Congelamento de pensões, limites nas prestações sociais não contributivas ou impostos sobre as heranças. Numa altura em que se fala dos aumentos de despesa ou de perda de receita de um eventual acordo entre o PS e a esquerda, que ideias podem os negociadores ir buscar ao programa do PS para compensar eventuais desvios nas contas públicas?

Tendo em conta as condições impostas pelo PCP e BE para viabilizar o governo de António Costa, as contas não serão fáceis de fazer – sobretudo tendo em conta que o primeiro Orçamento está mesmo à porta e que em cima da mesa estão várias medidas que envolvem aumento da despesa do Estado ou perda de receita. Sem sabermos ainda quanto poderão custar as medidas, é possível pelo menos recuperar, no documento macroeconómico do PS, algumas medidas de compensação que podem ajudar agora a compor as novas contas – pelo menos parcialmente, visto que PCP e BE também podem travar algumas dessas propostas (já lá vamos).

As medidas foram incluídas no documento do PS em várias secções, com o objetivo de avançar como compensação apenas caso um conjunto de medidas específico para aquele setor também avançasse. Vejamos quais eram, uma a uma, e quais devem ficar pelo caminho.

No que diz respeito ao capítulo dos rendimentos, em cinco medidas apenas uma previa uma poupança para os cofres do Estado, a aplicação da condição de recursos nas prestações sociais não contributivas. Entre 2016 e 2019, esta medida deveria gerar uma poupança de 1.020 milhões de euros (pouco mais de 250 milhões/ano). Mas a medida foi muito criticada pelo Bloco na campanha, pelo que dificilmente um acordo passará por aqui;

O congelamento das pensões – com exceção das mínimas (poupança estimada de 1.660 milhões de euros). Mais um ponto que não passará nas negociações, pelo menos não como propunha o PS: Catarina Martins fez-lhe ataque cerrado no debate com Costa e o PS aceitou reabrir o dossiê que valia 415 milhões/ano na proposta do PS. De resto, havendo descongelamento de pensões, o novo Governo terá que inscrever a despesa no próximo orçamento;

Substituição dos atuais incentivos à contratação pela redução da TSU (o que se poupa aqui, 763 milhões, gastar-se-ia com a perda de receita na TSU). A verdade é que a redução da TSU não avança, por imposição do Bloco, mas nada impede que fiquem estas penalizações, que podem garantir à volta de 190 milhões de euros/ano.

Na parte que dizia respeito ao estímulo ao emprego, onde se incluía a redução da Taxa Social Única (TSU) paga pelos empregadores como pedra chave e para qual as outras serviam de compensação, o PS propunha medidas como a penalização da rotação excessiva de trabalhadores numa empresa aumentando a contribuição para a Segurança Social (250 milhões de euros/ano, até 2019). Neste caso, não há obstáculos à esquerda do PS;

O programa socialista também propunha um imposto sucessório para heranças superiores a um milhão de euros (receita de 280 milhões de euros em 4 anos, 70 milhões/ano) – que está também nos programas dos futuros parceiros;
(O PS propunha também consignar 4 pontos percentuais da receita de IRC à Segurança Social, mas parte desta seria feita evitando a redução prevista da taxa de IRC, por isso as contas não são de uma receita extra face ao cenário atual).
Na despesa do Estado, o PS propunha também poupar mais 1.810 milhões de euros durante a legislatura (452 milhões/ano, em média) com poupanças na contratação de serviços externos, racionalização e simplificação de serviços públicos e reorganização de serviços desconcentrados. Tudo isto desde 2016 até 2019, de forma acumulada. Esta poupança é, mesmo assim, mais dificilmente atingível – e só em pleno mais à frente na legislatura, visto que se tratam de cortes que demoram tempo a implementar.

Feitas as contas às principais medidas, o PS conseguirá aqui ir buscar, num cenário otimista, menos de 1.000 milhões de euros no próximo ano, para compensar as cedências de que precisa para chegar a acordo com PCP e Bloco. Se os termos do acordo incluírem as medidas conhecidas, estes valores podem servir para compensar devolução de salários, descongelamento de pensões e pouco mais.

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Ora, as negociações com Bloco e PCP incluem mais matérias com custos diretos potenciais, como a descida do IVA da restauração ou da eletricidade. E o PS terá ainda de contar com o esforço adicional exigido pela Comissão Europeia para manter a trajetória de redução do défice, mesmo que pela margem mínima exigida pelo Tratado Orçamental. Além dos outros problemas de caminho, como o pagamento eventual do crédito fiscal de IRS, concedido pelo atual Governo.

O que propõem Bloco de Esquerda e PCP?

