O Governo chega à apresentação do Orçamento do Estado para 2024 com uma situação orçamental que não se antecipava e poucos dias depois da Fitch ter colocado a sua notação da dívida onde não chegava desde antes do programa de ajustamento, iniciado em 2011 quando Portugal se viu obrigado a pedir ajuda à troika (Comissão Europeia, FMI e BCE).

Fernando Medina, prontamente, em comunicado, salientou que “Portugal consegue a melhor avaliação de risco da sua dívida pública em 12 anos. A sucessão de avaliações positivas pelas agências de notação de risco confirma a relevância da estratégia de redução de dívida promovida pelo Governo, visando defender a economia”. O ministro das Finanças deverá preparar-se para continuar essa defesa da economia na proposta orçamental de 2024. Até porque os avisos para nuvens negras chegam de vários lados.

Uma coisa parece garantida. 2024 vai fechar com um crescimento acima de 2% e com saldo orçamental positivo, um excedente que se deverá manter no ano seguintes.

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Para o crescimento da economia a projeção (oficial) mais negativa tem como autor o próprio Governo. Ainda é válida a projeção de 1,8% divulgada em abril, quando entregou o programa de estabilidade (apesar de, mais tarde, Fernando Medina ter admitido um crescimento de 2,7% embalado pela atividade no primeiro trimestre — acima do esperado). De resto foi preciso esperar por outubro para o Banco de Portugal rever em baixa a projeção de crescimento para 2,1% este ano e 1,5% em 2024. Um valor que deverá ser semelhante ao que o Governo irá colocar no cenário macroeconómico na proposta que entrega esta terça-feira no Parlamento.

A Fitch, que colocou Portugal no patamar de A (dando uma notação de A-), aponta agora também para um crescimento, este ano, de 2,1%, uma revisão em alta (divulgada no dia em que anunciou a revisão do rating), face aos 1,3% de abril. Em contraponto revê em baixa a projeção para 2024. Estima agora 1,8% contra os anteriores 2,1%.

Para 2024 há muitas nuvens no horizonte, desde logo pelo que pode acontecer nos parceiros internacionais, nomeadamente com a motor alemão. Mas também, conforme referiu Mário Centeno, governador do Banco de Portugal na conferência de imprensa de apresentação do Boletim Económico, com o lastro do impacto da subida das taxas de juro. 

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Filipe Silva, diretor de investimentos do Banco Carregosa, vê também alguns fatores de maior risco na evolução económica do país: “Inflação e subidas das taxas de juro.” E explica: “Apesar de termos uma evolução nos salários, o atual nível de taxas pode começar a criar pressões na forma como o consumo é feito. Sabemos que o impacto de uma subida de taxas de juro, demora em média entre um ano a um ano e meio a produzir efeitos. Estamos a chegar a esse patamar, o de podermos vir a ter um abrandamento económico, que poderá resultar numa recessão. Se este ajustamento não for muito severo, poderemos continuar a ver Portugal com uma evolução positiva mas com choques pontuais que terão de ser resolvidos, à medida que forem surgindo”.

A Fitch incide os fatores de risco na evolução nos parceiros comerciais mas acrescenta um outro — o PRR (Programa de Recuperação e Resiliência), cujo desenvolvimento, aponta a agência, “está a ser mais lento do que o esperado”.

Ao Observador, Alex Muscatelli, diretor da agência de rating e que olhou para Portugal, refere que “um desenvolvimento mais rápido apoiaria, certamente, à despesa e investimento globais, e ao crescimento do PIB”, ainda que realce que “é justo dizer que em muitos países não estamos a ver um desenvolvimento linear dos fundos na economia, mas antes um desenvolvimento lento, que provavelmente vai acelerar em 2024 até 2026”.

O Banco de Portugal também vê maior contágio dos fundos no crescimento económico nos dois últimos anos do programa. Para 2025 volta a projetar uma subida de 2,1%.

Apesar das nuvens, a Fitch reviu o rating em alta. Alex Muscatelli refere, em respostas escritas ao Observador, que a revisão tem por base “a nossa visão sobre as perspetivas macroeconómicas para este ano e para os próximos anos”, tendo as de 2024 enfraquecido não apenas em Portugal mas também na zona euro, pelo que “a nossa decisão de rating é robusta para um cenário base de crescimento da atividade económica mais fraco.”

Alex Muscatelli, diretor da Fitch, explicou ao Observador o que levou a agência a mudar o rating de Portugal, mesmo tendo um outlook estável

Um ano de excedentes

Um outro motivo para a Fitch ter melhorado o perfil da dívida nacional é o das contas públicas. Ao contrário do que era estimado no programa de estabilidade tudo aponta agora para um excedente nas contas públicas já em 2023. António Costa, primeiro-ministro, anunciou essa possibilidade e Fernando Medina reiterou-a aos partidos com assento parlamentar.

E se à esquerda se contesta a existência de excedente sem utilizar esse dinheiro na ajuda às famílias, já o Governo vai alertando para o facto de haver uma boleia positiva para esse marco com a inflação que garantiu mais receita fiscal, mas que não se fazem orçamentos com base em fatores extraordinários, mas antes com base num cenário de continuidade.

