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A probabilidade de uma startup fracassar é "muito alta"

Ana Moreira/Observador

A probabilidade de uma startup fracassar é "muito alta"

Ana Moreira/Observador

De "queimar muito dinheiro" a estar no "limitado" mercado português. O que leva startups a não atingirem o 'alvo' do sucesso?

Num ecossistema com "muitas ideias e pouca sobrevivência", cerca de 95% das startups falham. Portugal não é exceção. A crise, investimentos que não foram fechados e o "timing" podem explicar o porquê.

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Vencedor do Prémio Pessoa em 2006 por ser considerado “uma das figuras mais representativas de uma nova área de conhecimento aplicado, incluindo as tecnologias da informação e realidade virtual”, António Câmara chegou a ser descrito como um visionário. A Ydreams, empresa que cofundou e que pretendia criar um produto capaz de fazer esquecer o iPhone, era, para muitos, sinónimo de inovação.

Com um jogo de futebol e fantasia para telemóveis associado a Ronaldo, o Cristiano Ronaldo Underworld Football, e um crescente foco em realidade aumentada, que lhe abriu portas para mercados como o brasileiro, a startup chegou a contar com clientes como Adidas, Vodafone, Coca-Cola e Santander e a ser considerada a empresa mais inovadora de Portugal. Anos mais tarde, a crise, negócios falhados à última hora e a falência do BES, que era o seu principal investidor, colocaram o futuro em risco.

Apesar de “ferida” e “combalida”, a Ydreams sobreviveu, mas as receitas que obtém ainda são para pagar as dívidas que ficaram desse período mais conturbado. Ao Observador, António Câmara reconhece que as lições aprendidas ao longo do processo são várias, desde logo que “estar à frente do tempo é penalizante se não houver acesso a rondas de financiamento” e que “o mercado português é excelente, mas limitado”. Além disso, também o timing é “um fator chave”.

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Para o empresário, Portugal celebra o fracasso de empresas que viu nascer e defende que o da startup que criou foi “totalmente assinalado”. Mas não foi caso único, como fez questão de notar há cerca de cinco anos em declarações ao Jornal de Negócios. Filipa Neto e Lara Vidreiro, que Câmara conheceu num concurso de empreendedorismo em que participaram, o Acredita Portugal, também foram, afirma, “cilindradas” com o colapso da Chic by Choice, negócio que criaram para permitir a mulheres alugar vestidos de marcas como Dior, Valentino e Dolce & Gabbana.

Tal como António Câmara, as cofundadoras da plataforma de aluguer de vestidos, apenas um dos vários exemplos de empresas que não aguentaram as dificuldades e encerraram operações, falam num “projeto à frente do seu tempo” e “muito ambicioso”. “Mais do que uma boa ideia e de um mercado potencial grande, o timing é determinante para o sucesso de qualquer startup”, dizem, através de declarações escritas enviadas ao Observador.

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“A probabilidade de uma startup falhar é muito alta” e o timing é “fundamental”

“Ficar sem dinheiro”, “sem financiamento ou interesse de investidores”, “ter um produto sem ter um modelo de negócio”, a “pandemia” e a ausência de “necessidade no mercado”. São as cinco razões mais comuns para o fracasso de startups, no entender de 150 fundadores que responderam a um questionário, em julho do ano passado, da empresa norte-americana Wilbur Labs.

Cerca de 64% dos empreendedores afirmaram que os seus negócios já tinham enfrentado um potencial colapso. Por outro lado, 75% dos fundadores que se viram confrontados com possíveis fracassos empresariais assumiram que “a sua empresa não estava adequadamente preparada para exercer a sua atividade”. Para prevenir situações como estas, os inquiridos recomendam “um plano de negócios mais forte”, “mais apoio financeiro ou investidores” ou “melhor marketing”. 

Diogo Patão, que foi gestor de investimento na Chic by Choice enquanto trabalhou na Portugal Ventures, que era o principal investidor da startup, defende que algo que poderia ter sido feito de forma diferente (embora não seja a única coisa, nem o principal problema) está, precisamente, relacionado com o departamento marketing: “Acho que tentámos acelerar muito o crescimento e deveríamos ter sido mais estratégicos e diversificar até o marketing, não apostar só no digital, mas noutro tipo de parcerias” para atrair atenção para a plataforma.

