegadamente, sofrer de uma malformação cardíaca.

A verdade é que, tal como os relatórios médicos da época demonstrariam, Carl Værnet não padecia de qualquer doença cardíaca, tanto que, uma vez na Suécia, rapidamente fugiu em direção a Buenos Aires. E por lá viveu, até morrer, em 1965, não tendo, ao contrário de outros criminosos de guerra nazi, omitido o seu real nome.

E é aqui que entra Peter Tatchel. Quando este solicitou, em 1998, ao primeiro-ministro dinamarquês da altura, Poul Rasmussen, que investigasse as atrocidades cometidas por Værnet a mando nazi, bem como a razão pela qual os Aliados britânicos (e Tatchel é britânico, daí o seu interesse) foram permissivos com a fuga, Rasmussen recusou-se a investigá-lo. Mas aceitou que Peter Tatchel o fizesse, recorrendo para isso a arquivos de Estado dinamarqueses. O problema é que os arquivos eram, e ainda o são, confidenciais. Até 2025.

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