O diretor da Fitch acredita que existe um compromisso deste Governo para com a consolidação orçamental.

Ao Observador, Alex Muscatelli explica em concreto o que levou ao upgrade da notação financeira: “O sobredesempenho orçamental que aponta para um excedente este ano, contra a projeção de défice no programa de estabilidade de abril e a nossa anterior projeção”. A Fitch aponta agora para um excedente de 0,5% do PIB este ano, de 0,4% em 2024 e de 0,3% em 2025, “à medida que o abrandamento económico traz o PIB para um nível mais próximo da taxa de crescimento potencial e à medida que o crescimento na despesa é contido”. O excedente primário deverá atingir 2,6% este ano, mantendo-se próximo desse nível em 2024 e 2025, “bem acima” da mediana dos pares que estão com rating A (projeção para 2025 de -1,8%) mas abaixo dos níveis de 2019, em que atingiu 3,1%.

“O principal impulsionador desta avaliação melhorada é uma redução mais rápida do que a esperada nas despesas em percentagem do PIB. Finalmente, esperamos que a balança corrente volte a ser excedentária este ano”, acrescenta o responsável da Fitch.

Mas, acrescenta o responsável, “estas projeções podem ser afetadas por mudanças de política e prioridades políticas do orçamento para 2024, mas acreditamos que existe um elevado nível de compromisso em relação à consolidação orçamental por parte do atual Governo português”.

E uma descida na dívida

Não foi indicado pelos partidos se o Governo tenciona alterar novamente as projeções para a dívida pública. No programa de estabilidade atravessava-se com uma projeto de 107,5% do PIB para este ano, descendo para 103% em 2024, baixando para níveis inferiores a 100% a partir desse ponto. Para 2025, aponta para 99,2%, em 2026 para 95,6% e em 2027 para 92%.

A Fitch acredita que a o rácio dívida/PIB está numa tendência de descida acentuada, apontando a agência para um valor de 104,3% este ano, e uma descida progressiva até ficar nos 96,5% em 2025, o que significa uma redução de 38 pontos percentuais desde 2020. “O maior entre os soberanos que estão na categoria do rating A”, diz Alex Muscatelli, indicando ainda para o facto de o volume ser ainda elevado. “Numa economia em crescimento, um nível idêntico de dívida seria mais fácil de pagar do que num cenário com fraco ou nenhum crescimento. Dito isto, o nível de endividamento de Portugal é ainda elevado, muito mais alto do que a mediana dos países com notação de A. “Mas um fator importante que mitiga o nível de dívida é o calendário moderado de amortizações – que está em linha com a mediana dos países com rating A, mesmo que a dívida seja muito mais elevada”.

Calendário de amortização que o IGCP divulgou em setembro deste ano

Com a entrada da dívida de Portugal novamente no clube dos A as próximas emissões de dívida podem ditar mudanças, nomeadamente no tipo de investidores que a vão procurar.

Filipe Silva, do Banco Carregosa, reforça a importância desta subida: “Portugal tem conseguido fazê-lo de forma constante e com os dados da economia a suportarem o mesmo. As várias agências de rating têm vindo a subir consecutivamente tanto o rating como o outlook. O efeito é muito positivo não só para o país como para as empresas. O prémio de risco nacional não tem subido tanto como os restantes países da periferia, o que faz com que Portugal seja dos quatro (Portugal, Espanha, Itália, Grécia), o que menor spread apresenta versus a Alemanha. As empresas nacionais também beneficiam com esta melhoria e ao emitirem dívida vêm que o custo atual, medido pelo spread versus a república, é inferior ao que tinham no passado. Esta é a melhor avaliação que Portugal tem nos últimos 12 anos”.

A mesma ideia é deixada por Paula Gonçalves Carvalho, do Banco BPI: “É muito importante [a mudança de rating] dado que marca o regresso da notação da República ao patamar A- por uma das três principais agências de rating [a DBRS também tem Portugal no patamar de A, mas não é considera uma das três grandes], notação em que esteve apenas em 2011, antes do PAEF”. E é “a confirmação de que a evolução da generalidade dos indicadores macroeconómicos e financeiros mostra uma melhoria consistente, que já vem sendo reconhecida pelo mercado ao cotar um prémio de risco em torno dos 75 pontos base para o Bund [títulos de dívida pública da Alemanha] de forma continuada. Esta alteração confere maior sustentabilidade e consistência a este estreitamento do prémio de risco que na prática significa financiamento menos oneroso para o Estado, com repercussão também para famílias e empresas”.

Ainda assim com a subida das taxas de juro, o Governo estima um aumento dos custos com a dívida para 2024. De acordo com o quadro de políticas invariantes que entregou ao Parlamento. Só em juros a pagar pela dívida pública o Governo aponta para um cheque superior a mil milhões de euros ao previsto para este ano. No Programa de Estabilidade, apresentado em abril, apontava para uma despesa em 2024 superior em 1.400 milhões de euros face a 2023.

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Mário Centeno realçou, esta segunda-feira, que importa que “as políticas orçamentais se pautem pela prudência e se foquem no apoio aos mais vulneráveis”. E enfatizou: “A redução sustentada da dívida é um dos maiores ativos que podemos deixar às gerações futuras e é um dos grandes desafios globais neste momento.”