As contas certas deram lugar à proteção do futuro. Fernando Medina, ministro das Finanças, garante não estar em campanha nem estar a olhar para o cargo de primeiro-ministro, mas o Orçamento do Estado para 2024, ano em que haverá eleições europeias, traz alívio no IRS em mais de 1.300 milhões de euros e que abrangerá todos os contribuintes, já que as primeiras cinco taxas de do IRS descem, além de se atualizar os rendimentos de cada escalão a 3%. Um valor que até pode estar abaixo do referencial de valorização salarial que o Governo pretende que se atinja em 2024 (5,1%), mas que até fica acima da projeção de inflação que o Executivo colocou no cenário macroeconómico que acompanha a proposta do Orçamento do Estado.

O Governo aponta para uma inflação de 2,9% em 2024, face aos 4,6% que ainda diz poder alcançar em 2023. E face a uma inflação mais controlada o Governo decide retirar algumas medidas que poderiam ter impacto nesse indicador. É o caso do IVA zero que vai acabar, mas que Fernando Medina acredita que a medida não levará a inflação a escalar. Prefere, vai explicando, apoiar quem mais necessita. “Uma política mais focalizada e dirigida”, explica o ministro das Finanças. Mas é o fim do IVA que dá ao Estado uma receita adicional em 2024 no IVA estimada em quase 500 milhões, mais do que compensando o “desvio” para os apoios sociais. O IVA, nas contas orçamentais, ainda vai subir cerca de 8% em termos de receitas do Estado em 2024, face a 2023, ou seja, mais de 1,5 mil milhões de euros.

No IRS, apesar do alívio contabilizado em mais de 1.300 milhões, o Governo prevê que receba menos 0,4%, menos de 100 milhões de redução. Medina garante que o alívio do IRS foi pensado para ser dirigida à classe média. “Era tempo de o fazermos em relação às classes médias” e, por isso, optou-se pela redução das taxas e subida dos rendimentos. E não se mexeu, por exemplo, das deduções à coleta. E garante-se que vai começar a sentir-se este alívio já em janeiro, com as retenções na fonte.

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Outros impostos vão subir no próximo ano, como o IUC ou o tabaco. Mas Fernando Medina não gosta de ouvir que a carga fiscal está a subir. “Não há agravamento fiscal e quem diz o contrário faz demagogia”, atira o ministro das Finanças, reforçando um argumento que vem sendo dado de que a carga fiscal (que atingirá em 2023 um total de 37,2%) sobe por causa do mercado de trabalho. “O que não se pode fazer é usar demagogia de dizer que há um aumento fiscal concreto sobre as famílias. Temos vindo a reduzir a carga fiscal, mas hoje trabalham mais um milhão de pessoas a mais do que em 2015”.

A proposta de Orçamento do Estado para 2023 prevê que o emprego deverá crescer 1,1% e 0,4% em 2023 e 2024, respetivamente, e a taxa de desemprego deverá manter-se inalterada nos 6,7% da população ativa (6% em 2022).

Um excedente que servirá para o futuro

O Governo aponta para dois anos seguidos de excedente orçamental. Em 2023 o excedente atingirá 0,8% para em 2024 passar a 0,2% ou seja arranca já 2024 com uma margem de 1.500 milhões, e já sem pensar em grandes ajudas da inflação. O saldo positivo de 2023, de 2.100 milhões de euros, vai ser destinado à criação de um fundo para financiar investimento público, no pós-PRR, “assegurando um fluxo adequado de investimento ao longo do ciclo económico, nomeadamente compensando futuras variações de financiamento comunitário”. Mais uma vez a pensar no futuro. É o Governo a responder ao que fará ao excedente orçamental, quando alguma oposição preferia ver défices para que os apoios fossem maiores. É uma proposta “enquadrada num orçamento responsável, não é um cardápio de cada semana prometer tudo a todos”, criticando quem exige diminuições significativas na fiscalidade, aumentos de custos permanentes, diminuição de impostos de todos os tipos… “não sei bem onde isto nos levaria. Não é preciso recuar muito tempo para vermos as dificuldades que teríamos nos mercados financeiros internacionais”.

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É aqui que Medina puxa pelas suas contas certas. “Temos de seguir uma política fiscal responsável. Temos de conseguir financiar o que podemos e conseguimos financiar. O pior que podia acontecer era um movimento brusco na fiscalidade e depois ter de o reverter no ano seguinte”. Os que na oposição “prometem mundos e  fundos como se não houvesse dia de amanhã, é preciso que se adjetive a demagogia da posição mas também a irresponsabilidade caso assumissem funções de Governo”.

É pois a justificação do ministro das Finanças para não esbanjar o excedente de 2023. Medina nunca escondeu a prossecução do objetivo de contas certas. E verifica-se, mais uma vez, uma consolidação orçamental. O saldo primário (diferença entre receitas e despesas públicas, não considerando o que se paga em juros pela dívida pública) atingirá 3% do PIB (há um ano Medina previa 1,6% em 2023), passando de 2,5% do PIB em 2024 (ano em que o crescimento do PIB será menor que este ano). Com um saldo primário menor (em % do PIB) e juros mais altos (passam de 2,1% do PIB para 2,3% em 2024 num total acima de 6,2 mil milhões de euros), o saldo estrutural passa de um equilíbrio esperado em 2023 para um défice de 0,1% em 2024. O saldo estrutural será o indicador que a Comissão Europeia vai começar a olhar com mais atenção para a determinação do cumprimento do Pacto de Estabilidade.

Um excedente que permite acomodar um aumento da despesa (9%) acima da subida da receita (mais 7,5%) em 2024. Com especial crescimento do investimento, dando-se um impulso de 24,2% “relacionado, em grande medida, com a execução dos investimentos estruturantes, que incluem projetos no âmbito do PRR, nas diversas áreas, destacando-se a transição climática; a transição digital nas administrações públicas; a instalação de centros tecnológicos especializados; os investimentos nas infraestruturas tecnológicas e físicas do Serviço Nacional de Saúde; e a expansão do parque público habitacional, complementada com a melhoria dos mecanismos de apoio ao acesso à habitação”.

Mas deve-se também a uma subida de 5,5% nas despesas com pessoal. Ou o acréscimo nas pensões.

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As preocupações com o lastro da política monetária — que como Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, advertiu ainda não terminaram os seus efeitos — foi também expressa por Medina e a insistente justificação de que a redução da dívida pública tem de ser prosseguida. “Recordem-se deste valor”: em 2015 Portugal era quarto país com a taxa de juro mais alta, agora é o nono e, diz Medina, “se nada tivéssemos feito” e Portugal se mantivesse na quarta posição “teríamos um nível de encargos de 2,3 mil milhões a mais por ano”, ou “230 euros por ano por cada residente”. 

A dívida pública vai, agora, nas projeções para 2024 ficar abaixo dos 100% — 98,9% mais concretamente.

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E isto, segundo Medina, não tem ainda em conta a receita do encaixe da venda da TAP em que parte do valor tem de ser obrigatoriamente para a redução da dívida.

Face às incertezas, que Medina não se cansou de recordar estarem nos horizontes — quer com o preço do petróleo, quer com os conflitos no Média Oriente, quer ainda com o lastro da política monetária –, o Orçamento do Estado, diz o ministro, tem presente os desafios do futuro.

As opções de Medina acabam concluídas numa única frase: “Há um dia de amanhã”.