As fundadoras da Chic by Choice, por sua vez, salientam que é “importante lembrar e normalizar que a grande maioria das startups acaba por falhar”. Uma opinião que é seguida por Gabriel Coimbra, country manager da consultora IDC Portugal, que diz que “a probabilidade de uma startup fracassar é muito alta, superior a 95%”, e que o timing é “fundamental”, fazendo “parte do sucesso de qualquer empresa ou de qualquer pessoa”.

Para o especialista, “há momentos em que determinados mercados estão em crescimento e outros em que estão em decréscimo” e isso “pode ditar o sucesso ou insucesso de determinada empresa”. Para as que procuram investimento, esse timing pode ser “crítico”, sendo que é necessário ter em atenção que “é importante” que lancem o seu serviço numa altura em que exista “procura, rapidamente”.

"A probabilidade de uma startup fracassar é muito alta, superior a 95%," e o timing é “fundamental”, fazendo “parte do sucesso de qualquer empresa ou de qualquer pessoa".
Gabriel Coimbra, country manager da consultora IDC Portugal

Nesse sentido, Ricardo Zózimo, professor de Gestão da Nova SBE que tem um doutoramento em empreendedorismo pela Lancaster University, discrimina os quatro tipos de “timing” que são considerados na área da inovação e que afetam as empresas, sendo que “qualquer um deles pode ser destrutivo”:

  1. O pessoal. “As pessoas têm condições como empreendedoras para lançar uma determinada ideia? Para a desenvolver? Para recrutar o talento que é necessário?” são as questões que estão em causa;
  2. O da indústria. “Os clientes desse mercado andam à procura do tipo de valor que tenho para oferecer? Esse tipo de valor é o que os seduz, que os atrai?” é o que os empresários têm de se perguntar;
  3. O das competências pessoais. Pode dificultar o sucesso da startup quando até há uma “grande ideia, o timing pessoal certo e um produto que a indústria quer”, mas “não tenho as competências pessoais necessárias”. Quer isto dizer que “não tenho experiência suficiente, não aprendi o suficiente, não tenho networking suficiente”. Pode ainda dar-se o caso de não conseguir “lidar com a incerteza”, pelo que “paraliso” sempre que “penso em deixar um ótimo emprego numa multinacional por uma startup”;
  4. O do investimento. O produto deve andar ao lado das “correntes de investimento” existentes. Por exemplo, “existe neste momento uma grande corrente à volta de produtos sustentáveis”. Desta forma, se quisesse lançar uma marca de cigarros, o “timing” não seria o melhor — até porque “estamos a assistir à vaporização do tabaco” mesmo que muitas pessoas continuem a fumar.

“Lembro-me perfeitamente de a Ydreams ter lançado uma inovação relacionada com cheiros e com a parte sensorial. Hoje estamos, pela primeira vez e mais de dez anos depois do primeiro protótipo [da startup], a falar de desenvolvimentos das neurociências que se relacionam com esse e outros sentidos”, recorda Ricardo Zózimo, referindo-se ao facto de em 2010 a tecnológica ter criado um sistema que permitia ao consumir escolher o aroma de perfume que era mais adequado para si.

À época da criação do Sensorium, a pedido do departamento de luxo da L’Oréal Portugal, António Câmara explicou ao jornal Público que se tratava de um “sistema de sensores” em que bastava “aproximar a mão da máquina” e responder a algumas questões para chegar a uma seleção final de três cheiros, considerados os mais adequados para aquele consumidor.

“Sempre acreditámos e acreditamos na empresa e temos como primeira condição pagar as dívidas. Vamos honrar as dívidas."
António Câmara, cofundador da Ydreams

O mercado português é “pequeno” e “há uma condição necessária para as startups terem sucesso: serem globais”

Com um passado dedicado ao ténis de competição, antes de uma lesão no pulso o afastar de uma possível carreira profissional, António Câmara aparentava não temer o fracasso e dizia que se tal acontecesse ia “dar aulas de ténis para o Estádio Nacional com um balde de bolas”. Também admitiu sempre que se achava “muito melhor professor do que empresário” e é a essa profissão que, aos 69 anos, dedica a maior parte do seu tempo. Uma das coisas que tenta transmitir aos alunos, indica ao Observador, é a experiência que tem no mundo dos negócios.

