José Pedro Aguiar-Branco foi eleito presidente da Assembleia da República a 27 de março. No dia seguinte, a empresa municipal Gebalis assinava um contrato com a sua sociedade de advogados no valor de 74.900 euros — cem euros abaixo do limiar máximo permitido na modalidade em causa, a consulta prévia. A contratação levanta dois eventuais problemas: o administrador da Gebalis que assinou o contrato tinha sido adjunto de Aguiar-Branco no Governo (e seguiu agora para o Ministério da Economia); e a empresa municipal recusa-se a dizer ao Observador quem foram as outras duas entidades consultadas no procedimento.

Apesar destas potenciais fragilidades na contratação, também já noticiada pelo Diário de Notícias e pelo Público, as duas partes dizem ao Observador que não veem qualquer impedimento legal ou ético no processo de contratação pública finalizado após a assunção de funções de Aguiar-Branco.

O contrato foi celebrado a 28 de março, o dia seguinte à eleição do novo Presidente da Assembleia da República. A ideia seria a José Pedro Aguiar-Branco e Associados – Sociedade de Advogados prestar “serviços jurídicos para cobrança de dívida” por parte da empresa municipal que gere a habitação pública em Lisboa. Quanto à coincidência da data, fonte oficial da Presidência da Assembleia da República garante que José Pedro Aguiar-Branco solicitou a supensão da sua participação na sociedade a 22 de março e que esta passou a ter efeitos a 25 de março, bem como entregou a cédula profissional de advogado.

A mesma fonte desvaloriza a data de celebração do contrato, fazendo a retrospetiva do processo contratual: “O convite foi feito a 6 de março, a adjudicação a dia 15 de março e a assinatura ficou agendada pela Gebalis para o dia 28 de março”. Ou seja: Aguiar-Branco ainda não tinha suspendido atividade e já era deputado — mas não presidente da AR — quando o contrato foi atribuído à sua sociedade.

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O calendário da Gebalis é diferente. A empresa municipal diz que o processo interno para a aquisição destes serviços “teve início no final do ano de 2023” e que o procedimento “cumpriu todas as exigências legais previstas no Código dos Contratos Públicos”. Além disso, aponta, “o valor do contrato teve em consideração os valores médios praticados no mercado para as diferentes peças ou atos processuais solicitados”, bem como os “36 meses de vigência do contrato”.

Já em relação à modalidade contratual definida — a consulta prévia –, que implica o convite a pelo menos três entidades distintas sem relação entre si, a empresa municipal reafirma que cumpriu todas as regras. Não revela, no entanto, quais as outras duas entidades convidadas a apresentar proposta. Mais: na publicitação no site Base.gov, o espaço referente a “entidades concorrentes” — que devia estar preenchida com o nome dos convidados para a consulta prévia — tem apenas o nome da sociedade de Aguiar-Branco.

O critério de adjudicação da proposta terá sido, segundo a Gebalis, o de “menor valor para o período de três anos que viesse a ser apresentada”. Acontece que a proposta escolhida por ter menor valor — 74.900 euros — fica apenas cem euros abaixo do limite possível para a contratação através de consulta prévia.

Também aqui há divergências de versões.  Sobre o valor, fonte oficial da presidência da Assembleia da República diz que, “perante aquele conjunto de serviços, a sociedade resolveu apresentar o valor máximo”. “Foi o que a Gebalis estabeleceu e está dentro da lei”, reforça. A mesma fonte garante não ver problemas éticos na contratação entre a sociedade de advogados e a empresa municipal, apesar de a autarquia ser liderada pelo PSD.

A assinatura do antigo adjunto

O contrato foi assinado por dois sócios da sociedade de advogados, Joana Aroso Marques e Pedro Botelho Gomes. Do lado da empresa municipal, o contrato foi formalizado por Gonçalo  Melo Sampaio, que até março passado era membro do Conselho de Administração da Gebalis. Aliás, a 28 de março, Gonçalo Sampaio assinou o contrato na Gebalis e cinco dias depois, a 2 de abril — como mostra o despacho publicado em Diário da República — foi nomeado chefe de gabinete do ministro da Economia.

Se a passagem para o Governo pouco tem a ver com Aguiar-Branco — a não ser provar que Gonçalo Sampaio é da órbita do PSD — é mais relevante o facto de, em 2011, ter sido adjunto do gabinete do ministro da Defesa que, na altura, era precisamente o atual presidente da Assembleia da República.

Contratos públicos com autarquias lideradas pelo PSD ultrapassam os 400 mil euros

Desde 2010, a sociedade de José Pedro Aguiar-Branco realizou 38 contratos com entidades públicas. Destes, apenas cinco não assumiram a forma de ajuste direto. No total, ganhou um milhão e meio de euros com adjudicações diretas, ou seja, sem concorrência. Entre as entidades que contrataram os serviços jurídicos da sociedade estão vários executivos municipais liderados pelo PSD.

Além do contrato com a empresa municipal de Lisboa, destacam-se mais onze contratos com as câmaras de Santarém, Braga, Maia, Viseu e Cascais. No total, a sociedade do novo Presidente da Assembleia da República auferiu 434 mil euros por ser escolhida para prestar serviços pelos executivos locais liderados pelos social-democratas Carlos Carreira, Ricardo Rio, Ricardo Gonçalves e Fernando Ruas.

São, assim, mais os contratos com autarquias lideradas pelo PSD, mas a sociedade também trabalhou com autarquias socialistas, num valor total de 173 mil euros em contratação pública. Um dos contratos, de prestação de serviços de assessoria jurídica, foi realizado com a Câmara Municipal de Caminha, em 2015, no valor de 74.999 euros. Na altura, liderava a autarquia Miguel Alves, ex-secretário do Estado de António Costa.

O Observador contactou Gonçalo Sampaio, que remeteu esclarecimentos para a Gebalis, entidade que representava quando assinou o referido contrato.