“Com aquela disposição no terreno e com aquelas características não creio que se justifiquem nunca”. A frase é de Helena Borges, Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, sobre a operação em Valongo no final de maio, no qual inspetores do Fisco e outras forças de segurança mandaram parar carros junto à saída de uma auto-estrada para analisar matrículas e perceber se os condutores tinham dívidas fiscais.

A responsável respondia na comissão parlamentar de Orçamento e Finanças, na sequência de um requerimento do PSD que pediu a sua presença para dar explicações sobre a medida.

Helena Borges reafirmou o que já tinha sido dito pelas Finanças (quer pelo ministro Mário Centeno como pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais), em suma: que a direção central e a tutela não tinham conhecimento de que esta ia ser feita. “Todas estas ações que falamos que decorreram em diversos concelhos do Porto terão sido planeadas a nível regional” e que os termos em que decorreram não foram passados “nem em detalhe nem de forma específica”.

Quanto ao plano operacional das Finanças do Porto, que permitiu aquela ação em Valongo, trata-se de um “instrumento de gestão da organização”, mas não “carece de aprovação” por parte dos serviços centrais. “Há competências próprias a nível local e regional” mas que têm de estar alinhadas com as linhas de orientação estratégica planeadas centralmente.

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Foi aqui que houve “algum desalinhamento”, disse Helena Borges. “Este tipo de ações apenas se destinam a contribuintes que não reagem a outro tipo de estímulos”, primeiro de incentivo ao cumprimento e depois de cobrança.

“Eu também não [naquela operação os princípios da] administração que eu projeto e que ajudo a construir. (…) Todos observámos uma desproporção de meios. Acho que temos de olhar para este caso como um caso a merecer toda a nossa atenção e a fazer-nos refletir: quer sobre a comunicação interna como quanto à leitura que a sociedade faz da AT”, disse Helena Borges.

“Todos reconhecemos que correu menos bem”, salientou a responsável, para quem uma das questões principais – algo que está a ser apurado num inquérito interno – é a de saber se todos os contribuintes mandados parar “justificavam esse tipo de estímulos de apoio ao cumprimento”. “Se isso não aconteceu então houve violação dos princípios da proporcionalidade”.

Sobre se o Fisco – e a polícia – mandou parar aleatoriamente contribuintes, Helena Borges disse que não. “Não houve paragens aleatórias. (…) Todas as pessoas paradas estavam numa lista de processos” identificada previamente.

Afinal quem chamou a imprensa a Valongo?

Um outro ponto levantado por Helena Borges foi a de saber quem chamou a imprensa ao local. E revelou que esse é um dos aspetos que está a ser investigado no inquérito interno da Autoridade Tributária (AT). “Os serviços regionais não tem capacidade de chamar a imprensa e não quero crer que o tenham feito.  É algo que vamos ver durante o inquérito”, disse Helena Borges, admitindo porém que possa ter sido feito por erro.

A deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua considerou mesmo que se a operação já era grave em si, mas que se a imprensa foi chamada pela Autoridade Tributária “então é dez vezes mais grave”. No entanto, a questão fundamental da deputada foi a de saber se a Autoridade Tributária se pode prestar “ao papel de Cobrador do Fraque”, usando os seus meios e poder coercivo que o Estado lhe concede para cobrar dívidas das portagens instaladas das auto-estradas construídas em regime de Parceria Público-Privada (PPP).

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Isto porque a AT tem como uma das suas obrigações a cobrança de portagens não pagas. Helena Borges disse que é em alguns destes casos, mas em situações extremas, que o Fisco pode ir à estrada para parar e penhorar veículos pertencentes a empresas “que devem milhares e milhares de euros em portagens” e que ainda têm veículos a circular.

“Mas as regras da AT são iguais para cobrar para o Estado ou para a Ascendi?”, perguntou Mariana Mortágua. “São, as regras são as mesmas”, respondeu Helena Borges.

Cecília Meireles perguntou ainda à diretora-geral sobre quando é que teve conhecimento da operação de Valongo. Helena Borges admitiu que foi “na imprensa”, uma vez que o plano de atividades não fazia menção a um plano de ação como o de Valongo. Além disso, não houve uma “notificação central”.

A responsável disse ainda ter “muita estima pessoal pelo [ex] Diretor de Finanças do Porto”, e que lhe “custa que tenha acontecido um episódio como este”. “A única maneira de não cometermos erros é não fazermos nada”, rematou. Helena Borges garantiu ainda que mantém total confiança na equipa do Porto.

Recorde-se que o diretor de Finanças do Porto, José Oliveira e Castro, colocou o lugar à disposição, na sequência da “Ação sobre rodas”, em Valongo, na qual 20 elementos da AT e 10 da GNR levaram a cabo uma operação de fiscalização de condutores com o objetivo de cobrar dívidas fiscais. A ação foi depois suspensa pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, que determinou a abertura de um inquérito.

A demissão de José Oliveira e Castro foi “prontamente aceite pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais”, referiu, na altura, o Ministério das Finanças em comunicado.

Verificar casamentos? “É um setor de risco”

O deputado Cristóvão Norte (PSD) questionou inicialmente a diretora-geral sobre eventuais ações do Fisco dirigidas a casamentos. Helena Borges disse que a AT não as fez, mas com uma precisão: “não há um código de atividades económicas para casamentos, mas sim para eventos”.

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“Mas é evidente que é um setor a investigar, porque é um setor de risco”, disse a responsável, ressalvando que – tal como deveria ter acontecido em Valongo – a atuação do Fisco teria de ser “sempre proporcional e nunca intrusiva”.

“E com atenção para que não haja perturbação das celebrações”, disse Helena Borges, especificando que as ações devem ser dirigidas aos agentes económicos. A responsável frisou que o Fisco não realiza “ações sobre casamentos aos noivos”. “Realizamos ações de controlo às empresas e não é nos momentos das celebrações.”