Os tempos de Ydreams, fundada em 2000 a partir do campus da faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, não ficaram para trás, uma vez que, enquanto presidente do conselho de administração, continua a ser o responsável pelas dívidas outrora contraídas. Para chegar ao início dos problemas é preciso recuar a 2009, ano em que estava à “beira do break even [ponto de equilíbrio financeiro]” e quando começou a ser “brutalmente” atingida pela crise do país e por ter “pessoas a mais”. “Achávamos que o que estávamos a desenvolver em realidade aumentada ia estar no mercado daí a dois ou três anos e o mercado ia explodir. E não ia”, reconheceu o empresário, em declarações à TSF.

Uma combinação de “vários azares”, incluindo uma fusão com uma empresa israelita de realidade aumentada que falhou no último minuto porque “investidores americanos acharam que era cedo demais” e uma venda cancelada da Ynvisible (spin-off da Ydreams que desenvolve rótulos inteligentes) a um grupo alemão, levou a empresa a acumular cerca de 18 milhões de euros em dívidas e a ter que avançar para um Processo Especial de Revitalização (PER). Os relatórios e contas apresentados à justiça no âmbito desse processo mostravam, de acordo com a Renascença, que 2010, 2011 e 2012 foram anos com resultados negativos, com prejuízos entre 1,6 milhões e 2,5 milhões de euros.

Credores aprovam plano de recuperação da Ydreams

Por diversas vezes, António Câmara assumiu que não dispôs do “talento de gestão necessário para converter a superioridade tecnológica em resultados no mercado”. Entre os principais problemas destaca também, em conversa com o Observador, o facto de, por vezes, ser “dramático” que a empresa tenha nascido em Portugal, um país com um “potencial gigante, que é ignorado”. O empresário mostra não ter dúvidas de que a startup cresceu “de forma demasiadamente rápida” e que deveria “ter ido para os Estados Unidos [onde iniciou operações por volta de 2006] mais cedo”.

Apesar das dificuldades, a Ydreams conseguiu continuar “viva”. O empresário acredita que este poderá ser o ano em que a startup “acaba de pagar as dívidas” e começa novamente a desenvolver-se. “Sempre acreditámos e acreditamos na empresa e temos como primeira condição pagar as dívidas. Vamos honrar as dívidas antes de começar o que quer que seja”, afirma, sem mencionar quanto falta pagar e antes de indicar (sem poder dar mais detalhes) que decorrem neste momento negociações que acredita que podem transformar as operações da Ydreams.

Como a Ydreams sobreviveu às dificuldades

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Há quase 24 anos, a Ydreams nasceu após António Câmara, Edmundo Nobre, José Miguel Remédio, António Eduardo Dias e Nuno Correia terem vencido um concurso, promovido pela Vodafone, para colocar mapas de Lisboa e do Porto nos telemóveis.

Ao longo dos anos, a startup especialista em ambientes digitais desenvolveu vários produtos como, por exemplo, um jogo baseado na localização dos participantes e ecrãs interativos para museus.

Ao Observador, António Câmara explica que uma das razões pelas quais a empresa sobreviveu foi a ida para o mercado brasileiro, onde se desenvolveram e se relançaram aproveitando o “Campeonato do Mundo de Futebol e os Jogos Olímpicos”. Desta forma, a Ydreams passou a ser uma empresa com sede no Brasil: “Ficou uma firma clássica. Nós percebemos que ‘ok, não vamos conseguir cotar a Ydreams no Canadá, mas podemos listar a empresa brasileira’.”

As spin-off que tinha criado, que atualmente ainda existem, a YDX, a Ynvisible e a Azorean, foram também colocadas em bolsa, utilizando “Toronto, Frankfurt e Euronext Paris”. “Essa estratégia foi para ir vendendo as ações dessas empresas para pagar a dívida”, diz António Câmara, que acrescenta que a cotação é, neste momento, “baixa, mas já foi alta”. “Estamos a trabalhar para que seja elevada”.

