O Parlamento discutiu e votou a última das propostas prioritárias do programa eleitoral do PS. O alargamento do consumo de eletricidade abrangido pela taxa reduzida do IVA não agrada nem à esquerda nem à direita com os socialistas acusados de demagogia e oportunismo eleitoral por estarem a propor agora uma medida que só terá efeitos em 2025. Mas foi mesmo aprovado o projeto de lei, com os votos contra do PSD e do CDS. A abstenção do Chega foi o que garantiu que o projeto socialista passasse na generalidade e baixasse à comissão.

Quase todos os partidos (que não apoiam o Governo) queriam ir mais longe na baixa do IVA com projetos de taxa reduzida para todo o consumo de eletricidade, gás natural e, no caso do PCP, para as telecomunicações. Com a exceção do PSD e do o CDS, que ficam de fora, os outros partidos consideram que a redução agora proposta pelos socialistas é “limitada e insuficiente”. No entanto, e apesar das críticas, a proposta socialista foi aprovada com a abstenção do Chega, como o Observador avançou.

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Ficam assim consumadas as cinco medidas prioritárias do programa eleitoral que os socialistas prometeram apresentar logo no arranque da legislatura — e que incluem a abolição das portagens nas ex-SCUT, o aumento da dedução das rendas no IRS (já aprovadas no Parlamento com o voto do Chega), o complemento de alojamento para estudantes até ao 5.º escalão (aprovada no Parlamento), e a alteração dos critérios de atribuição do complemento solidário para os idosos (medidas que o PS considera terem sido apropriadas pelo Governo).

Num debate onde a discussão da baixa do IVA esteve associada ao combate à pobreza energética, nomeadamente pela proposta do PAN que defende antes o alargamento do universo de beneficiários da tarifa social da eletricidade e do gás natural, o Bloco de Esquerda foi o primeiro partido a indicar um sentido de voto favorável, apesar de Marisa Matias sublinhar que a proposta não resolve o problema em causa porque o alcance é limitado.

[Já saiu o segundo episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui o primeiro episódio.]

Paula Santos do PCP recorda que “não têm faltado propostas do PCP para o IVA reduzido, o que tem faltado é os votos do PS e do PSD. E desafia: se o PS quer reduzir a fatura, vai acompanhar a proposta do PCP que introduz o IVA reduzido na energia e telecomunicações?” E “porque não tomou essas decisões quando esteve no Governo?”

O deputado Paulo Núncio do CDS questiona o alcance da medida que descreve como “irrisória. Dá em média uma redução de 1 euro por um mês por família. A grande medida do IVA não vale mais do que um café por mês?”

Carlos Cação do PSD atira ao timing da proposta socialista: “Qual é a urgência de discutir agora uma medida que só tem efeitos em 2025 e que poderia ser discutida em outubro” com o Orçamento do Estado?

Do mesmo partido, Alberto Fonseca fez as contas ao custo das propostas da oposição e deixou avisos. “Estamos melhor, mas não ficámos ricos”. O deputado do PSD compara as últimas semanas no Parlamento ao guião de um filme (que foi o grande vencedor dos Óscares no ano passado) . “Tudo em todo o lado e ao mesmo tempo. Querem tudo e querem em todo o lado e ao mesmo tempo”. Acusando os partidos de condicionarem o próximo Orçamento de “forma irresponsável”, o deputado apresenta os custos das propostas para reduzir o IVA. A do PS custa 100 milhões de euros, a da IL custa 500 milhões de euros, a do Livre e Bloco 700 milhões e a do PCP mais de mil milhões de euros. E as contas do PSD foram mesmo alvo de interrogação por parte do liberal Bernardo Blanco que disse que o PSD contabilizou, agora, a proposta da IL em 500 milhões, mas antes tinha atribuído outros valores (mais baixos). “O PSD, com este medo da assembleia legislar, anda a inflacionar custo das medidas apresentadas”, questionou Bernardo Blanco, tendo considerado que o PSD para ser coerente com votações passadas devia aprovar o projeto da IL.

