Está aberta a porta a mais uma das chamadas coligações negativas no Parlamento. É o caso da redução parcial do IVA sobre a eletricidade, mais uma das medidas prioritárias do PS que conta com a concordância dos partidos à esquerda e à direita, ainda que apresentam propostas com moldes diferentes. Conforme o Observador confirmou, esquerda e liberais serão favoráveis à proposta dos socialistas e o Chega planeia abster-se, permitindo assim que a medida seja aprovada mesmo contra a vontade do Governo.

“À partida, vamos abster-nos na proposta do PS porque temos uma proposta própria”, diz ao Observador o coordenador do Chega na Comissão de Orçamento e Finanças, Rui Afonso. Isto porque, mesmo considerando que a proposta dos socialistas representa “pouca” redução no imposto e podia ir mais longe, os deputados do Chega acreditam não ter “condições para votar contra”, uma vez que estão de acordo com o “princípio” da diminuição da taxa de IVA.

Ao Observador, o deputado explica que esta sexta-feira, quando as propostas forem discutidas no Parlamento, o Chega planeia abster-se em todas as iniciativas que visem reduzir o IVA da eletricidade. Por duas ordens de razões: por um lado, porque conta com uma proposta própria, pelo que é essa que vai tentar aprovar, mesmo que ajude a viabilizar as restantes; por outro, porque o impacto da redução do IVA já significará, nas contas do Chega, cerca de “800 milhões de euros” em redução de receita para o Estado, o que, somado à redução de IRS que está a ser negociada no Parlamento, significa que é preciso “haver alguma responsabilidade” e não aprovar propostas “irrealistas”, ainda que “benéficas” no seu princípio.

Existem, de resto, várias propostas que vão exatamente no sentido da medida do Chega: tanto na esquerda como na bancada da Iniciativa Liberal o objetivo é mesmo reduzir a taxa de IVA aplicada a todo o consumo de eletricidade para a taxa mínima, de 6%. Já a proposta apresentada pelo PS prevê que seja aplicada a taxa de 6% aos primeiros 200 kWh de energia elétrica consumida em cada mês (o dobro dos atuais 100 kWh), ou de 300 kWh mensais, no caso das famílias numerosas (o dobro dos atuais 150 kWh).

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Ou seja, sendo a proposta do PS menos abrangente — a avaliação do impacto orçamental rondará, nas contas que o partido mostrou ao Observador, os 90 milhões de euros –, também não choca com o princípio que todos os outros partidos, excetuando os do Governo, defendem. Por isso mesmo, todos parecem estar dispostos a, mais uma vez, forçar a aprovação da medida. Apesar de em 2022 Luís Montenegro ter defendido, contra o PS, a redução do IVA, desta vez o PSD não tem propostas nesse sentido e o deputado do Hugo Carneiro diz apenas ao Observador que o partido vai “esperar pelo debate” para “tomar posição”.

[Já saiu o segundo episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui o primeiro episódio.]

Ao Observador, fonte oficial da Iniciativa Liberal responde de forma taxativa: “Todas as propostas que visem reduzir a taxa de IVA terão voto favorável da IL”. Do Livre, a mesma resposta: “A favor” das medidas com o objetivo, partilhado pela proposta do Livre, de reduzir o IVA aplicado ao consumo de gás e eletricidade. No Bloco de Esquerda, idem: a votação sobre a proposta do PS será “a favor”.

Também no PCP a resposta é que o partido “não se opõe” a nenhuma das medidas, com a líder parlamentar, Paula Santos, a recordar não só que o PCP tem “trazido esta proposta sistematicamente” ao longo dos anos, como que tem também “acompanhado” as iniciativas no mesmo sentido. Ainda assim, faz questão de recordar que o projeto comunista é “bem mais abrangente” do que a socialista, que “é limitada” e “não repõe o que existia antes da troika” (a taxa mais reduzida, de 6%).

PS aprovaria quinta e última prioridade

Significa isto que, a manter-se a intenção do Chega de se abster nesta votação, os partidos da oposição e o PS em particular conseguir\ao mais uma vitória a nível parlamentar, impondo uma nova medida (que implica redução de despesa) ao Executivo. Esta é a quinta e última das medidas que o PS tinha definido como prioritárias, logo no debate sobre o Programa do Governo, tendo já conseguido aprovar, aliando-se ao resto da oposição, o fim das portagens nas antigas SCUT, o alargamento dos apoios ao alojamento estudantil e o aumento da despesa dedutível no IRS com arrendamento.

Além disso, o Governo chegou a antecipar-se e a aprovar primeiro mais uma das medidas que o PS propunha, acabando com o critério que tinha em conta os rendimentos dos filhos para a atribuição do Complemento Solidário para Idosos. A estas medidas somou-se a da redução do IRS, que não constava das propostas prioritárias do PS mas também foi aprovada numa primeira fase, a da generalidade, estando agora a ser negociada na especialidade.

O PS, mesmo mantendo-se alerta para que as medidas sejam bem comunicadas e não acabe por se gerar uma impressão de que o partido está a agir de forma despesista e irresponsável, tenta assim chegar às eleições europeias com o maior número de trunfos possíveis na manga, argumentando que fez aprovar várias medidas que retiram peso ao bolso dos portugueses. Como efeito colateral, poderá reforçar a ideia do Governo de que se está a formar uma espécie de “governo alternativo” a partir do Parlamento.

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