Uma executiva de topo da Amazon terá aconselhado a administração de Donald Trump no processo de lançamento de um novo portal online dedicado a compras de material (de cadeiras de escritório a clips) a ser utilizado pelo governo dos EUA. O The Guardian é quem dá a notícia desta ligação intrincada que pode gerar milhões de dólares à companhia de tecnologia que acabasse por ficar responsável pela criação desta “loja” na Internet.

A grande prova que sustenta esta história do jornal inglês é uma série de e-mails trocados entre Anne Rung, da Amazon, e um alto responsável da Government Services Authority (GSA). Neles é discutida a abordagem que o governo deveria tomar para criar o dito portal e a conversa em questão decorreu ainda antes de ser redigida a legislação (assinada apenas no final do ano passado) que estruturaria todo o projeto.

A correspondência de 2017 entre Rung — que fez parte da administração de Barack Obama e ficou responsável pela transformação das políticas de aquisição do governo, antes de se mudar para a Amazon — e Marie Davie, da GSA, mostra a forma como a gigante do comércio online utilizou antigos membros de governo (que agora são ou funcionários efetivo ou consultores externos da mesma empresa) para ganhar influência e potencialmente dar forma a vários lucrativos contratos governamentais.

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A Amazon e a administração Trump aparentam ter uma relação antagónica, muito por causa dos ataques de Donald Trump a Jeff Bezos, o líder da empresa que também é proprietário do Washington Post. Contudo, o lobby “secreto” da Amazon mostra como a companhia foi, ao mesmo tempo, desenvolvendo uma posição destacada junto do governo federal norte-americano.

Ainda não está definido quem ficará responsável por construir o portal de e-commerce do governo dos EUA, mas é tido como certo que a Amazon terá um papel dominante em todo o processo, com isso garantido uma importante vantagem no mercado de 53 mil milhões de dólares anuais gerado pelas compras do governo.

A mesma empresa está bem encaminhada no caminho rumo a um contrato de 10 mil milhões de dólares, celebrado com o Pentágono, para a criação de um programa informático chamado “Jedi”, que prevê a criação de uma espécie de “cloud”, gerida comercialmente, onde vão ficar armazenadas muitas das informações e documentos do departamento da defesa — negócio idêntico ao que a mesma Amazon já tem com a CIA.

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A força da empresa no ramo da defesa e serviços secretos já foi atribuída à contratação de Steven Spano, em 2011, um antigo general da força aérea norte-americana que, entretanto, já abandonou os quadros da Amazon.

Em 2017, a empresa de Jeff Bezos garantiu um contrato de 5,5 mil milhões de dólares que a transformou no responsável principal pelo fornecimento de vários tipos de bens (como material de escritório e livros) a centenas de governos locais e municípios espalhados pelos EUA.

“A Amazon que ser o principal interface entre todos os organismos governamentais compradores e as empresas que lhes querem vender coisas, uma posição incrivelmente poderosa e lucrativa”, afirmou ao jornal britânico Stacy Mitchell, a diretora adjunta do Institute for Local Self-Reliance, um grupo que apoia vários pequenos comerciantes da América do Norte. Aos poucos vai-se tornando clara a ambição da Amazon em tornar Washington no seu cliente mais lucrativo — a recente criação de uma sede em Arlington, nos arredores da capital norte-americana, é para muitos mais uma prova disso.

Rung foi a responsável máxima do departamento encarregue de fazer “as compras” do governo norte-americano durante a presidência de Barack Obama, antes de se mudar para a Amazon a 1 de novembro de 2016. Foi destacada para a secção “Amazon’s Business” e ficou encarregue de expandir e aumentar o número de contratos governamentais da empresa.

As conversas entre Rung e Davie começaram ainda antes do governo formalizar a legislação para a criação do portal de e-commerce. Decorreram várias reuniões entre ambas onde tudo foi discutido ao pormenor, havendo da parte de Rung, até uma clara sugestão sobre como a GSA devia proceder na construção do canal online: “Se a legislação for aprovada, tenho ideia de como a GSA quererá abordar o assunto, mas quero ter a certeza que não estou, de forma alguma, a fugir das marcas.”

Rung chegou a perguntar a Davie se deveria esperar pelo desfecho de processo legislativo, mas a mesma tranquilizou-a afirmando que o programa iria avançar independentemente da discussão no Senado. Mais tarde, as duas trocaram mensagem mais “informais” onde Davie pedia a Rung sugestões “altamente” de alguém que pudesse ocupar cargos na sua instituição governamental, por exemplo.

A legislação norte-americana prevê um período de nojo de um ano até que um ex-funcionário do governo que tenha saído do seu cargo possa voltar a trabalhar em projetos da área que explorava enquanto funcionário público. Não é claro, por enquanto, se as comunicações de Rung violam ou não esse princípio porque a área que em questão, nesta polémica, não é exatamente a mesma que caia na sua “jurisprudência”.

A Amazon recusou comentar ao Guardian qualquer detalhe sobre o negócio ou acrescentar qualquer tipo de informação adicional sobre os encontros de Rung e Davie. Disse apenas que Rung tinha cumprido as regras éticas da Casa Branca, que de facto se encontra em “conversações continuas com a GSA” e louvou a iniciativa deste órgão governamental por demonstrar uma vontade de “transformar o tipo de conversas sobre portais [de compras] online”.

A GSA, por sua vez, afirmou numa declaração que se tinha reunido com 35 empresas entre os anos de 2017 e 2018 para discutir “capacidades comerciais existentes” e “levar a cabo estudos de mercado” ligados às plataformas de e-commerce. “Nenhuma companhia recebeu acesso privilegiado. Em vez disso, todas elas expressaram interesse no programa da Plataforma Comercial e têm igual acesso à GSA”, lia-se no documento citado pelo jornal inglês.”Não podemos especular sobre quais serão as companhias envolvidas no projeto até recebermos propostas concretas, avaliámo-las e definirmos quem poderá ficar com o projeto”.