Djalmo Gomes e Luís Lucas viviam a mais de 7.600 quilómetros de distância: um trabalhava em Angola como gestor de marketing e o outro estava no Reino Unido a trabalhar na área de gestão hoteleira. Em 2016, os dois empresários decidiram “largar os empregos estáveis e bem remunerados” e juntar-se em Lisboa para criar a Live Electric Tours, que no mês passado se tornou na primeira startup portuguesa a receber o prémio de melhor startup da Europa, na categoria de turismo.

Este serviço oferece aos turistas a oportunidade de conhecerem a cidade através de carros 100% elétricos e self-drive, equipados com Wi-Fi e, ao mesmo tempo, a possibilidade de partilharem a experiência em direto nas redes sociais — como o Facebook ou o Youtube — através de câmaras instaladas nos carros. “A ideia surgiu da necessidade de criar uma solução de mobilidade que fosse sustentável para turistas em Lisboa e que, ao mesmo tempo, respondesse aos nossos consumidores”, começou por explicar Djalmo Gomes ao Observador.

Esses consumidores, acrescentou o empresário, são as pessoas que “estão na cidade durante dois ou três dias, querem conhecer as cidades o mais rapidamente possível, querem ter uma experiência única, valorizam o fator ecológico e querem estar sempre conectados e partilhar a sua experiência”. Face a estas exigências, os dois empreendedores perceberam que o seu projeto seria uma novidade no mercado, tendo em conta que “nenhuma das soluções que já existiam respondia a todos estes fatores que os novos consumidores procuram quando viajam”. A Live Electric Tours tornou-se, em agosto de 2017, na primeira startup do mundo a introduzir a tecnologia live streaming (em direto) no setor do turismo.

O projeto foi iniciado com um investimento próprio de 100 mil euros, que serviu para a aquisição de cinco carros de dois lugares, tendo a equipa recebido recentemente uma injeção de 700 mil euros por parte da Portugal Ventures, sociedade pública de capital de risco, que permitiu aumentar a frota para 16 carros e introduzir novidades como o serviço para grupos e empresas. Atualmente, a equipa é constituída por 10 pessoas.

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Cada carro possui um áudio guia de GPS (com três línguas disponíveis: português, inglês e espanhol) e uma câmara live HD, bem como Internet grátis. Do lado dos turistas, há seis opções de tours para escolher: Lisboa Livre (sem planos), Lisboa Alternativa, Lisboa pelo rio, Lisboa Miradouros, Lisboa Completa e a mais recente Lisboa Moderna, sendo que os preços variam consoante cada tour (entre os 29 e os 99 euros) e o número de horas de viagem pela cidade.

“O serviço é muito simples, basta apenas ter mais do que 18 anos e carta de condução”, explica Djalmo Gomes, acrescentando que, desde o dia de lançamento, já foram realizadas mais de mil viagens, contando com mais de 2.500 utilizadores. O Facebook, revela, é a plataforma mais utilizada para fazer os diretos.

O início do projeto, conta Djalmo, “foi difícil”, tendo em conta que os dois fundadores estavam a residir no estrangeiro e “ninguém sabia muito bem o que iria acontecer”. “Isto de ser empreendedor… Normalmente temos de nos convencer a nós próprios primeiro e depois convencer os outros”, referiu. O aspeto que gerava mais dúvidas era o facto de a empresa querer acrescentar a tecnologia live streaming ao seu projeto em apenas seis meses: “Os nossos parceiros, os nossos familiares e outras pessoas sabiam que nós iríamos conseguir fazer isto, mas não num espaço de tempo tão curto como nós o fizemos e por isso é que foi um desafio muito grande”, explicou um dos fundadores.

Djalmo, que é licenciado em Ciências da Comunicação e diz ser “uma pessoa que gosta imenso de criar novos projetos”, não esquece também as experiências anteriores que teve no mundo do empreendedorismo: “Também já tive outras startups antes desta. Lancei, fecharam, não correram bem. Isso também é importante para o nosso sucesso”, referiu.

O prémio de melhor startup de turismo da Europa e a responsabilidade que veio na bagagem

“Não vamos mentir, fomos surpreendidos”. Foi desta forma que os dois fundadores falaram do prémio que a Live Electric Tours arrecadou no em novembro nos Startup Europe Awards, que distinguiu o projeto como a melhor startup na categoria de turismo, tornando-a na primeira ideia portuguesa a ser premiada.

É um prémio demasiado importante para acharmos que podíamos ganhá-lo de uma forma muito simples. Para nós foi muito gratificante, porque reconhece o nosso trabalho e a nossa capacidade de inovação. Aquilo que desde o princípio achamos que queríamos fazer e que conseguimos fazer foi reconhecido”, acrescentou Djalmo Gomes.

