Portugal emprestou um medicamento para a Covid-19 a Espanha durante a pandemia e o objetivo a longo prazo é que passe a haver entre os vários países europeus uma gestão em rede da disponibilidade dos medicamentos. Numa entrevista ao Observador, o presidente do Infarmed adiantou que, no combate ao novo coronavírus, verificou-se “um trabalho muito forte de colaboração” entre os países europeus que foi sendo reforçada com o passar dos meses. Aliás, foi nesse contexto que Portugal cedeu um medicamento para a Covid-19 a Espanha.
“Eu recordo-me de ter emprestado um medicamento aqui à minha colega de Espanha, por exemplo. Como se faz entre hospitais”, explicou Rui Santos Ivo, sem adiantar qual o fármaco em concreto, mas acrescentando que é um processo que tem de ser encarado com naturalidade.
[A entrevista ao presidente do Infarmed na íntegra:]
É precisamente esta gestão em rede da distribuição dos medicamentos que a Comissária Europeia da Saúde quer que passe a ser feita pela Agência Europeia dos Medicamentos — um anúncio que será feito na próxima semana, segundo o responsável pelo Infarmed.
“Algo que foi conjuntural, que é estarmos em conjunto a olhar para uma lista dos medicamentos mais utilizados — no fundo medicação de suporte, entenda-se, não estamos a falar propriamente de medicamentos específicos da Covid — e esses medicamentos que cada um estava a olhar por si começássemos a olhar de forma conjunta.”
A propósito da vacina contra o novo coronavírus, o presidente do Infarmed manteve que é possível ter uma vacina entre o final do ano e o início de 2021, prazo esse que já tinha adiantado ao Jornal de Negócios no início de outubro. Questionado se não será um prazo demasiado otimista, Rui Santos Ivo referiu que só fez referência a estas datas “de acordo com a informação que está disponível”, ou seja, segundo os prazos que constam dos contratos entre as empresas que estão a fabricar as vacinas e a União Europeia.
“Eu veiculei o prazo que está nos contratos, mas também disse — e voltei a dizer numa das reuniões do Infarmed — que esse prazo está condicionado à autorização da vacina”, afirmou o responsável pela autoridade nacional do medicamento.
Ainda assim, ressalvou que Portugal não irá receber as 6,9 milhões de doses da vacina que está a ser produzida pela AstraZeneca de uma só vez: “Elas vão ser entregues de acordo com o plano que está no contrato elaborado com a empresa. Estamos a falar de 400 milhões de doses para a União Europeia. Estou apenas a dizer que vamos recebendo gradualmente, o que está no contrato é isso.”
Mas o país não estará a comprar doses de vacinas que eventualmente poderá não utilizar na totalidade, tendo em conta que podem ser adequadas apenas para um determinado grupo da população? O presidente do Infarmed não respondeu, mas explicou que se preveem comprar vários tipos de vacina precisamente para se poder abranger várias populações.
“As vacinas vão surgir com um conjunto de características, portanto vão dizer-nos se podem ser utilizadas na população na sua totalidade ou eventualmente com alguma restrição e é em função disso que nós depois vamos alocá-las. É por isso também que o processo de aquisição das vacinas prevê vários tipos de vacinas para podermos depois utilizá-las da forma mais consentânea com o tipo de população.”
Ventilador do CEiia ainda não foi utilizado. “Havia alternativas”
Na entrevista ao Observador, Rui Santos Ivo foi ainda confrontado com duas polémicas que ocorreram com dispositivos médicos: os kits de teste de despitagem à Covid-19, produzidos pelo consórcio entre o Algarve Biomedical Center (ABC), o Instituto Superior Técnico e as empresas Hidrofer e Logoplaste, e o ventilador Atena, desenvolvido pelo CEiia (Centro de Engenharia e Desenvolvimento).
Os kits, que já tinham sido utilizados em creches e em lares quando o Infarmed proibiu a sua distribuição, não tiveram um parecer positivo por parte da autoridade nacional do medicamento, numa primeira fase, por dúvidas relativamente à segurança e ao desempenho da zaragatoa e do meio líquido de transporte.
Esta decisão foi alvo de duras críticas por parte do ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Numa entrevista, Manuel Heitor considerou que o Infarmed não deu um parecer positivo a estes kits por se tratar de um processo novo e desconhecido, falando mesmo em “resistência” à inovação.
Rui Santos Ivo recusou responder diretamente às palavras do governante, mas contrariou a sua visão. “O Infarmed está sempre a avaliar inovação, está sempre a autorizar inovação”, assegurou.
Já o ventilador do CEiia, cuja utilização foi autorizada de forma excecional pelo Infarmed, teve um parecer negativo por parte de um grupo de peritos criado em maio pelo próprio organismo e cuja função era avaliar ventiladores, por considerarem que o aparelho tinha de ser melhorado.
Aliás, de acordo com o jornal Público, a luz verde do Infarmed tinha tantas condicionantes, como o aparelho só poder ser utilizado se não houvesse mais nenhuma alternativa e em doentes que não precisassem dele constantemente, que praticamente inviabilizava ou pelo menos dificultava a sua utilização.
Para o presidente do Infarmed, a autorização dada ao ventilador Atena foi feita num contexto específico e não foi contra o que foi deliberado pelos peritos. “Nós não tomámos uma decisão contrária à dos peritos, o que fizemos foi uma leitura rigorosa do parecer. Limitámos a utilização às circunstâncias em que os peritos diziam que era possível e fomos ainda mais longe, que foi dizer: ‘mas só numa situação de facto de ausência de alternativas’”.
Ainda assim, adiantou o presidente do Infarmed, este ventilador não chegou a ser utilizado. “A informação que tenho é que nunca foi utilizado, porque havia alternativas. Aliás, essa era uma das condições que estava na nossa deliberação.”