Uma das lições aprendidas por António Câmara com a Ydreams é que pode “competir com qualquer firma no mundo, em qualquer parte” e que “muitos dos projetos” que desenvolveu “ainda estão à frente do tempo e ainda têm valor”. Por outro lado, o professor universitário considera que existem erros que são comuns à sua empresa e a outras, “sobretudo a nível europeu”, como “a aposta antes do tempo — e baseada num continente sem visão — numa tecnologia que não estava suficientemente disseminada“. O continente europeu, salienta o empresário, “tinha muitas das principais empresas de realidade aumentada a nível mundial”, que entretanto “foram compradas por firmas americanas ou faliram”.

Ainda assim, continua a acreditar que Portugal tem startups “ótimas e com imenso potencial” em inteligência artificial, realidade aumentada e web3. E uma “comunidade de talento internacional como nunca tivemos”.

Temos muitos pontos positivos, portanto tenho uma enorme esperança nos próximos anos.”

Apesar de dizer que a “falta de foco internacional é um problema que já foi maior no passado”, Gabriel Coimbra, da IDC Portugal, concorda com António Câmara ao defender que a internacionalização é “fundamental” e que se não for prioridade pode contribuir para o “insucesso”. “Há uma condição necessária hoje para as startups terem sucesso: é serem globais”, afirma, reiterando que o mercado português é “pequeno”.

chic by choice

Lara Vidreiro e Filipa Neto, cofundadoras da Chic By Choice, falam num “projeto à frente do seu tempo” e “muito ambicioso”

“Queimar muito dinheiro” e a filosofia de que “só uma ronda de financiamento” era suficiente

O “universo de sonho” para “todas as mulheres que adoram produtos de luxo e que gostam de seguir tendências”, mas que são “economicamente conscientes” chegou em 2014 com a possibilidade de alugar vestidos de marcas como Valentino. Nesse ano, a Chic by Choice fechou uma ronda de investimento de 500 mil euros e no seguinte captou 1,5 milhões de euros, com a participação da Portugal Ventures. Nessa altura, em 2015, aquando da compra de uma rival alemã, a La Remia, Filipa Neto, uma das cofundadoras, falava numa plataforma a ter um “franco crescimento”.

No final de 2016, porém, os prejuízos eram superiores a um milhão de euros e a empresa tinha um capital próprio negativo de 28.155 euros. Ao longo dos dois anos seguintes, a Chic by Choice foi notícia por ter deixado de alugar vestidos, por ter passado a vendê-los em promoção, com alguns a atingirem os 80% de desconto, por ter alegadamente deixado de dar apoio aos clientes e porque as cofundadoras abraçaram novos desafios profissionais. Na altura, Lara Vidreiro passou a trabalhar como consultora digital sénior da A2D Consulting (neste momento, segundo o LinkedIn, é diretora de negócios da TippingUp) e Filipa Neto como especialista de inovação da Farfetch (onde ainda se mantém, atualmente no cargo de senior head of open innovation and new venture).

Chic by Choice, o negócio fantasma das portuguesas que foram distinguidas pela Forbes

Com as informações que foram sendo avançadas, os problemas da Chic by Choice começaram a ser cada vez mais notórios. Diogo Patão, gestor de investimento na startup em nome da Portugal Ventures (entidade para a qual já não trabalha), recorda que a empresa sempre teve “um burn rate e resultados negativos” elevados. “Estavam a queimar muito dinheiro. E sabíamos que reduzir os custos para break even era muito difícil porque a empresa não tinha dimensão suficiente para se posicionar num formato de break even, para ter receitas iguais a custos”, acrescenta, em chamada telefónica com o Observador.

Desta forma era importante “capturar eficiências a vários sentidos”, nomeadamente financiamento. No final de 2016, início de 2017, estava uma “proposta de investimento internacional em cima da mesa para uma ronda Série A de um investidor do Reino Unido que, por um lado, permitiria validar que a empresa estava no caminho certo e que, por outro, iria suportar as operações, o crescimento da Chic by Choice”, afirmaram Lara Vidreiro e Filipa Neto em entrevista ao jornal Eco, em março de 2018.

