A Fiat Chrysler Automobiles (FCA) deu o pontapé de saída com uma proposta de fusão a 50% com o Grupo Renault, apresentada a 27 de Maio, que depois foi retirada a 6 de Junho pelos italo-americanos, quando perceberam que o Estado francês, que com 15% do capital da Renault é o seu maior accionista, preferia primeiro resolver o mau ambiente entre Renault e Nissan, antes de avançar para um casamento com a FCA. Mas eis que entretanto alguém explicou ao Governo de Macron que a união com o grupo que detém a Abarth, Alfa Romeo, Chrysler, Dodge, Fiat, Jeep, Lancia, Maserati e RAM, entre outras, poderia fazer pender para o lado gaulês a guerra surda que mantêm com os japoneses. Isto, enquanto permitiria economizar 5 mil milhões de euros por ano a qualquer um deles.

Depois deste casa-descasa, eis que o Grupo Renault – que inclui, além da marca francesa, a Dacia, Alpine, Lada e Samsung Motors, possuindo ainda 43,4% da Nissan e 3,1% da Daimler – voltou a sentar-se com a FCA para tentar encontrar uma solução, desejada pelos dois conglomerados industriais. De acordo com a proposta original, a FCA nomearia o chairman e a Renault o CEO, fazendo dela o líder do novo grupo, que seria localizado na Holanda por motivos fiscais. A fusão criaria o 3º maior grupo automóvel mundial, logo atrás da Volkswagen e da Toyota, podendo mesmo passar a ser largamente o líder caso envolvessem igualmente a Nissan.

Enquanto as negociações decorrem com a FCA, um mero consultor da Renault, Toby Myerson, esteve reunido com a administração da Nissan no Japão, no que é um grave destrato dos franceses aos nipónicos. E com razão, segundo muitos analistas do sector, pois o sócio europeu ainda não se terá esquecido do rol de acusações públicas feitas a Carlos Ghosn, (ex-CEO da Renault e chairman da Nissan), numa questão que, a ser verdade – e este ainda é um grande “se” – deveria ser tratada internamente, pelo menos de início. Contudo, a opção dos japoneses foi tentar ganhar, através dos media, o espaço de manobra que perdeu quando (praticamente) faliu e foi salva pela Renault e por Ghosn em particular.

Carlos Ghosn, até Novembro CEO do Grupo Renault, da Aliança Renault-Nissan-Mitsubishi e chairman da Nissan, foi sacrificado pelo fabricante japonês para tentar alterar o peso que detêm no seio da Aliança. Mas, até agora, sem qualquer sucesso

A Nissan pretende que as acusações que formalizou contra Ghosn, o seu responsável máximo, lhe permitam sair do aperto em que a sua própria administração a colocou em 1999, quando à beira da falência teve de aceitar a mão (e o dinheiro) dos franceses. Só que isso teve um preço, que permitiu à Renault deter 43,4% da Nissan, com o correspondente poder de voto, enquanto a Nissan possuía 15% da marca gaulesa, sem poder de voto algum. Mas não só o construtor francês (e o Governo, que representa o maior accionista) não parece inclinado a ceder o controlo da Nissan, como depois de um eventual casamento com a FCA, a Nissan vai ter mais dificuldades em pressionar um gigante que produz 8,7 milhões de veículos por ano.

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Se por um lado a FCA e a Renault se estão a esforçar para chegar a acordo, a Nissan, temendo o que vem aí, já está a tentar fazer as pazes com os franceses, especialmente depois da FCA afirmar que os 43,4% que a Renault detém na Nissan são um dos bens importantes para o novo grupo. Numa entrevista ao Financial Times, o CEO da marca japosesa, Hiroto Saikawa, afirmou que “a Nissan deve fazer as pazes com a Renault” e que as empresas “se devem estabilizar e fortalecer”.

Os franceses, pelo seu lado, parecem pouco dados a esquecer ou a desculpar a deselegância de foram alvo – em Novembro quando deram munições à justiça nipónica para acusar e prender Ghosn, que continua a aguardar julgamento –, especialmente porque a Nissan tentou nas últimas semanas fazer aprovar uma alteração à “governance” da empresa, limitando o poder dos accionistas franceses, o que levou o chairman da Renault, Jean-Dominique Senard a informar, por carta, que iria bloquear a votação e qualquer medida que vise beliscar o poder que detêm sobre o fabricante nipónico. Por outro lado, o Governo francês aconselha calma e defende que se normalizem as relações com a Nissan antes do casamento com a FCA, tendo sido exactamente este anúncio que levou à interrupção das negociações a 6 de Junho.

Para alguns analistas do sector, a Nissan sempre pretendeu chamar a si uma importante fatia do ‘lombo’ da Aliança Renault-Nissan-Mitsubishi. Depois de extremar posições e desencadear a detenção de Carlos Ghosn, é bem possível que consiga melhorar ligeiramente o seu peso no grupo, mas os franceses não parecem dispostos a ceder mais do que um simples osso.