Portugal vai voltar a entrar em estado de emergência ainda esta semana. Depois de ter ouvido os partidos, na segunda-feira, e de, esta terça-feira, ter ouvido os parceiros sociais, Marcelo Rebelo de Sousa estará em condições de enviar, entre hoje e amanhã, o decreto do Estado de Emergência à Assembleia da República — que não vai perder tempo. Ao que o Observador apurou, o gabinete de Eduardo Ferro Rodrigues conta agendar já na reunião da conferência de líderes, desta quarta-feira, o plenário onde o decreto será votado. Será na quinta-feira à tarde ou na sexta de manhã. E o bloco central já disse que o vai aprovar.

Segundo se lê na Constituição, “a declaração do estado de emergência depende de audição do Governo e de autorização da Assembleia da República”, pelo que será esse o caminho: Marcelo Rebelo de Sousa deverá enviar ainda hoje ou amanhã de manhã a proposta de decreto ao Governo, para parecer, e depois à Assembleia da República para discussão e votação. Trata-se, contudo, apenas de uma moldura legal, com a suspensão de princípios constitucionais específicos, cabendo depois ao Governo definir que medidas vai aplicar dentro desse chapéu constitucional: a limitação de circulação a determinadas horas do dia (recolher obrigatório) e a possibilidade de medição de temperatura em serviços públicos são algumas medidas que estão em cima da mesa.

Isto, claro, se o decreto do estado de emergência for aprovado. Mas quanto a isso, contudo, não parece haver dúvidas. Esta segunda-feira, em entrevista à RTP, Marcelo Rebelo de Sousa não referiu partidos mas deixou claro que havia uma “clara maioria”, de mais de dois terços, para aprovar um novo decreto do estado de emergência — “se isto não é uma maioria…”, dizia com ironia. Ou seja, PS e PSD estão garantidos, mais CDS e o PAN, e voilà. Mesmo que o resto do hemiciclo se oponha, porque, como reconheceu o Presidente, a “política mudou” e deixou de haver “unanimidade”, há votos suficientes, com o bloco central, para abrir caminho a medidas restritivas.

Foi o que disseram PS e PSD à saída das reuniões em Belém. “O PSD nada tem a opor” à declaração de estado de emergência, disse Nuno Morais Sarmento, explicando que essa posição “nada tem a ver com a concordância com cada uma das medidas que possam vir a ser tomadas”. Ou seja, uma coisa é a moldura legal, outra coisa são depois as medidas que o Governo vier a decretar. Do lado do PS, a concordância foi ainda mais evidente: “O PS é favorável à proposta de adoção do estado de emergência” desde que “seja limitada às necessidades”, disse José Luís Carneiro.

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Também o CDS deixou a porta aberta a esse “esforço nacional”, desde que fosse um estado de emergência minimalista: “O CDS encara a possibilidade de um novo estado de emergência sabendo que tem de ser minimalista” para “conter a pandemia a montante e não apenas nos hospitais”, disse Francisco Rodrigues dos Santos. Também o PAN disse estar disposto a viabilizar um estado de emergência que não implicasse “restrições enormes à liberdade das pessoas”, mas sim um estado de emergência que “permitisse as medidas necessárias para este período”.

Para que vai servir o estado de emergência?

Marcelo Rebelo de Sousa, nessa noite, na RTP, não lhe chamou minimalista mas chamou-lhe “limitado” e preventivo. “Um estado de emergência diferente no sentido de muito limitado, de efeitos sobretudo preventivos e não muito extenso, que não aponte para o confinamento total ou quase total”, disse. Ao que o Observador apurou, a ideia é mesmo criar um chapéu legal para responder às quatro questões levantadas pelo primeiro-ministro:

  1. Limitar a circulação de pessoas em certas horas do dia (o dito recolher obrigatório), e limitar a circulação entre concelhos, como o que aconteceu este fim de semana;
  2. Ampliar o rastreio, de forma a abranger as Forças Armadas e os privados, que passam a poder fazer perguntas de rastreio para melhor identificar cadeias de transmissão;
  3. Resolver o problema jurídico suscitado pela medição de temperatura no acesso a espetáculos, serviços públicos, etc;
  4. Criar condições acrescidas para a utilização de meios do setor privado e do setor social e cooperativo;

As palavras de Costa, contudo, ainda ecoam junto de alguns partidos, que não entendem o que é um estado de emergência de “natureza preventiva”, como disse o primeiro-ministro à saída da audiência em Belém, na manhã de segunda-feira. Costa chegou a dizer que se justificava decretar o estado de emergência num quadro “bastante mais limitado no seu objeto mas que provavelmente deverá ter uma extensão bastante superior aos 15 dias que a Constituição permite”. O que é preventivo e durante quanto tempo? Não se sabe. A Constituição é clara quanto à necessidade de o Parlamento ter de votar a sua renovação a cada 15 dias, mas um acordo mais longo pode ser alcançado à partida evitando momentos de tensão a cada 15 dias.

No Bloco de Esquerda, que votou a favor do primeiro estado de emergência e manteve o voto a favor nas duas renovações seguintes, a ordem é esperar para ver os termos do decreto. À saída de Belém, Catarina Martins disse que o que foi até agora solicitado pelo Governo pode ser conseguido através de legislação no Parlamento, sem ter de passar pelo estado de emergência, por um lado, mas, por outro, congratulou-se com a ideia de o Estado vir a utilizar recursos do setor privado e social dar maior capacidade de resposta ao setor da Saúde. Todos os outros —  PCP, IL, Chega — mostraram-se tendencialmente contra.