Mino Raiola nunca teve propriamente um verão descansado na carreira. Ainda o último, marcado pela fase final do Campeonato da Europa, teve a confirmação da mudança de Gigi Donnarumma de Milão para Paris, o regresso relâmpago de Moise Kean a Turim após a saída de Ronaldo da Juventus para o Manchester United ou a contratação de Dumfries por parte do Inter. No entanto, este iria ser “o” verão. Assim como já teria sido “o” mercado de inverno. Aos 54 anos, o transalpino, um dos cinco maiores empresários do futebol nas duas últimas décadas, acabou por não resistir à luta que travava desde meio de janeiro e morreu este sábado, num anúncio feito pela família depois do desmentido na conta do Twitter do próprio apenas 48 horas antes.

Agora, o anúncio da família: morreu Mino Raiola, um dos mais influentes agentes de futebol. Tinha 54 anos

Nos vários perfis que foram saindo nos últimos dias na imprensa internacional, era recordada uma história no Mónaco, onde tinha o escritório da sua empresa (embora tenha nascido em Itália e rumado muito novo aos Países Baixos, onde começou a fazer os primeiros negócios com jogadores neerlandeses), de quando um grupo de jornalistas esperava no restaurante em frente pela saída do agente. Raiola viu que ali estavam, ligou para o espaço a dizer que a comida deles estava paga, saiu pelas traseiras e só depois do dono disse a todos os presentes que não iriam conseguir apanhar o agente mas que não tinham de fazer contas pelas refeições. Em alguns momentos, a imprensa foi alvo da sua ira mas também houve episódios com humor à mistura.

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Esse sentido de humor era um dos traços distintivos de uma figura com perfil anti-agente na forma de ser, de estar e de vestir mas que se tornou exatamente um dos maiores por isso. Se chocava de quando em vez com os jornalistas, chocava ainda mais com os treinadores e com os presidentes. Sempre pela mesma razão: a defesa dos jogadores que representava, quase como se fossem seus filhos e com quem tinha relações que passavam muito a questão profissional (exemplos: Ibrahimovic e Pogba, de quem era amigo de casa e de férias). De convencional tinha pouco, de único tinha muito. E deixou um verdadeiro império, entre negócios que chegaram quase aos 850 milhões de euros (e um património de 84,7 milhões, de acordo com a Forbes) entre sete línguas: italiano, neerlandês, alemão, espanhol, francês, espanhol e português.

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Dúvida: quem ficará agora com todos estes negócios a envolver alguns dos mais valiosos e mediáticos atletas no mundo do futebol? Resposta: alguém que na sombra já trabalhava com Raiola há quase 20 anos. A agência do empresário transalpino funcionou sempre numa base pequena tendo como princípio universal a confiança e a lealdade. Por isso, existiam sobretudo três pessoas que trabalhavam com o agente: a advogada e sócia Rafaela Pimenta (de forma mais direta), o primo Vicenzo Raiola (ou Enzo) para ajudar nos serviços dos jogadores e José Fortes, emigrante espanhol radicado em Amesterdão para a parte da prospeção. E será a brasileira, que na sombra já tinha e estava agora a trabalhar em algumas pastas, a assumir a empresa.

De acordo com a imprensa espanhola e italiana, Ibrahimovic e Paul Pogba são dois exemplos de jogadores que irão continua a ser representados pela agência de Raiola. E o pai de Haaland, a grande venda projetada para o próximo verão, já se terá reunido no Mónaco com responsáveis do Real Madrid e em Inglaterra com pessoas do Manchester City tendo em vista a contratação do avançado norueguês com Rafaela Pimenta presente a seu lado quando o agente italiano já se encontrava hospitalizado em Milão. Mas quem é a também detentora de parte da One Sarl, empresa sediada no Mónaco que foi criada pelo transalpino?

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Natural de São Paulo, Rafaela Pimenta formou-se em advocacia, foi professora de Direito Internacional na Universidade de São Paulo mas acabou por “mudar-se” para o mundo do futebol por convite de Mino Raiola, passando também a viver no Mónaco. Discreta, eficaz nas negociações, avessa a entrevistas e sem páginas nas redes sociais abertas para manter a privacidade da vida pessoal, a brasileira tornou-se no braço direito do empresário italiano e foi ganhando também uma relação próxima com alguns dos principais jogadores – um bom exemplo disso é Paul Pogba, que conhece algumas palavras e expressões em português por sua influência. E se Raiola falava sete línguas, Rafaela Pimenta é fluente em oito idiomas diferentes. É provável também que Enzo Raiola, no atual contexto, possa trabalhar mais de perto com os jogadores da Serie A.

A relação entre Mino Raiola e Rafaela Pimenta começou há quase 20 anos, quando se cruzaram num projeto de escolas de futebol, e a brasileira tornou-se sócia do italiano em pelo menos três empresas nessa fase: a Maguire Tax & Legal, em Amsterdão, e a Sportman e a UUNIQQ, no Mónaco. Ainda assim, continuou no início com o seu escritório de advocacia numa zona nobre de São Paulo, tendo outras ligações ao futebol que só mais tarde seriam conhecidas (algumas através do Football Leaks): foi representante do AC Milan no Junior Camp realizado em Limeira, no interior do estado, que pretendia detetar novos talentos apenas um ano depois de ter estado na transferência de Robinho do Manchester City para os rossoneri. Mais tarde, participou em negociações com Ed Woodward na transferência de Pogba da Juventus para o Manchester United por 105 milhões de euros (então recorde de transferências) após o Europeu de 2016.

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Houve outro ponto de ligação entre Raiola e Rafaela Pimenta no Brasil, a Associação Maga Esporte Clube, da pequena cidade de Pomerode, em Santa Catarina (com menos de 30.000 habitantes). Apesar de se ter estreado como profissional, o conjunto nunca foi além do terceiro escalão mas serviu para que o agente pudesse registar alguns dos seus jogadores, sobretudo os que tinham passaporte europeu. Na liderança do Maga Esporte Clube, que ficou sem ligação a Raiola a partir de 2017, estava Sónia Pimenta, irmã de Rafaela. A ascendência da brasileira no mundo do futebol ficou também consubstanciado pelo convite endereçado pela FIFA em 2018 para estar num encontro que juntou alguns dos maiores agentes mundiais.