Um bloqueio dentro do Tribunal Constitucional (TC) está a impedir a substituição dos juízes do Tribunal Constitucional que chegaram ao fim do mandato. Na noite desta quarta-feira, João Caupers, presidente do TC, esteve no programa “Grande Entrevista”, da RTP, para falar sobre aquela que está a ser considerada a maior crise na história deste tribunal.

“A lei realmente diz que os mandatos têm 9 anos de duração, mas a mesmíssima lei diz que os juízes só saem de funções quando são substituídos”, declarou a Vítor Gonçalves. “Não estamos a gozar de nenhum direito, estamos a cumprir o dever de nos mantermos em funções.”

Os mandatos do presidente do TC, João Pedro Caupers, do vice-presidente, Pedro Machete, e de um terceiro juiz, Lino Ribeiro, já terminaram — a 6 de março, em outubro de 2021 e em junho passado, respetivamente. No entanto, os três continuam a cumprir as suas funções, uma vez que os juízes nomeados pelo parlamento não chegam a acordo sobre quem escolher para os substituir.

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João Caupers minimiza a situação, sublinhando que atrasos semelhantes na substituição de magistrados já aconteceram antes. “A pessoa que eu substituí esteve quase um ano para ser substituída”, recordou, acrescentando: “O que não é comum é acontecer simultaneamente a três juízes.

Para o presidente do TC, não é “trágico”, nem “grave”, o que se está a passar, embora fosse “desejável” que se resolvesse “o mais rapidamente possível.” Ainda assim, procura “não interferir no processo de cooptação, até porque mais tarde seria acusado precisamente de interferir nesse processo.”

À questão sobre a possibilidade de ser necessária intervenção externa para resolver a crise, respondeu: “Claro que isso é possível. Se não for possível uma solução no âmbito do colégio de cooperação, a única solução será uma revisão da constituição” naquele ponto. Permanecer no cargo é plausível por alguns meses e a renúncia seria apenas considerada se a situação se tornasse “insuportável”. “Se decidíssemos os três abandonar amanhã o Tribunal, ele deixava de funcionar nesse momento”, explicou.

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Sobre a obtenção da reforma vitalícia para os juízes após 10 anos no TC se tiverem mais de 40 anos, explica que “o tribunal não tem nenhuma responsabilidade nisso, não fixa, nem regulou as pensões dos juízes”. E continuou as críticas. “Na maior parte dos casos isso é absurdo”, como no seu, admite, cuja pensão foi fixada há dois anos.

João Caupers recorda um mandato “muito marcado pela ressaca do Covid”, período em que o funcionamento das suas funções não foi afetado e em que o volume de processos tratados por ano rondou os 1.700.

Entre as principais preocupações destaca, por exemplo, a instalação da Entidade para a Transparência, o esforço de abrir o TC à comunidade reformando as instalações, a atualização do site — “o acesso à informação hoje é muitíssimo mais facilitado” —, a organização do arquivo histórico, e o início dos trabalhos relativos à tramitação digital dos processos, além da publicação de vários livros sobre os 40 anos do TC.

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Recordando o debate sobre a eutanásia — que foi analisada duas vezes pelo TC e das duas foi considerada inconstitucional, na segunda por causa de um “e” – declarou: “O que estava em causa era uma frase em que se adjetivavam três espécies de sofrimento”, em que o “e” pode ter “interpretações diferentes”.

Na versão anterior, o sofrimento era uma construção única. “O parlamento resolveu decompor o sofrimento, que julgo que teve inspiração na lei espanhola (…), mas tendo em conta que o ponto de partida do tribunal é a equivalência entre dor e sofrimento físico, isso sugeria este problema: mas então e se só houver uma das espécies do sofrimento?”, questionou. “A pergunta era esta: sem sofrimento físico pode-se eutanasiar alguém?”

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Sobre a formação do Chega, João Caupers acredita que o TC não tinha elementos para o considerar um partido fascista. “Não se considerou que havia documentos que comprovassem isso”, respondeu a Vítor Gonçalves, acrescentando que quem poderá tomar iniciativa nestas matérias é o Ministério Público, um papel que não cabe ao tribunal a que preside.

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Foi ainda questionado sobre o texto que escreveu em 2010 onde critica o “lobby gay” e afirmou considerar-se da maioria heterossexual. “Nas condições em que foi escrito, havia desde logo uma mudança de contexto. Naturalmente, hoje não escreveria um texto dessa natureza”, considerou, justificando 2010 como uma altura em que existia menos exposição mediática e defendendo que foi “propositadamente radical” em prol de criar polémica. “Numa faculdade, para obrigar as pessoas a discutir, tudo é possível”.

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“Há 13 anos, eu não fazia a mais pequena ideia de onde estaria”, acrescentou ainda, sublinhado que os seus textos naquele blogue da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa assumiam propositadamente posições radicais. “Tem de ter em conta o contexto em que se inseria, em que condições o escrevi. O tipo de reações foram mais do que previa. De um lado, a adesão incondicional e do outro, a crítica.”