O negócio não foi fechado por “questões de timing”. As cofundadoras em vez de pensarem que iam “capturar um investimento que muito poucas startups conseguem” tiveram de “reestruturar uma equipa completa, mudar operacionalmente o negócio, mencionando que o aluguer estava indisponível” e que estavam a vender vestidos, “a preço de saldo”.

Em seis meses passámos de ter uma viabilidade completa para ter de despedir a equipa inteira”, afirmou Lara Vidreiro.

Nessa entrevista, os rostos da Chic by Choice diziam que a empresa ainda podia “continuar”, mas não com elas. Cinco anos depois, em declarações ao Observador, explicam que “existiram interessados na atividade” e que se “confirmou, entre 2018 e 2019, um acordo com um player francês que permitiu recuperar alguns dos valores em dívida, tendo a Chic by Choice fechado a sua operação”.

O destaque internacional dado à Chic by Choice

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A Chic by Choice surgiu quando Lara Vidreiro e Filipa Neto perceberam que investiam “demasiado” em peças que acabavam por “usar apenas numa só ocasião”. “Queremos dar a oportunidade a todas as mulheres de poderem aceder a um vestido de sonho para cada ocasião”, ao poderem alugá-lo, disseram ao Jornal de Negócios.

A startup, cujo modelo de negócio assentava na compra de um vestido “de acordo com a procura”, com o preço de aluguer a ser cerca de 15% “do valor de venda” da peça em loja, recebeu, por várias vezes, destaque na imprensa internacional.

Em 2015 foi mencionada na Forbes por “democratizar as marcas de designers” e mudar a forma como as mulheres acediam a vestidos de luxo. Para a Wired foi considerada “a Uber das roupas” e uma das 10 startups mais sexy de Portugal.

Apesar dos problemas, em janeiro de 2018, as cofundadoras foram distinguidas como duas das jovens sub-30 “mais brilhantes da Europa” no ranking anual 30 Under 30 da Forbes, no ramo “Retalho e Comércio Eletrónico”.

Cerca de dois meses depois, em entrevista ao Eco, Lara Vidreiro e Filipa Neto esclareceram que não enviaram qualquer informação à revista Forbes porque acreditavam que “não era o momento certo — a operação estava frágil”. “Achámos que não era o momento indicado para estar a referenciar a empresa.”

A preocupação com a situação da empresa, lembra Diogo Patão, começou a surgir quando “já não era pequena o suficiente para ser seed — e todo o dinheiro seed [fase inicial de financiamento] já tinha entrado — mas era pequena demais para uma ronda Série A” porque os investidores “só olham para empresas se tiverem 100 mil euros de receita mensal”, algo que não acontecia com a Chic by Choice. Desta forma, recorda, começou a perceber que a empresa estava a “ficar sem dinheiro e que não ia ter tempo suficiente para crescer as métricas para desbloquear a próxima ronda”, o que se veio a confirmar.

A Rent the Runway, rival americana da Chic by Choice (que aluga vestidos e acessórios de marcas de luxo), começou “praticamente com 16 milhões na conta, o que lhes permitiu crescer o mercado, conseguir falhar e afirmar-se de uma forma positiva”. A startup portuguesa, afirma Diogo Patão, “tentou fazer o mesmo com dois milhões de euros” no Reino Unido, um mercado “mais aberto, que tinha mais poder de compra e onde podiam alugar vestidos a 650 euros” — valores que diz que eram mais difíceis de praticar em Portugal. “Houve o erro de tentar criar um mercado numa indústria que não existia [na Europa], tentar fazê-lo num mercado que exige valores de investimento altos e tentar fazê-lo com uma ronda portuguesa. Estava tudo desajustado. É natural que tenhamos morrido a caminho da praia.”

