Rui Moreira não disse em quem ia votar, Tiago Mayan garante que também não lhe perguntou mas à confiança arrisca que o voto do presidente da Câmara Municipal do Porto vai para ele. “Eu diria que Rui Moreira irá votar em mim. Não que lhe tenha perguntado ou que ele me tenha dito, mas tenho essa confiança”, dizia o candidato liberal à Presidência da República ao Observador, ao final da noite de esta quarta-feira.

Neste terceiro dia de campanha, o autarca do Porto entrou na campanha à Presidência da República. Involuntariamente, quiçá, mas entrou. Por mais que Rui Moreira diga que recebe qualquer candidato que queira falar com ele na Câmara Municipal, por mais que diga que já recebeu Ana Gomes e Vitorino Silva, não há como negar o simbolismo de um encontro entre Moreira e Mayan nesta fase da campanha. Foi a principal ação do candidato liberal neste dia — e só não foi a única porque Mayan ainda reagiu ao discurso de António Costa de apresentação do novo confinamento que aí vem.

Os dois, M&M, estão contra a forma como o Governo preparou as eleições em pandemia. Conhecem-se há vários anos. São portuenses. E — mais importante — em 2013 o candidato fez parte do movimento que elegeu Rui Moreira no Porto.

O encontro entre Mayan e Rui Moreira, à porta fechada, terminou com candidato presidencial e autarca do Porto a responderem a perguntas dos jornalistas no exterior. Mayan ganhou um aliado para as críticas que tem vindo a fazer ao Governo e à forma como estas eleições forem preparadas em época de pandemia. E se há coisa que Rui Moreira não foi com o Governo socialista, nas declarações, foi meigo.

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Em cada liberal, um amigo. Para Tiago Mayan Gonçalves, o presidente da Câmara Municipal do Porto encarna “muitos dos valores liberais ao estilo portuense, ao estilo clássico”. O que é isso de liberalismo à Porto? Ninguém melhor do que o candidato que falou do assunto para o explicar: “É um quase feroz sentido de autonomia, de reconhecimento que é a mim que me cabe reconhecer os problemas — preciso é que não me criem empecilhos e obstáculos a que resolva a minha vida. É uma abordagem muito portuense. E há uma certa desconfiança quase severa em relação ao centralismo, que é também em termos de organização do Estado uma posição muito pouco liberal. Os governos e Estados muito centralistas são tipicamente muito pouco liberais”.

O autarca também não deixou de notar a amizade que os une: “Noto que o Tiago Mayan Gonçalves fez parte do meu movimento ainda antes de haver Iniciativa Liberal. Fico muito satisfeito. Mas isso é outra coisa, são questões de índole pessoal e da amizade que tenho pelo candidato”. Se Moreira tivesse acabado aqui, já teria dito algo. Mas ainda quis acrescentar mais alguma coisa: por um lado, vincou, “o presidente da Câmara é absolutamente neutro nesta matéria”; por outro, Rui Moreira quis deixar claro que vai meter a cruz em alguém: “Mas [o presidente] irá votar. Eu irei votar. Inscrevi-me no voto antecipado”, rematou, depois de se reivindicar publicamente neutro. Tentem adivinhar-lhe o voto, ele não o conta.

Tiago Mayan: uma viagem, um almoço de tripas com feijão e uma reunião com Moreira para criticar Costa

Na caça aos liberais, Tiago Mayan Gonçalves sabe que há eleitorado por conquistar. O candidato recusa a velha distinção de esquerda e direita, procurando apelar a quem tem posições à esquerda, menos tradicionalistas, em matéria de costumes, e a quem tem posições à direita na economia e quanto ao peso que o Estado (não) deve nela ter. Mas Mayan sabe que há eleitorado à direita que não se revê na proximidade de Marcelo Rebelo de Sousa com António Costa — e que se sente órfão de um candidato representativo. No PSD, também, mas sobretudo no CDS, que apoia Marcelo mas pouco entusiasticamente.

À audiência com Rui Moreira na Câmara Municipal de Porto, Tiago Mayan Gonçalves foi com o seu mandatário nacional, o antigo deputado do CDS Michael Seufert — um político relevante da corrente liberal dos centristas. Mayan não tem “dúvidas nenhumas” que há eleitores e militantes do CDS que se reveem nele — por “dar voz e representação a esse grande espaço do eleitorado que não é socialista, não se revê nessa visão da sociedade e do Estado mas que estava órfão”. Um eleitorado que, nota Mayan, é “moderado”, tem “bom senso”, é “humanista” e “não se revê” nem em “propostas extremistas” (leia-se: André Ventura) nem “no grande representante do centro de interesses socialistas, o grande candidato socialista nestas eleições: Marcelo Rebelo de Sousa”.

A campanha não tem tido rua. Tem tido declarações aos jornalistas, respostas a perguntas, tomadas de posição, comentário político sobre a atualidade (leia-se: sobre a pandemia). Até ver ainda não se fizeram visitas a empresas, a fábricas, a cafés. Ainda não se foi ao encontro dos eleitores. Mas na ida ao Porto de esta quarta-feira com um antigo deputado do CDS, ao encontro de um autarca que foi apoiado pelo CDS nas últimas autárquicas e que não é “extremista”, a ideia de Mayan pareceu ser posicionar-se como um candidato moderno para uma nova direita — que não é a social-democrata e laranjinha de Marcelo Rebelo de Sousa. A velha direita “de outro tempo”.