O prémio traz também outras implicações: “Dá-nos mais responsabilidade, dá-nos mais capacidade e visibilidade e isto faz com que os clientes nos procurem, mas com expectativas muito mais elevadas”, explicou o empreendedor. Sobre o ecossistema português, Djalmo refere que “Portugal começa a ser uma referência na Europa”, mas ainda há muito trabalho pela frente. “Neste momento estamos bem, mas ainda não estamos ao nível dos grandes e isso também se reflete no número de ideias premiadas neste tipo e eventos”, referiu, reforçando que o setor do turismo está a colocar o país cada vez mais no mapa.

Djalmo Gomes reconhece também que “o serviço da Live Electric Tours não é para todos, porque nem todas as pessoas gostam de conduzir”, mas há um fator que diferencia, na sua ótica, este projeto de todos os outros relacionados com o turismo: a tecnologia. “Os turistas hoje gostam de estar conectados e gostam de partilhar. O que eles fazem no nosso carro não conseguem fazer numa trotinete ou num Uber, nem numa bicicleta. Estamos a levar algo que neste momento mais ninguém está a conseguir fazer”, explicou ao Observador, acrescentando que, neste caso, o facto de existirem tantos novos projetos a surgir deve ser encarado como uma oportunidade, porque são “mais uma solução para o turista”.

As soluções que estão a aparecer hoje em Lisboa têm a ver com mobilidade. E Lisboa era conhecida, e ainda o é, como uma cidade de muito difícil mobilidade. Grande parte dos turistas deslocam-se a pé em Lisboa porque os transportes públicos não são suficientes, não são eficazes, grande parte da oferta é cara e o tráfego é muito pesado em algumas alturas do dia”, explicou Djalmo Gomes ao Observador.

À conquista do público nacional

Um dos grandes desafios para a empresa, por ser uma startup na área do turismo, é conseguir conquistar mais público nacional, tendo em conta que a Live Electric Tours tem mais de 80 nacionalidades que já experimentaram o produto, estando o Brasil e os Estados Unidos no top dos principais países. Para chegar aos clientes portugueses, a estratégia passa por alargar esta solução a outras cidades, estando já o Porto (em março) e Évora (durante o próximo ano) na lista das próximas a receber a Live Electric Tours. “Sentimos que o turismo destas cidades também está a crescer de uma forma muito expressiva. Nós precisamos destas cidades e estas cidades precisam de nós.”

E porque os empreendedores querem primeiro olhar para dentro, a hipótese de uma expansão internacional não está, para já, em cima da mesa. “Nós só podemos olhar para a internacionalização se estivermos preparados para ela, senão as coisas não correm bem”, referiu Djalmo Gomes, acrescentando que só quando o modelo nas cidades portuguesas estiver solidificado é que a empresa está pronta para entrar noutros países.

Para já, Lisboa é a única cidade onde a Live Electric Tours se encontra, mas o Porto e Évora já estão na lista para receber o projeto

Já o feedback dos turistas que experimentam o serviço da Live Electric Tours tem sido positivo: “Normalmente, quando compram um produto, não estão à espera de encontrar todas estas funcionalidades num carro, então para eles é uma grande surpresa”, explicou o empreendedor.

sustentabilidade é também outro pilar da empresa e Djalmo Gomes assegura que este foi um fator pensado desde o primeiro dia. Por se tratarem de carros 100% elétricos, há também o direito a estacionamento grátis em Lisboa, tendo em conta que a EMEL isenta este tipo de veículos de pagar qualquer valor pelo estacionamento na cidade.

Acreditamos que o futuro do turismo terá obrigatoriamente de ser ecológico e sustentável e, por isso, desde o primeiro dia, decidimos que só operaríamos com viaturas 100% elétricas”, referiu Djalmo Gomes ao Observador.

Trabalhar com viaturas 100% elétricas, numa altura em que nem tudo nas cidades está preparado para recebê-las, também trouxe algumas dificuldades: durante seis a oito meses a empresa não teve um centro operacional e trabalhou dependente de terceiros para fazer os carregamentos dos carros “Foi um desafio enorme”, explicou o empreendedor. Atualmente, o projeto já conta com um centro operacional próprio, que permite à empresa ser completamente autónoma no carregamento dos carros e conseguir satisfazer as necessidades dos clientes.

Mas nem só de turistas individuais se faz o negócio da Live Electric Tours. A empresa oferece também um produto corporate, ou seja, para empresas que queiram fazer eventos com os seus próprios funcionários. “O que nós fazemos é também ter esta responsabilidade ambiental para quando as empresas quiserem fazer as suas atividades pensarem também que podem fazê-las com respeito ao ambiente e integrar os seus funcionários nesse mesmo objetivo”, concluiu Djalmo.

*Texto editado por Ana Pimentel
*Tive uma ideia! é uma rubrica do Observador destinada a novos negócios com ADN português