A campanha oficial ainda agora arrancou e André Ventura já confirmou aquele que vinha a ser um discurso construído nos últimos tempos, principalmente depois do cordão sanitário imposto por Luís Montenegro: PSD e PS são “iguais” e só o Chega é capaz de quebrar o bipartidarismo. A narrativa resume-se em duas frases ditas logo nos primeiros dias de campanha: “Não esqueçam esta mensagem importantíssima: PS e PSD são exatamente a mesma coisa”; e “Em 50 anos falharam sempre, deem-me uma oportunidade”.

Em eleições anteriores, o líder do Chega já tinha pedido essa oportunidade e esse exercício tem-se tornado mais palpável à medida que Ventura sobe nas sondagens. Se elas se confirmarem, o Chega não só vai crescer na próxima ida às urnas como pode mesmo aproximar-se de PS e PSD. E é aqui que assenta o objetivo de André Ventura: convencer os que acreditam em si que esta eleição pode ser a três, que os pontos que separam o Chega dos maiores partidos portugueses são “perfeitamente superáveis em democracia” e que “só a vitória interessa”.

Este tipo de discurso tem levantado as salas, umas maiores outras bem mais pequenas, em que André Ventura vai almoçando e jantando durante a campanha eleitoral, comício após comício — mas a mensagem que tem transmitido, se não fosse a comunicação social, só chegava aqueles que já têm como certo um voto no Chega. Com pouca rua nas semanas oficiais de campanha, as bandeiras têm sido as do costume e o foco está mesmo num disparo constante contra PS e PSD.

É uma colagem estratégica dos dois maiores opositores que assenta em menosprezar Pedro Nuno Santos ao dizer que foi o ministro que “nunca acerta uma” e quer agora “convencer” o país de que “vai fazer o que nunca quis que fosse feito” e em recordar que também Luís Montenegro foi líder parlamentar em tempos de governação do PSD, que é “frouxo” e “consegue ser pior do que o Melhoral” porque “provavelmente vai fazer mal”.

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A passagem por Aveiro, o distrito de onde são naturais Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro, serviu para alimentar a narrativa, com André Ventura a enumerar os problemas da região, do desemprego aos aumentos dos pedidos de ajuda para quem não conseguiu pagar a casa, e para concluir: “Se nunca conseguiram resolver os problemas do distrito como é que vão resolver os problemas do país?”.

A tese está montada e Ventura vai-se exprimindo de todas as formas e feitios: “PS e PSD são a mesma coisa, o mesmo insucesso, as mesmas políticas, a mesma corrupção, os mesmos lugares, as mesmas soluções.” André Ventura vai mudando as palavras, diz que Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro são “a mesma massa de políticos, feitos na mesma escola”, que PS e PSD distribuem os “tachos, negócios e lugares” entre si e que são o rosto do “vício profundo que o sistema criou”.

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É num ensaio de antagonização entre a realidade do Chega e os outros que Ventura se posiciona, numa espécie de um contra todos. “Nós iremos corrigir o que PS e PSD fizeram em Portugal”, chega a dizer, para dar força ao lema de campanha “Portugal precisa de uma limpeza”. O recado que transmite é de que só o Chega está em posição de “quebrar o muro de interesses da corrupção e bipartidarização” por ser a “marreta capaz de destruir o vício” e de travar a passagem direta de “um cartão rosa para um cartão laranja”.

Aliás, Ventura procura sublinhar que o Chega é usado como uma “ameaça artificial” para que haja uma mobilização do eleitorado à volta do voto útil, mostrando que “só vale a pena votar no PS e no PSD”. “É a forma de se perpetuarem no poder”, vai defendendo, com mais críticas ao que foi feito ao longo dos governos socialistas e sociais-democratas.

É aqui que o líder do Chega encontra espaço para pedir uma chance. Ventura não é de falsas modéstias e foi-se sempre moldando à realidade para fazer pedidos mais ambiciosos do que, em determinada altura, a realidade antecipava: primeiro para chegar à Assembleia da República, depois para tornar o partido a terceira força política e, agora, desejando chegar à vitória. Apesar de reconhecer que “AD e PS estão melhor posicionados”, o líder do Chega vê uma nesga que quer aproveitar a todo o custo.

Dos discursos dentro de portas para a rua, não foi de meias medidas e não deixou que as palavras ficassem perdidas num qualquer discurso de comício — até porque sabe que não são os seus seguidores que lhe podem consagrar a tal vitória: “Eles falham há 50 anos, deem-me uma oportunidade”, lê-se num cartaz com as caras de Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro em segundo plano e a de André Ventura em destaque. O outdoor foi partilhado nas redes sociais do partido e surge como um sprint final para as eleições legislativas, em que há um claro apelo ao voto em jeito de súplica, mas também uma tentativa clara de fuga ao voto útil.

Ora, se o pedido serve para cartaz, a verdade é que o Chega prossegue a forte campanha nas redes sociais priorizando esta mesma questão: nos últimos dias publicou um vídeo do discurso em Aveiro para dizer que “PS e PSD querem fingir que discordam, mas quando chega à distribuição de lugares, como se viu nos Açores, chegam sempre a entendimentos proveitosos” e um outro vídeo onde surge exatamente com a palavra “oportunidade” novamente.

