Foi o primeiro de dois debates no programa “Justiça Cega” com os oito partidos com assento parlamentar sobre as propostas eleitorais para a área da Justiça. A primeira conversa teve a participação de Isabel Moreira (PS), Cristina Rodrigues (Chega), André Abrantes do Amaral (Iniciativa Liberal) e Paulo Muacho, tendo sido abordados temas como a necessidade de um pacto para a Justiça, o combate à corrupção na forma de prevenção e de repressão, o estatuto do Ministério Público e a reforma da jurisdição administrativa-fiscal — que representa o maior problema em termos de morosidade do nosso ordenamento jurídico.

PS, Chega, IL e Livre debatem reforma da Justiça

O segundo debate contará com representantes da AD, Bloco de Esquerda, CDU e PAN e está marcado para a próxima 2.ª feira, às 19h, na Rádio Observador.

 A “inconstitucionalidade” do confisco de bens do Chega e o “rabo preso dos partidos”

O debate ficou marcado pela proposta do confisco de bens do Chega que, segundo o partido de André Ventura, permitirá recuperar cerca de 20 mil milhões de euros no combate à corrupção. Confrontada com o facto dos resultados das apreensões da recuperação de ativos dos últimos cinco anos (que constam dos relatórios anuais do Ministério Público) estarem muito longe daquele objetivo (o melhor ano foi 2021 com apreensões de cerca de 500 milhões de euros, muito influenciadas pelo caso Universo Espírito Santo), Cristina Rodrigues insistiu na credibilidade da proposta do Chega.

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“Para conseguirmos acabar com os crimes económicos, é necessário que o mal da pena exceda o benefício que resulta da atividade criminosa para o criminoso. A principal preocupação do Chega é atacar aquilo que tem sido o produto da atividade criminosa a alargar o confisco de bens, tal como aconteceu nos sistemas anglo-saxónicos. Nós sabemos que estas pessoas atuam no sentido de obter proveitos para si próprios. Enquanto não conseguirmos ir ao âmbito da questão, que é, portanto, impedi-los de lucrar com a atividade criminosa, não vamos conseguir parar este tipo de criminalidade”, disse Rodrigues.

Isabel Moreira e André Abrantes do Amaral censuram a “inconstitucionalidade” da proposta do Chega. A deputada do PS chamou a atenção para o facto de a proposta do Chega violar a presunção da inocência dos arguidos porque pretende impor uma sanção antes do trânsito em julgado de uma sentença.

Já o candidato da IL manifestou-se “um pouco chocado com a análise de que a “pena deve ser sempre maior do que o benefício. Isso traz uma enorme insegurança jurídica. Mesmo que a Constituição me dissesse que isso era possível, isso não era possível num sentido jurídico, porque era contra todas as regras do direito, do Estado de Direito”, afirmou.

Cristina Rodrigues rejeitou a alegada inconstitucionalidade da proposta do Chega. “O que existe é um desconforto grande com o tornar a lei mais operacional por parte de alguns partidos que, efetivamente, sabem que têm o rabo preso por isso”, acrescentando que a “inversão do ónus da prova” inerente à proposta “já é permitido pela lei atual”.

Afirmações que mereceram uma resposta de Isabel Moreira. “Aquilo que eu tenho preso à Constituição é a minha consciência jurídica e a minha formação jurídica. Quando os juízes e as juízas do Tribunal Constitucional nos explicam o que é a presunção de inocência, quando declararam duas vezes inconstitucional o enriquecimento ilícito, não estão presos a nada — a não ser a leitura da Constituição e a larga jurisprudência sobre a presunção de inocência”, afirmou.

Pacto para a Justiça é possível mas tem de servir para alguma coisa

O Pacto para a Justiça, que tinha sido explicitamente admitido por Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro no debate das rádios que ocorreu esta segunda-feira, foi o primeiro tema a ser lançado e todos os partidos manifestaram-se abertos a negociar um acordo conjunto mas não a qualquer custo.

Isabel Moreira, por exemplo, afirmou que o PS sempre esteve disponível em “conseguir o maior amplo consenso possível” sobre matérias relacionadas com a Justiça. Destacando que o PSD tem medidas no seu programa eleitoral que também constam do programa do PS e outras que “são interessantes e compatíveis com o programa do PS”, a deputada do PS admite que “há uma área em que pode haver conversação e consenso”, “não só com o PSD, mas com outros partidos”.

Já Cristina Rodrigues diz que o Chega “tem toda a vontade de fazer uma reforma da Justiça” desde que a mesma sirva para “acabar com a morosidade dos processos e a impunidade, valorizar os profissionais do setor e assegurar meios suficientes para os tribunais funcionarem com eficiência e dignidade.” A candidata do Chega diz que o partido de André Ventura “não fará parte de um pacto para a Justiça que pretenda silenciar a Justiça, que pretenda silenciar o Ministério Público e condicionar de alguma forma o órgão de justiça criminal.”

André Abrantes do Amaral e Paulo Muacho deixaram alertas para a necessidade desse pacto ser efetivo e não se resumirem aos partidos. O liberal disse que o seu partido não apoiará qualquer reforma que ponha em causa as liberdades e garantias dos cidadãos e que “é preciso ter cuidado para que esses pactos não sirvam de justificação para que nada se faça.” Já o candidato do Livre afirmou que “vemos com maus olhos que seja uma coisa feita apenas entre PS e PSD e que não se fique apenas entre os partidos. É importante que seja alargado à sociedade e aos profissionais do setor”.