O Banco de Portugal está atento aos desenvolvimentos do processo judicial que levou um tribunal angolano a arrestar as contas e participações em empresas de Isabel dos Santos no país, por suspeitar que a empresária e filha de José Eduardo dos Santos tenha lesado o país em mais de mil milhões de euros, com a cumplicidade do pai e antigo Presidente da República.

Em resposta a perguntas envidas pelo Observador, a propósito do estatuto de Isabel dos Santos como uma das principais acionistas do banco português Eurobic, a entidade responsável pela supervisão e regulação do setor diz que “considera todos os factos novos que possam ser relevantes para efeitos de avaliação ou reavaliação da adequação de quaisquer pessoas que exerçam funções de administração/fiscalização ou sejam acionistas de instituições por si supervisionadas”.

Apesar de lembrar que “a engenheira Isabel dos Santos não integra o Conselho de Administração de nenhuma entidade sujeita à supervisão do Banco de Portugal” — é apenas acionista — e de invocar “as questões de segredo a que o Banco está invocado”, o supervisor deixa uma garantia que sugere que não ignora os desenvolvimentos do processo:

O Banco de Portugal interage e troca informação, nos limites do quadro normativo aplicável, com todas as entidades e autoridades, nacionais e internacionais, de forma a poder consubstanciar factos que possam ser relevantes no contexto desse juízo”, refere o Banco de Portugal, em nota enviada ao Observador.

O “juízo” em causa, a que o Banco de Portugal se refere, diz respeito à adequação da empresária angolana — e ao cumprimento dos critérios de idoneidade impostos no sistema financeiro — para acionista de um banco português, perante os “factos novos” que são as suspeitas de que tenha lesado o Estado angolano em mais de mil milhões de euros.

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A empresária detém 42,5% das ações do banco Eurobic — o antigo BPN — e não tem “outra participação social em qualquer outra instituição financeira supervisionada pelo Banco de Portugal”, lembra ainda o regulador.

Isabel dos Santos diz que não lhe foi dada oportunidade para se defender: “É importante a justiça ser justa”.

CMVM também garante estar a acompanhar processo

A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) “está a acompanhar as implicações” da decisão judicial de arresto de bens da empresária angolana Isabel dos Santos em Angola, disse esta quinta-feira à agência Lusa fonte oficial daquela entidade.

Questionada pela Lusa, fonte oficial disse que a “CMVM está a acompanhar as implicações da referida decisão judicial, designadamente no que respeita a eventuais obrigações de prestação de informação ao mercado por entidades nacionais”.

No entanto, tendo em conta que “a referida decisão incide primariamente sobre entidades de direito angolano, não se afigura por ora, e em face da informação disponível, exigível que sociedades cotadas nacionais, não visadas pela referida decisão, divulguem informação ao mercado”, concluiu.

A decisão do tribunal angolano e o envolvimento de José Eduardo dos Santos

Esta segunda-feira, o Tribunal Provincial de Luanda determinou o arresto preventivo de contas bancárias pessoais da empresária angolana Isabel dos Santos, de Sindika Dokolo e de Mário da Silva – o principal gestor da empresária -, além de nove empresas angolanas nas quais detêm participações sociais. Entre essas empresas, encontram-se a operadora Unitel, o banco Banco Fomento Angola (BFA), a ZAP Media, a Cimangola II, a Ciminvest, a Continente Angola e a Sodiba, entre outras.

A Justiça angolana suspeita ainda de que o ex-Presidente José Eduardo dos Santos tenha autorizado um alegado desvio de cerca de 115 milhões de dólares e tenha alegadamente favorecido a filha no comércio de diamantes. Somando todas as suspeitas, as autoridades angolanas acreditam que o erário público angolano terá sido prejudicado em mais de mil milhões de euros, para favorecer Isabel dos Santos e o seu marido, Sindika Dokolo.

Tribunal angolano arresta contas e empresas de Isabel dos Santos e responsabiliza José Eduardo dos Santos por favorecer a filha

Em entrevista recente ao Observador, a empresária angolana tinha recusado por mais de uma vez ter sido favorecida enquanto empresária, ao longo da sua vida por ser filha de José Eduardo dos Santos, que foi presidente de Angola entre 1979 e 2017.

Os negócios de Isabel dos Santos em Portugal

Em Portugal, além de ser acionista do banco Eurobic, Isabel dos Santos detém ainda participações em setores como a energia (Galp e Efacec) e telecomunicações (NOS).

Na energia, a petrolífera angolana Sonangol detém uma participação indireta na Galp através da Amorim Energia. Isto porque a petrolífera angolana controla a Esperaza Holding, empresa que, conjuntamente com o grupo Amorim, detém a Amorim Energia, a qual é dona de 33,34% da Galp Energia.

A Amorim Energia tem como acionistas a Power, Oil & Gas (35%), Amorim Investimentos Energéticos (20%) e a Esperaza Holding BV (45%). Por sua vez, a Esperaza é detida em 60% pela Sonangol e 40% por Isabel dos Santos.

Ana Gomes sobre Isabel dos Santos: “Em Portugal há muita gente cúmplice do saque a Angola”

Em outubro de 2015, através da Winterfell Industries, a empresária adquiriu a maioria do capital da Efacec Power Solutions, passando Mário da Silva – um dos visados no arresto de bens e ‘braço direito’ de Isabel dos Santos – a presidir o Conselho de Administração. A Efacec Power Solutions opera nas áreas da engenharia, energia e da mobilidade.

Nas telecomunicações, Isabel dos Santos detém uma participação na NOS – ainda tentou comprar a PT SGPS, atual Pharol, em novembro de 2014, mas falhou a operação. A entrada no setor deu-se em 20 de dezembro de 2009, quando através da Kento Holding Limited, ficou com 10% da Zon Multimédia.

Como Angola avançou contra Isabel dos Santos (e atingiu também o pai)

Em maio de 2012, a Unitel International Holdings B.V. adquiriu 19,24% da operadora, no âmbito de movimentações que tinham como cenário uma possível fusão com a Optimus, da Sonaecom, do grupo Sonae.

Em novembro do mesmo ano, a Sonaecom e Isabel do Santos tornaram pública a operação de fusão, que viria a dar origem à NOS, operadora controlada pela ZOPT, de que são acionistas a empresária angolana e o grupo português liderado Cláudia Azevedo.

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