Para Pedro Pinto, do Chega, as propostas socialistas “vêm dar razão ao Chega porque os cofres estavam cheios, mas deixou o povo na miséria”. A grande diferença face ao PS é que o “Chega quando estiver no Governo vai baixar os impostos”. E questiona também o timing da iniciativa. “E agora vêm aqui com esta demagogia a defender que se deve baixar os impostos? Porque não o fizeram?”

Ainda à direita, Bernardo Blanco da Iniciativa Liberal lembra que, no passado, as propostas apresentadas a favor dos 6% do IVA tiveram votos a favor de todos os partidos, menos do PS. “Quão revelador seria se hoje acontecesse o contrário?” (se apenas o PSD-CDS votassem contra).

A líder parlamentar do PS defendeu a medida que irá beneficiar mais de três milhões de famílias. Além de propor que o IVA reduzido passe a ser aplicado ao dobro da quantidade de eletricidade até à potência contratada de 6,9 kVA (e excluindo as componentes fixas da fatura), os socialistas querem que a taxa reduzida deixe de ser temporária para ser permanente. É também reforçado o limite de consumo a beneficiar de taxa reduzida.

Alexandra Leitão justifica a opção de não baixar de forma transversal a taxa com a responsabilidade financeira — a medida socialista custa 90 ou 100 milhões de euros, as outras teriam impacto de centenas de milhões de euros — e com a preocupação em não incentivar o consumo. A proposta socialista, diz, é  “equilibrada, financeiramente responsável é socialmente justa, direcionada e equitativa e mantém o princípio que se deve fomentar o uso eficiente da energia. Daí que exclua consumos mais elevados.”

O preço da eletricidade foi apontado por vários partidos como um obstáculo financeiro ao acesso das famílias ao aquecimento, com muitas estatísticas sobre a má situação portuguesa na pobreza energética. Mas também não faltaram apelos à medidas de eficiência energética com investimentos no isolamento das habitação. O deputado do PSD Hugo Carneiro prometeu que haverá novidades nessa matéria no próximo Orçamento do Estado, numa resposta a Rui Tavares do Livre.

Salvador Malheiro do PSD bateu nessa tecla e alertou para o risco que esta medida pode ter no aumento do consumo e na produção de CO2. O “kilowatt mais limpo é aquele que não é consumido” e defendeu um plano estratégico de propostas, ao invés do que classificou de medidas avulsas como esta descida do IVA.

O debate não deixou de ser contaminado por questões paralelas. Uma delas foi sobre as culpas da subida do IVA da eletricidade e do gás de 6% para 23% em 2011 que Paulo Núncio atirou para cima do Governo de José Sócrates que negociou o memorando da troika. Mas que foi devolvida por outros deputados que lembraram que foi o Governo de Passos Coelho — do qual Núncio foi secretário de Estado de Assuntos Fiscais — que executou esse aumento. E sem evitar o comentário de Alexandra Reis. “Quer mesmo voltar à troika? E ao enorme aumento de impostos de Vítor Gaspar?”

Nos projetos de lei para a descida do IVA só o do PS passou com a conivência do Chega. Mas houve recomendações ao Governo que também foram aprovadas — três do PAN e uma do Livre. Do PAN recomenda-se ao Governo que faça debate público da revisão do Plano Nacional de Energia e Clima e “coloque a erradicação da pobreza energética até 2050 como uma das principais prioridades”. Também do PAN se recomenda a criação de gabinetes de atendimento à vítima de violência doméstica no DIAP em todas as comarcas judiciais”. Mereceu uma aprovação por unanimidade.

E ainda do PAN foi aprovada a recomendação para nomear a comissão para a elaboração de uma estratégia de prevenção do assédio no ensino superior. Do Livre foi aprovada a recomendação para adotar medidas de maior eficiência energética e conforto habitacional com o reforço do Programa 3C – Casa, Conforto e Clima”.