O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, disse esta qurta-feira que, do ponto de vista administrativo, os factos que envolvem a morte de um cidadão ucraniano, Ihor Homeniuk, à guarda do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) no aeroporto de Lisboa, estão “entre a negligência grosseira e o encobrimento gravíssimo“, e assegurou que “tudo isso terá consequências disciplinares”.

“O que aconteceu é gravíssimo, deve ser investigado, apuradas as responsabilidades criminais e administrativas que daqui decorram, tomadas as alterações de procedimento necessárias”, afirmou Cabrita, sublinhando que é à Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) e ao ministério que cabe tirar ilações do ponto de vista administrativo e à PJ que compete a investigação criminal.

Por enquanto, o centro de instalação temporária do aeroporto de Lisboa, onde o crime terá ocorrido, vai ficar encerrado até ao dia 30 de março, revelou o ministro.

Não é este o Portugal que conhecemos e de que nos orgulhamos nesta matéria, e que é uma referência internacional“, disse Cabrita no Parlamento, numa audição pedida pelo Bloco de Esquerda, que pretende “apurar a responsabilidade política de quem tem a tutela sobre o SEF”.

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“Jamais estive no Parlamento numa situação que mais contrariasse os valores do estado de Direito Democrático e os princípios que o SEF segue em política de fronteiras, de migrações, de política de acolhimento de cidadãos de outras nacionalidades que procuram Portugal”, disse Cabrita, antes de enumerar os méritos de Portugal neste tema. “O Portugal que corresponde à orientação do Governo e à orientação atribuída e executada pelo SEF é o Portugal que, no âmbito da OCDE, maior taxa de naturalização de cidadãos estrangeiros tem, que maior acolhimento tem de cidadãos estrangeiros.”

Cabrita falou depois das missões feitas por Portugal no âmbito do apoio aos refugiados e reconhecimento do pleno acesso ao SNS dos estrangeiros durante a crise da Covid-19. “É esse o Portugal que reconheço“, disse Cabrita, antes de fazer um relato dos factos que atualmente estão comprovados e de ter reconhecido que, do ponto de vista administrativo, o que terá ocorrido “está entre a negligência grosseira e o encobrimento grave“.

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Eduardo Cabrita apresentou aos deputados da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias um relato dos factos do ponto de vista administrativo — uma vez que não pode pronunciar-se sobre os assuntos de natureza criminal, a ser investigados pela Polícia Judiciária. Segundo o ministro da Administração Interna, o procedimento aparenta ter seguido os padrões normais entre a chegada do cidadão ucraniano ao aeroporto de Lisboa e uma primeira tentativa para que ele embarcasse num voo de regresso.

O SEF, no dia 12 de março, notificou o Ministério Público da ocorrência da morte de um cidadão ucraniano, no centro de instalação temporária do aeroporto de Lisboa. Foram feitas as diligências necessárias de comunicação ao MP e autorização do MP de remoção do cadáver para o Instituto de Medicina Legal para autópsia”, explicou Cabrita, afirmando que a indicação oficial é a de que o cidadão ucraniano morreu de falha cardíaca na sequência de um ataque epiléptico.

“A certidão de óbito diz paragem cardiorrespiratória na sequência de crise convulsiva. A autópsia não a conheço. Já vi referências nos jornais, mas não me posso pronunciar“, afirmou o ministro, questionado pelos deputados sobre incongruências entre a certidão de óbito e o relatório da autópsia que têm sido apontadas pela imprensa.

Segundo Cabrita, Ihor Homeniuk “foi sujeito aos mecanismos de controlo normais”, mas lembrou que Portugal estava “já com mecanismos de controlo mais intenso sobretudo vindos de países de fora do espaço Schengen” por causa da pandemia. “O primeiro caso de coronavírus em Portugal foi no dia 2 de março. No dia 10 de março ainda existiam voos com alguma regularidade, mas existia já uma atenção especial àquilo que eram deslocações não essenciais“, disse o ministro.

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“Este cidadão aparece com um visto de turista. O diálogo na primeira linha levou à sua transmissão para o controlo de segunda linha, onde há questões que são colocadas. À segunda pergunta, o cidadão em causa disse que, tendo um visto turístico, não tinha local de alojamento turístico, não tinha voo de regresso, e disse que a sua intenção era trabalhar em Portugal. As declarações não correspondiam minimamente à natureza do visto”, sublinhou o ministro.

“O que não é legítimo é o que aconteceu depois”

“Não estamos a falar de um imigrante”, insistiu Cabrita. Ihor era “um cidadão que chegou no dia 10 de março com um visto de turista”. “Perante alguém com um visto de turista que diz que não tem hotel onde ficar, não tem voo de regresso comprado nem data prevista de regresso, e à terceira pergunta diz que o que quer é ir trabalhar, a recusa de entrada é legítima. O que não é legítimo é o que aconteceu depois”, assinalou o ministro.

Eduardo Cabrita afirmou que não está em questão qualquer ato de natureza discriminatória e lembrou que, no ano passado, 89 cidadãos ucranianos foram transferidos para a segunda linha de controlo no aeroporto de Lisboa, “dos quais 26 tiveram recusa de entrada”. Trata-se de “menos de 0,1% dos cidadãos ucranianos” que entraram em Portugal. “Não há aqui nenhuma natureza discriminatória. Há taxas muito baixas de recusa de entrada. Havendo uma recusa de entrada, os cidadãos devem voltar ao local de origem no primeiro voo que for possível.”

“Quando foi ao Centro de Instalação Temporária, foi dito que houve uma situação de natureza epiléptica. Foi conduzido ao hospital de Santa Maria e passou lá uma noite“, explicou o ministro, assinalando que, depois, o cidadão ucraniano se recusou a entrar num primeiro voo, tendo passado a noite de 11 para 12 de março no aeroporto. Até à recusa em entrar no voo de regresso, Cabrita diz que todos os padrões normais aplicáveis à situação do ucraniano foram seguidos.

“Os factos que terão ocorrido terão ocorrido numa sala afeta aos Médicos do Mundo, com os quais há um protocolo independente. Terá sido chamada a Cruz Vermelha, e ter-se-á verificado, terá sido confirmado o óbito ao final da tarde. O óbito aponta causas naturais. A certidão de óbito está subscrita pelo médico nos termos habituais nesta circunstância“, acrescentou Cabrita.

A partir daqui, o ministro destacou que é necessário investigar os factos que estiveram na origem da morte do cidadão. “Não pode haver nenhuma contemplação relativamente a situações que estão a ser investigados“, disse Cabrita, destacando que as ações exemplares do SEF na maioria das situações não desculpam “nada daquilo que tenha acontecido”. Cabrita deixou ainda uma certeza: se foram usados bastões extensíveis para agredir o cidadão ucraniano, tal é “totalmente ilegal”, uma vez que essa arma “não integra o equipamento atribuído aos inspetores do SEF no aeroporto”.

Ihor Homeniuk morreu no dia 12 de março no aeroporto de Lisboa, depois de lhe ter sido recusada a entrada em território nacional. Estava à guarda de três inspetores do SEF que, entretanto, já foram detidos e são suspeitos de homicídio. Encontram-se em prisão domiciliária. O caso levou à demissão dos diretores do SEF alocados ao aeroporto de Lisboa e à nomeação, como substituto naquele cargo, do oficial de ligação do SEF no gabinete do ministro da Administração Interna.