O mandatário de Mayan, Michael Seufert, diz que está longe de ser o único no CDS a não querer Marcelo e a ver em Mayan uma alternativa. “Não acho que seja excêntrico no que penso sobre as presidenciais. Sinto-me onde sempre estive, que é na direita não-socialista. Há muita gente no CDS que faz uma avaliação negativa do mandato do PR mas não quer entregar o espaço à direita a André Ventura — e que se revê no Tiago“. Só lamenta a ausência de um candidato centrista na corrida: “É uma pena o CDS não estar presente com candidato próprio. Estão os outros”.

Seufert vê no candidato apoiado pelo seu partido alguém que “está na campanha a namorar o eleitorado do PS, do Bloco de Esquerda e do PCP, basta ver os debates” e que “fez um mandato de pouca exigência com o Governo” das esquerdas. Agradece a Mayan, mesmo com um Marcelo “supostamente invencível”, ter avançado não deixando um “campo indefeso”: o das “pessoas que à direita não se reveem nem nos populismos mais demagógicos [leia-se: André Ventura] nem num populismo mais soft, digamos [leia-se: Marcelo]”. E quem sabe, mesmo sem rua e mesmo com pandemia, com o recurso às redes sociais e aos debates televisivos, até pode vir aí mudanças no sistema político e na composição da direita portuguesa. Se acontecer, Mayan não se importará.

Uma paragem na estação… de Tino

Não se encontraram por “poucochinho”, para citar um dos alvos preferidos do candidato da Iniciativa Liberal, António Costa. Refeita do debate da noite anterior na RTP com os sete candidatos, Tiago Mayan Gonçalves rumou ao seu Porto natal de carro — ainda a tempo de almoçar umas tripas com feijão à moda do Norte. A meio da viagem, uma paragem, na estação de serviço de Santarém. Por ali passara, pouco antes, outro candidato à Presidência da República. Mayan não encontrou Vitorino Silva, que deixou aliás marcas da sua passagem pela estação de serviço de Santarém nas redes sociais. Nesta corrida eleitoral, andará Tino mais rápido ou será ultrapassado pelo liberal?

Atirar controlo das taxas da Uber Eats contra Marcelo

O grosso das críticas de Tiago Mayan esta quarta-feira foi para o Governo — talvez porque a popularidade de António Costa é menor do que a de Marcelo Rebelo de Sousa, talvez porque os descontentes com o Governo são mais do que os descontentes com o Presidente-candidato, talvez porque no debate da noite anterior Mayan já gastara boa parte das balas contra o candidato apoiado pelo PSD e CDS que causa urticária a alguma direita.

Mas talvez por as críticas terem sido quase todas ao Governo, uma crítica ao concorrente eleitoral Marcelo — que Mayan vê como uma espécie de propagandista do Executivo —  destaca-se. Até porque quanto aos outros candidatos, nem uma palavra: o candidato da Iniciativa Liberal está focado nos “tubarões”. Uma estratégia lógica, até porque é nos descontentes da dupla da Autoeuropa, e não entre os seus aficionados, que há eleitorado por ganhar.

Mesmo que o protagonista das últimas horas fosse Costa, por ter detalhado os princípios do novo confinamento, Mayan encontrou um dado novo para criticar Marcelo — algo digno de nota quando nos dois debates com o Presidente-candidato não poupou nos reparos. A UberEats voltou a ser tema, já não por causa do “senhor João”, o estafeta, que o reconheceu e que lhe disse que tinha o seu voto, mas por causa do “esquerdismo” e “estatismo” de Marcelo, “o grande candidato socialista”, que Mayan insiste em colar a Costa.

No debate da véspera, o candidato da Iniciativa Liberal dissera: “Não se sabe onde acaba um e começa o outro”. Esta terça-feira, lembrou que no novo decreto de renovação do Estado de Emergência está escrito que “podem ser limitadas as taxas de serviço e comissões cobradas, aos operadores económicos e aos consumidores, pelas plataformas intermediárias de entregas ao domicílio na venda de bens ou na prestação de serviços”.

Acossado com mais “taxas e taxinhas”, como lhes chamara Pires de Lima, Mayan foi ao ataque: disse que lhe “escapa” como a preocupação nesta fase de “destruição económica e social” do país é com “a fixação de preços e determinação de taxas e comissões em plataformas de venda online, como a UberEats, a Glovo, esse tipo de plataformas”. Mais ataques do Estado aos operadores privados, quis sugerir, desta vez com o alto patrocínio de Marcelo Rebelo de Sousa. “Qual é a necessidade destas medidas? Qual a necessidade que o Presidente da República sentiu em ampliar isto desta forma?”, questionou. Retoricamente, claro, porque contacto com eleitores, até ver, só fora das câmaras.