Notícias sobre o Irão raramente versam sobre a respetiva gastronomia. Especialmente em Portugal. Ora se fala de petróleo, ora do fim do embargo comercial, ora de armamento nuclear, ora de mais uma conferência de imprensa memorável de Toni, ora de outra derrota inesperada (e suspeita) da seleção nacional, treinada por Carlos Queiroz. Ou já não, quer parecer. Adiante.

Qualquer das temáticas supracitadas alimenta muito menos que um prato de jooje kabab, chencheh ou mirza ghasemi, três receitas persas que envolvem, respetivamente, frango, lombo de vitela e beringela fumada. Estime-se, por isso, a recente abertura, em Lisboa, de dois restaurantes iranianos, o Darchin e o Rose – Iranian Restaurant, um passo (ou dois) muito importante(s) para tornar futuras conversas sobre a histórica nação do Médio Oriente mais apetitosas e variadas.

Darchin

Abriu no final do ano passado perto do cemitério do Alto de São João e é obra do casal iraniano Ali — “também há quem me chame Farid”, avisa — e Azadeh. Os dois chegaram a Portugal há apenas quatro meses, vindos da Suíça, país onde viviam e costumavam organizar, segundo o anfitrião, “grandes festas ao fim de semana, com muitos amigos e a nossa comida típica.” Não foi o acaso que os trouxe a Lisboa. “A minha irmã já cá vivia e dizia-me que era um bom país para abrir um negócio destes”, conta Ali, que em português ainda só vai arranhando uns entusiásticos “muito bom” e “obrigado”. A descrição da irmã não demorou a convencê-lo e a 22 de dezembro o Darchin — que signfica canela — abriu portas.

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Ali e Azadeh, marido e mulher, são os responsáveis pelo Darchin.
(foto: © Tiago Pais / Observador)

Ao contrário do que seria de esperar, a decoração do espaço não remete para o Médio Oriente. Não há tapetes persas nem artesanato típico: na verdade, a sala, estreita mas comprida, com uma pequena divisão ao centro e um pátio, ao fundo, podia acolher — pela aparência neutra — um restaurante com cozinha de qualquer nação, ou até de nação nenhuma. Mas é persa (apesar de a Pérsia já não existir enquanto designação geográfica continua a usar-se o adjetivo persa para os aspetos relacionados com a cultura iraniana). E qual a diferença entre esta cozinha e a de outros países do Médio Oriente? Ali responde de pronto. “Os italianos inventaram a pizza, certo? Depois houve outros que os copiaram, mas continua a não haver pizzas como as italianas.”

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A sala tem aspeto neutro mas a cozinha é declaradamente persa.
(foto: © Tiago Pais / Observador)

A expressão kabab, presente em três das especialidades da casa, será familiar a todos quantos conheçam, minimamente, a gastronomia da região. Trata-se da típica forma de grelhar a carne, em espeto horizontal — o döner kebab, feito no assador vertical, é uma invenção posterior — cuja grafia varia de país para país. O chelo kabab koobideh (9,50€) é uma espécie de prato nacional: são duas espetadas de uma mistura de carne picada de vitela e cordeiro, servidas com arroz basmati, tomate e pimentos grelhados. Curiosamente, e tal como se faz no Irão, o prato vem um pequeno pacote de manteiga para espalhar no arroz e na carne.

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O chelo kabab do Darchin. (foto: ©Divulgação)

Mas da cozinha de Azadeh saem outras receitas típicas que não têm necessariamente de envolver o assador. O abgoosht (9,90€), por exemplo, envolve carne de carneiro estufada com tomate, acompanhada de batata e pêra. Já o adas polo (9,90€) combina lentilhas, canela e passas, envolvidas em arroz de açafrão com uma mistura de carne de vitela e cordeiro picadas e cebola estaladiça. E o ash reshteh (8,50€) é uma sopa invernal pesada, com massa (noodles), feijão, grão-de-bico, e vegetais. A ementa é longa, bastante variada nas propostas — algumas delas vegetarianas — e vai incluir, muito em breve, pratos do dia.

Até à data, a revelação destes sabores tem sido um sucesso. E não só entre a pequena, — “cerca de 100 famílias”, segundo o responsável — comunidade iraniana de Lisboa. “Temos vários clientes portugueses que já repetiram a visita”, assegura Ali. A simpatia do casal, a música (ao vivo e não só), e o pátio — que pede dias mais quentes — garantem que em breve outros passarão por lá.

Avenida Afonso III, 70B (Penha de França). 21 135 7182. Todos os dias, das 08h30 às 22h30

Rose – Iranian Restaurant

E se a abertura de um restaurante iraniano em Lisboa pode ser surpreendente, a abertura de um segundo surpreende ainda mais. Mas foi isso mesmo que aconteceu na semana passada, com a abertura do Rose Iranian Restaurant. Fica na Avenida Duque de Loulé, no espaço outrora ocupado por Arte & Manha, Sagrada Família e, mais recentemente, pelo Lisboa Comedy Club (transferido, entretanto, para o Teatro Villaret). Espera-se que tenha uma vida mais longa que os seus antecessores.

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O Rose Iranian Restaurant abriu há apenas uma semana, perto de Picoas.
(foto: © Divulgação)

Nesta sala sóbria, em tons escuros, (com)prova-se o talento de uma cozinheira, Pouneh, que os responsáveis dizem ser “muito experiente” nisto da cozinha persa. A carta apresenta várias receitas clássicas da região, mas ainda está a ser afinada, com novidades a surgir frequentemente.

O chelo kabab é aqui servido de duas formas distintas: chelo kabab e barg (9€), em que a carne (bovino) é filetada muito fininha (barg, segundo os responsáveis do Rose, quer dizer folha em português) e chelo kabab koobideh (7,50€), em que esta é misturada com cordeiro e picada antes de grelhar. A junção dos dois tipos de kabab no mesmo prato dá origem ao soltani, que tem esse nome porque era a refeição servida aos sultões. A carta não se fica, contudo, pelos kababs (também o serve de frango, ou jooje, como lhe chamam) e inclui diversas outras propostas típicas.

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A sala de refeições do Rose. (foto: © Divulgação / Facebook)

Três destaques: zereshk polo (7,50€), perna de frango preparada com ervas e especiarias, servida com arroz de açafrão e regada com bérberis, uma baga muito usada na cozinha persa; tahchin (7,50€), uma espécie de bôla de arroz e iogurte, com açafrão e filetes de frango; khoresht e ghormeh sabzi (7,50€), ensopado de ervas (sabzi, em farsi, o idioma local) e especiarias, servido com arroz basmati. Para acompanhar há vinhos e até cocktails. Note-se que tanto o Darchin como o Rose não têm qualquer restrição em relação a bebidas alcoólicas.

Muitos dos produtos usados, contam os responsáveis, vêm da Alemanha e do próprio Irão, para que as receitas de Pouneh, uma cozinheira experiente, saiam o mais genuínas possível. Genuína também será, garantem, a iranian disco que irá começar a funcionar em breve na cave do espaço. Isso mesmo, uma discoteca iraniana, com música da terra e não só. E o que é? “Um espaço para a nossa comunidade se reunir, mas que também estará aberto a toda a gente, e que pode servir para eventos privados”, contam. A ideia é que, aos fins de semana, possa servir para prolongar a festa depois dos jantares. Promete.

Avenida Duque de Loulé, 22B (Picoas). 91 663 4634. De segunda a sábado, das 10h às 22h30