Se me derem uma oportunidade vou acabar com a a corrupção no país e com todos os corruptos que temos em Portugal. Se me derem uma oportunidade de ser primeiro-ministro, os mesmos deixarão de ter sempre a carteira cheia e passaremos a ter um país também para os outros, para os que nunca têm nada, os que trabalham, os que pagam impostos e sofrem por estes país e começarão também eles a beneficiar da riqueza do nosso país”, diz André Ventura em mais um vídeo partilhado nas redes sociais — mais uma tentativa de dizer que são “todos iguais”.

O regresso do discurso radicalizado

Quando o Governo de António Costa caiu e André Ventura se apercebeu automaticamente de que havia uma oportunidade para a construção de uma alternativa à direita, tentou rapidamente vestir o fato de estadista, apelar ao bom senso de Luís Montenegro para que não colocasse o Chega de parte e começou a falar como um moderado. Já nos corredores do próprio partido, na altura, se reconhecia que era difícil manter André Ventura dentro de um colete de forças em que conseguisse apelar ao voto, mas sem ostracizar o PSD.

A missão foi difícil — ou impossível, até porque o histórico de críticas ao PSD nos últimos anos lhe estava colado à pele. O discurso foi-se voltando a inverter, as acusações de que o PSD estava a ser irresponsável e a desperdiçar a possibilidade de afastar o PS do poder em nome de um cordão sanitário foram aumentando e o “não é não” de Montenegro foi o limite: a partir dali, haveria uma campanha sem filtros.

Os primeiros discursos são a prova de que o André Ventura mais radical está de volta — até porque sempre se sentiu mais motivado quando fala para os seus e neste momento tem passado a esmagadora maioria dos dias a fazê-lo. Não teve pudor em dizer que PS e PSD significam a “mesma fraqueza” no combate à corrupção, que Pedro Nuno Santos “não tem coluna vertebral”, que Luís Montenegro é “o mais frouxo que há num político”, gozou com a voz do líder do PSD imitando-o a dizer “eu garanto que não vou descer as pensões”.

André Ventura não só realçou que os líderes do PS e do PSD andam a discutir “quem fez menos mal ao país” como partiu rapidamente para o ataque: “A nossa discussão devia ser quem é o menos miserável dos dois, o menos incompetente.” Além das acusações constantes de que os adversários “servem as elites” e governam para “distribuir tachos”, Ventura acusa-os de serem o “vício profundo que o sistema criou”.

Mas não foi preciso estar muitas horas em campanha para ir mais longe no tipo de linguagem: “Quando vejo 4% no Bloco, 3% no PCP ou 25% no PS pergunto-me se seremos um país de esquizofrénicos em que permanentemente nos estão a bater e não vemos a realidade ou seremos mesmo um país de Alzheimer que se esquece com facilidade do que aconteceu e que o país se degradou?”

Repetiu a palavra “esquizofrenia” várias vezes, sempre associada às opções de quem governa e reconhecendo que não entende quem não vê uma necessidade de mudança. Continuou a criticar Luís Montenegro por querer servir de “muleta” ao PSD e a dizer que em Portugal “compensa ser bandido” ou que se “trata melhor os refugiados do que os polícias”.

Mas o auge foi no comício no Porto em que, em resposta a Mariana Mortágua sobre os financiadores do Chega, acusou a coordenadora do Bloco de Esquerda de ter acumulado três salários e de o “único rio de dinheiro” estar na quebra do regime de exclusividade, atirando da seguinte forma: “Não respondemos a burlonas e mentirosas.” Poucos dias antes, tinha assumido num dos programas de entretenimento televisivo que por vezes exagerava, dando como exemplo a utilização da expressão “avô bêbado” quando se referia a Jerónimo de Sousa — também durante uma campanha eleitoral.

E, depois do uso das palavras contra Mariana Mortágua, ainda se referiu a PS, Bloco de Esquerda e PCP como “esquerda caviar” para dizer que “se chocam com qualquer conversa sobre dinheiro”, mas que “são os primeiros interessados no dinheiro”: “A questão não é dinheiro nos hospitais, escolas, instituições públicas, política, é dinheiro no bolso deles mesmo”.

Se o dinheiro e a forma como é usado é sempre tema, também serve como arma de arremesso no que toca a radicalismo. Foi no distrito de onde é natural Pedro Nuno Santos, Aveiro, que André Ventura dedicou uns segundos a um cartaz do PS onde se lê o mote da campanha: “Portugal inteiro.” Contou o líder do Chega que tinha passado por uma montagem “mais acertada” de um cartaz, em que ao lema se acrescentava “vou gamar”, tendo ficado possível ler “Vou gamar Portugal inteiro”. “Devia ser o lema do PS”, afirmou, em mais um excesso de linguagem. Não há dúvidas: a campanha arrancou com um regresso oficial ao discurso mais radical que tornou Ventura conhecido.