Além de uma ronda de investimento que “nunca foi dimensionada adequadamente”, Diogo Patão considera que não existiu “uma gestão financeira prudente”, que a “capacidade não foi enorme” de “gerir as finanças da empresa, até de saber reportar os números certos ou de saber medir o retorno de investimento de cada vestido”, algo que pode ter contribuído para que fossem tomadas “decisões erradas”. Por sua vez, fundadoras da Chic by Choice destacam que “foi só nos últimos anos que os modelos de economia sustentável e circular começaram a ganhar escala”. “Apenas no final de 2023 houve a primeira ronda de investimento Série A, no valor de 10 milhões de dólares, para uma startup desta área no mercado europeu”, dizem, referindo-se à Hurr, plataforma do Reino Unido, criada em 2019, que aluga roupas e acessórios de marcas de luxo como a Ganni.

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A Rent the Runway é rival americana da Chic by Choice e ainda aluga vestidos e acessórios de marcas de luxo

SOPA Images/LightRocket via Gett

As questões relacionadas com o investimento não afetaram só a Chic By Choice. António Câmara, da Ydreams, afirma que um dos problema que teve de enfrentar foi a filosofia de que “uma só ronda de financiamento chegava”: “Uma pessoa investia e depois [pensava que] a empresa ia logo ser a Google e se isso não acontecesse era um falhanço. O que aconteceu — isto é verdadeiramente triste — é que essa mentalidade não estava só presente em Portugal. Estava presente na Europa.”

Os problemas de financiamento podem determinar o fracasso de qualquer startup. Pelo menos é assim que pensa Gabriel Coimbra, que defende que é importante que a “startup tenha o financiamento adequado durante o tempo certo para conseguir desenvolver a sua ideia, colocá-la no mercado, ganhar escala e tornar-se rentável”. “Mesmo que consiga o primeiro financiamento, pode não conseguir vingar porque não conseguiu um segundo ou um terceiro investimento”, explica, acrescentando, contudo, que “o financiamento e a estrutura de custos têm de estar alinhados”.

As startups, por muito inovadoras que sejam, se têm um custo operacional muito grande e não conseguem financiamento, acabam por ser inviáveis e vão à falência.”

“As ideias são sobrevalorizadas”, sendo “importante ver” que startups premiadas “também falham”

A Ydreams foi considerada a empresa mais inovadora do país em 2009, nove anos após ser fundada. A Chic by Choice teve destaque na revista Forbes por duas vezes, primeiro em 2015 e depois em 2018, quando já estava com problemas. Mas não são caso único. A portuguesa CoolFarm, que operava na área de agrotech e cujos cofundadores (João Igor e Gonçalo Cabrita) não se mostraram disponíveis para falar com o Observador, passou, em cerca de um ano, de ser distinguida pela Microsoft Portugal como Startup do Ano para a falência com perto de um milhão de euros em dívidas.

João Igor e Gonçalo Cabrita conheceram-se aos cinco anos e reencontraram-se mais tarde, num bar na faculdade, em Coimbra. O primeiro estudava design e comunicação, mas já tinha uma empresa que desenvolvia aplicações, enquanto o segundo se interessava pela área da robótica. Durante um jantar, após perceber que Gonçalo cultivava morangos e ervas aromáticas na varanda, João teve a ideia de “criar uma aplicação móvel” onde conseguia ver e monitorizar “tudo o que se passava com as plantas”, nomeadamente para saber quando as devia regar ou colher.

Aos dois amigos juntaram-se Liliana Marques, que dava aulas de engenharia civil em Coimbra, e Eduardo Esteves, para que fosse possível começarem a desenvolver a CoolFarm, inicialmente com uma aplicação que permitisse regar as plantas quando os seus ‘donos’ estavam de férias. Do ano de fundação, 2014, ao ano da falência, 2018, a startup recebeu várias distinções: foi uma das finalistas da 16.ª edição do Prémio Jovem Empreendedor, promovido pela Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE), Liliana venceu a edição portuguesa do concurso de empreendedorismo feminino promovido pela embaixada de Israel em Portugal e a empresa foi considerada, em 2017, a Startup do Ano pela Microsoft Portugal.

As mudanças da CoolFarm

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Quando começa a receber prémios, a ideia da CoolFarm já era ligeiramente diferente da inicialmente apresentada. A startup alterou o modelo de negócio e passou a dirigir-se às empresas ao invés do consumidor final, sendo que a aplicação para controlar as plantas à distância transformou-se num sistema de controlo para estufas (também à distância).

