A quatro dias do último Natal, Deborah Birx estava tranquilamente a repor refrigerantes em baldes de gelo e a abrir garrafas de vinho para a festa de Natal que estava a organizar em sua casa em Washington. Vestia uma camisola natalícia azul-bebé, com flocos de neve e ursos polares. A descrição é de um perfil escrito para o The Washington Post  por uma jornalista que escreve sobre o combate ao vírus HIV/SIDA, área em que Birx já era uma estrela. Na altura, a coronel do exército na reserva já tinha uma missão difícil em mãos, mas o desafio ficou ainda mais difícil dois meses depois. No final de fevereiro, foi nomeada a coordenadora na resposta ao coronavírus nos EUA. Entretanto Deborah Birx tornou-se uma figura nos briefings sobre a pandemia, foi até forçada a dar uma resposta evasiva ao presidente numa polémica conferência de Donald Trump e já está na short list para secretária de Estado da Saúde (o equivalente a ministra da Saúde em Portugal).

Há três dias, Deborah Birx estava sentada numa cadeira enquanto Donald Trump disse:

“Gostaria que falasse com os médicos para ver se há alguma forma de utilizar a luz e o calor para curar [o coronavírus. Você sabe? Se você pudesse? Talvez se possa, talvez não possa. Mais uma vez, digo que talvez possa, talvez não. Eu não sou médico. Mas eu sou uma pessoa que tem um bom [aponta para a cabeça]… Você sabe o que [quero dizer]. Deborah, você já ouviu falar disto? O calor e a luz em relação a certos vírus, sim. Mas em relação a este vírus?”

A especialista e coordenadora do combate ao coronavírus que já antes se tinha demonstrado surpreendida quando Trump disse que o desinfetante poderia ajudar, pareceu ficar atónita com a referência do presidente e respondeu:

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Não como um tratamento. Quer dizer, certamente a febre é uma coisa boa. Quando estamos com febre, ela ajuda o corpo a reagir. Mas, eu não vi o calor ou luz como um…”

Antes de Deborah Birx concluir, Trump interrompeu:

Eu penso que esta é uma coisa boa para olharmos. Ok?”

As reações de Deborah Birx correram o mundo. Tal como Anthony Fauci, a antiga a coordenadora nacional de combate ao coronavírus tornou-se num dos rostos mediáticos das célebres conferências de imprensa de Donald Trump. Fauci foi o mentor de Birx durante o estágio.

A diplomacia é a chave para gerir pasta da saúde nos EUA?

A Administração Trump está a estudar um plano para substituir o atual secretário da Saúde, Alex Azar, havendo – segundo fontes próximas do processo citadas pelo Politico – dois nomes em cima da mesa: o vice-secretário da Saúde, Eric Hargan, e a própria Deborah Birx. Nesse artigo que fala da sucessão de Azar – que a Administração Trump já veio negar – é descrito que Birx ganhou aliados na Casa Branca por um “misto de perspicácia científica e uma diplomacia com um toque suave”.

Os conflitos entre altos funcionários da Administração com o secretário de Estado da Saúde aumentaram durante a pandemia, com a Casa Branca a ficar agastada com a forma como Azar geriu a saída do especialista em vacinas Rick Bright. Os mesmos altos funcionários da Casa Branca também culpam Azar pela instabilidade que se arrasta há muito tempo no departamento de saúde e por uma série de peças jornalísticas que dizem que o atual secretário de Estado instou Trump a agir contra o surto logo em janeiro, tendo o presidente e os seus conselheiros desvalorizado esse apelo. O próprio Azar negaria essa versão, mas o Politico cita várias fontes a dar conta desse descontentamento de Trump com o responsável da Saúde. Esta pode ser a oportunidade de Deborah Birx.

Quem é Deborah Birx?

Já em março de 2020, o Observador escreveu um perfil sobre a coordenadora dos EUA para o combate ao novo coronavírus. Deborah Birx era já então considerada o braço direito de Mike Pence, o vice-presidente que lidera a task force que combate o surto.

Durante décadas investigou e combateu o HIV. Agora tem outra missão: dar luta ao novo coronavírus

Na primavera de 1983, os cientistas já tinham deixado cair designações como “doença dos quatro H’s” (hemofílicos, haitianos, homossexuais e heroinómanos) e cunhado o termo SIDA, mas sobre o vírus que provocava a síndrome, que desde os dois anos anteriores se multiplicava em todo o mundo, ainda não se sabia praticamente nada.

Ainda assim, em pleno trabalho de parto, quando percebeu que havia complicações e que estava com hemorragias demasiado graves, Deborah Birx, então com 27 anos e médica do exército americano, teve presença de espírito para antecipar os riscos. Antes de desmaiar, gritou, desesperada, para o marido: “Não os deixes darem-me sangue!”. Ele cumpriu a ordem. Os lotes utilizados pelo hospital nessa altura, veio a saber-se anos mais tarde, estavam infetados com HIV.

O episódio tem sido recuperado pela imprensa internacional agora que Debbie Birx, de 63 anos, foi apresentada pelo vice-presidente Mike Pence como o seu “braço direito” na luta contra o novo coronavírus, mas a história não é nova. Em 2014, na altura em que o então presidente Barack Obama a fez responsável pelo Pepfar, o Plano de Emergência do Presidente para o Combate à SIDA, foi John Kerry, então secretário de Estado, quem a contou.

“Este foi o primeiro contacto da Debbie com a SIDA e mudou-a, literalmente. Fê-la pensar muito, não apenas sobre os riscos desta nova doença, mas também na sua responsabilidade em combatê-la”, disse o democrata, agora recordado pelo New York Times, como que a justificar a escolha.

Não é como se fosse mesmo necessário fazê-lo: quando Barack Obama a nomeou embaixadora dos Estados Unidos para o combate global à SIDA, Debbie Birx, médica imunologista e coronel do Exército na reserva, já tinha um currículo inigualável e cerca de 25 anos de trabalho na área. Aliás, até ter sido apresentada como parte da equipa escolhida por Donald Trump para liderar a resposta americana ao novo coronavírus, profissionalmente não tinha feito outra coisa.

No dia 27 de fevereiro, estava em Joanesburgo (África do Sul) precisamente num encontro sobre o programa de combate global à SIDA, quando apanhou um voo em classe económica para Washington para ocupar o cargo de coordenadora nacional de combate ao surto de Covid-19. Antes disso já tinha uma longa carreira de combate ao vírus do HIV/SIDA: foi diretora do programa nacional de investigação militar sobre o HIV, de onde saiu em 2005 para liderar a divisão internacional sobre SIDA do CDC, o Centro de Prevenção e Controlo de Doenças norte-americano (onde esteve até 2014).

Só cinco pessoas em cargos de nomeação política na Casa Branca é que transitaram da administração Obama para a Casa Branca presidida por Donald Trump e Birx foi uma delas. “Uma raridade”, salientava a Bloomberg, uma semana depois de a imunologista ter decidido aceitar o novo cargo. O próprio Anthony S. Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infeciosas, recorda como era Birx no início da carreira: “Ela era uma estrela na altura e o que aconteceu ao longo dos anos foi que se tornou numa super estrela”.

A Casa Branca apresentou-a em comunicado da seguinte forma: “A embaixadora Birx é uma cientista, médica, e mãe, com três décadas de experiência em saúde pública, incluindo doenças virulentas, respetivas vacinas e coordenação entre agências (…) Ela desenvolveu e patenteou vacinas, e inclusivamente liderou um dos mais influentes ensaios de vacinas contra o HIV alguma vez feitos”.