No livro de receitas de Catarina Martins e Jerónimo de Sousa estão várias medidas desenhadas a pensar nos cofres do Estado, sobretudo, no que diz respeito à reforma fiscal. Primeiro, o partido de Catarina Martins:

  • Grande parte da reforma fiscal do Bloco passa pela redistribuição das contribuições. Os bloquistas defendem, à cabeça, a criação de um imposto sobre grandes fortunas, uma taxa agravada para bens de luxo, o fim do que chama de “borlas fiscais aos grandes grupos económicos no IRC” e a criação de uma taxa sobre transações bolsistas. É uma incógnita o que o PS pode integrar; 
  • No que respeita ao Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), os bloquistas querem o fim da isenção dos fundos imobiliários, da Igreja, dos partidos políticos e dos colégios privados; 
  • O Bloco quer também definir novos limites às deduções fiscais: mil euros nos rendimentos anuais até 20 mil; 500 euros nos rendimentos entre 20 mil e 40 mil; e, ainda, terminar com as deduções nos rendimentos acima de 40 mil euros; 
  • São conhecidas as diferenças entre Bloco de Esquerda e PS no que diz respeito à Segurança Social. No programa do BE, os bloquistas criticam as medidas desenhadas pelos socialistas e propõem a criação de uma taxa de 0,75% sobre o Valor Acrescentado das grandes empresas para financiamento solidário da segurança social e de reforço do Fundo de Estabilização da Segurança Social (FESS). Tal, explicam, representaria um acréscimo de receitas de cerca de 300 milhões de euros/ano para a Segurança Social. De fora ficariam as pequenas e médias empresas.

O programa da CDU é mais detalhado quanto ao impacto financeiro das várias medidas propostas. Tal como o Bloco, PCP e PEV defendem um regime fiscal “mais justo”. Como se concretiza? Assim:

  • À cabeça, Jerónimo de Sousa e companhia defendem a criação de um Imposto sobre Património Imobiliário assente em duas frentes: um imposto de 0,5% sobre depósitos acima dos 100 mil euros e um imposto de 0,5% sobre ações e títulos de dívida com exceção da dívida pública portuguesa. Tal, explicam, permitiria ao Estado encaixar 2.300 milhões de euros/ano;
  • No que toca ao IRC, os comunistas querem repartir (mais) esforços: uma tributação de 12,5% para lucros inferiores a 25.000 de euros; 25% entre os 25.000 de euros e os 3 milhões de euros; e 35% para lucros acima dos 3 milhões. Esta reforma traduzir-se-ia numa receita de 3.100 milhões de euros por ano;
  • Uma das batalhas o PCP e dos Verdes é a criação de um imposto sobre as transações financeiras, neste caso, de 0,5%, que permitiria encaixar 3.900 milhões de euros
  • Já no IRS, os comunistas querem a criação de taxas de 60% e de 75% para rendimentos coletáveis superiores a 152 mil e a 500 mil euros anuais, respetivamente, e englobamento obrigatório de todos os rendimentos, de forma a impedir que os rendimentos de capital sejam tributados a uma taxa inferior; 
  • No programa eleitoral da CDU, existem outras propostas pensadas para a equilibrar as contas do Estado. Desde logo, a criação de uma taxa de 50% ou 90%, respetivamente, sobre todas as transferências financeiras ou rendimentos dirigidos a paraísos fiscais; o fim dos benefícios fiscais à Zona Franca da Madeira (tal como defende o Bloco de Esquerda), e o fim dos benefícios aos fundos de investimento e imobiliários; e a criação de um imposto, às taxas de 0,5% e de 1%, sobre o património mobiliário (quotas, ações, poupanças, títulos e outros instrumentos financeiros), respetivamente acima de 100 mil e 1 milhão de euros.

Na verdade, grande parte dos programas de Bloco de Esquerda e da CDU assenta num princípio fundamental: a reestruturação da dívida pública portuguesa permitiria ao Estado uma redução considerável da despesa do Estado e a realocação de verbas. 

A CDU, por exemplo, explica que a renegociação da dívida pública com a redução do valor nominal dos montantes em 50% e redução do seu serviço em 75% permitiria libertar cerca de 6,7 mil milhões de euros, “perto do dobro do investimento público realizado em 2014” – uma linha de argumentação semelhante à do Bloco de Esquerda.

No entanto, a reestruturação da dívida pública, assim como questões como a renacionalização de várias empresas e o fim de várias parcerias público-privadas (PPP’s), que segundo comunistas e bloquistas permitiriam reduzir de forma significativa a despesa, são trunfos que não estão em cima das mesas das negociações, pelo que não podem entrar nas contas. 

No fim das negociações saberemos, de todo o modo, o que afinal entrou nas contas.