A este produto, que permitia o cultivo em interiores com recurso à hidroponia (técnica de cultivo sem solo, só água), a CoolFarm deu o nome de in/control. Por volta da altura em que a empresa começou a focar-se no novo modelo de negócio, a Farben Consulting, que viria a ser a maior acionista, investiu pela primeira vez: 705 mil euros.

Menos de um ano depois, em julho de 2016 e após detetar “o primeiro sinal de falta de sucesso”, arranca um novo projeto: o in/store, um sistema automático fechado que permitia o cultivo de vegetais num contexto de agricultura vertical. Seria financiado através do Portugal2020, sendo que a Farben investiu mais 750 mil euros.

Em agosto de 2017, os fundadores disseram ao Dinheiro Vivo que já tinham vendido 15 soluções in/store, mas a documentação entregue ao Tribunal Judicial da Comarca de Santarém mostrava que apenas uma tentativa de venda tinha sido registada, a uma empresa madeirense chamada Data Solta.

Cerca de quatro anos após ter sido fundada, praticamente sem vendas, a CoolFarm soube que a Farben (que detinha 98% do capital social) não iria continuar a subsidiar as atividades da empresa e, depois, que o incentivo do Portugal2020 tinha sido reduzido em cerca de 95%. Em outubro de 2018, com dívidas perto de um milhão de euros (972.759,41 euros) a 32 credores, a startup foi declarada insolvente.

Apesar de terem uma ideia que foi capaz de cativar júris locais e internacionais, ficou “evidente”, segundo a exposição entregue ao Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, a que o Observador teve na altura acesso, que a “falta de experiência da equipa a nível de gestão e a incapacidade de gerar vendas esteve na origem do processo de insolvência”. “Esta falta de experiência resultou numa má gestão da equipa e dos esforços da mesma e, como tal, os fundos existentes foram esgotados antes que a empresa fosse capaz de se tornar num negócio rentável ou de assegurar uma nova ronda de investimento”, lê-se nesse documento.

CoolFarm. De “Startup do Ano” à falência com perto de 1 milhão de euros em dívidas

Os prémios recebidos por empresas que não vingam levam Ricardo Zózimo a utilizar uma expressão que costuma transmitir aos seus alunos da Nova SBE:Ideas are overrated” ou, em português, “as ideias são sobrevalorizadas”. “Quando veem um grupo de pessoas novas, cheias de energia, que querem desenvolver um produto que faz sentido a toda a gente, as pessoas projetam nelas a falta de esperança que têm na vida comum, o que as leva a valorizar demasiado uma ideia”, acrescenta, antes de indicar que “empreendedores têm muitas ideias, mas só alguns conseguem passar da ideia à oportunidade”.

Os negócios “desenhados à volta do conceito de inovação e não do conceito de monetização da inovação”.
Ricardo Zózimo, professor da Nova SBE

Além disso, em conversa com o Observador, o professor afirma que muitos negócios são “desenhados à volta do conceito de inovação e não do conceito de monetização da inovação”, um “chip” que é preciso mudar. “Existem muitos casos de startups americanas em que os fundadores são afastados logo após a prova de conceito, dando lugar a equipas de gestão [que vão tentar] maximizar a captura de valor. Acho que não temos esta ideia, estas pessoas no nosso ecossistema. Achamos que o founder pode fazer tudo e, às vezes, não pode.”

Por sua vez, Gabriel Coimbra, da IDC Portugal, acredita que existem prémios que “valorizam mais a ideia e o impacto que pode ter no futuro”, o que “claramente não significa que a empresa vai ter sucesso”, enquanto outros “incorporam mais a capacidade de financiamento sustentável do projeto”. Mas há um aspeto que é transversal às distinções: se “sabemos que cerca de 95% das startups falham”, cerca de “80% daquelas que são premiadas vão falhar” e “é normal que isso aconteça”.

É “importante ver que mesmo aqueles que conseguem prémios e financiamentos também falham”. “Todos os falhanços acabam por ser uma lição quer para os empreendedores, quer para os investidores e para o ecossistema como um todo. Fazem parte da dinâmica do ecossistema, do mercado”, que é “haver muitas ideias e pouca sobrevivência”.

 
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