Um Orçamento do Estado para 2023 que aponta para o futuro e que, aos olhos de Marcelo Rebelo de Sousa, é a prova de que António Costa vai manter-se até ao final da legislatura. O Observador sabe que o Presidente da República transmitiu a vários partidos que considera este Orçamento “habilidoso”, “sem horizonte”, feito para “navegar à vista e “sem projeto”.
Marcelo Rebelo de Sousa não esquece a incerteza internacional que se vive devido à guerra na Ucrânia e nota neste OE a prudência do Governo para o caso de a situação piorar. Ainda assim, nas conversas que manteve com os vários partidos, deixou claro que cumprirá as funções de chefe de Estado e será o primeiro a avisar o Governo caso considere que é preciso ser feito mais.
Mas a calculadora de Marcelo Rebelo de Sousa viu mais do que números orçamentais neste documento: o Presidente olha para o OE2023 como a confirmação de que o primeiro-ministro quer ficar até ao fim do mandato e que não ambiciona uma viagem até à Europa ou até a Belém (que o próprio António Costa já afastou).
Aos olhos do Presidente da República, e segundo fontes ouvidas pelo Observador, trata-se de um Orçamento do Estado “feito a pensar no calendário eleitoral” e numa legislatura que em 2025 arranca com um “frenesim eleitoral”, num ano eleições autárquicas e que se antecede às legislativas de 2026.
A ideia transmitida ficou clara: é um Orçamento do Estado que está a preparar terreno para futuras boas novas, ou seja, feito a pensar no futuro e em ciclos eleitorais para os quais António Costa pretende deixar o PS preparado.
Esta referência de Marcelo tem um contexto e vem de longe. Na altura em que tomou posse, António Costa foi alertado pelo Presidente da República: a decisão dos portugueses tem um “preço a pagar” e uma eventual saída para um cargo europeu “não será politicamente fácil”. O Presidente suspeitava que o socialista continuasse a manter ambições europeias e que estivesse a pensar numa transição suave de poder — como fez na Câmara Municipal de Lisboa, de resto, e como Durão Barroso fez com Pedro Santana Lopes.
Marcelo fecha a porta à saída Costa para a Europa e avisa: “Agora não há desculpas”
Agora, meses volvidos de uma maioria absoluta que já deu sinais de que pode tremer — e tremer sério –, Marcelo Rebelo de Sousa olha para este Orçamento do Estado como a evidência de que António Costa está preparado para ser o protagonista da maioria absoluta até ao final e enjeitar o futuro do PS.
Com ou sem a maioria, o Presidente da República ainda demonstrou ter esperança que o PS se esforce para cumprir o que prometeu logo na noite eleitoral, a ideia de que iria manter-se dialogante. Nenhum partido se mostrou agradado com a posição dos socialistas na discussão do documento, mas o tempo da especialidade pode mudar o posicionamento do PS. Não é claro que aconteça. Porém, é certo que o Chefe de Estado ficaria agradado com um esforço acrescido.
Por outro lado, fontes ouvidas pelo Observador saíram da audiência com a sensação de que Marcelo não quer manter-se numa ambiguidade entre o não entrar em confronto e a ideia de não dar um apoio incondicional. Um conceito de ambiguidade muitas vezes experimentado pelo Presidente da República em várias ocasiões e que, ao que tudo indica, pretende manter na relação com o Executivo de Costa.
Marcelo não escapou do elefante na sala
No dia em que recebeu todos os partidos com assento parlamentar, o elefante na sala era outro: as declarações e consequentes justificações de Marcelo Rebelo de Sousa sobre o número de abusos sexuais reportado pela Comissão Independente.
Menos de 24 horas antes de os protagonistas políticos marcarem presença em Belém, a esmagadora maioria dos partidos tinha-se desfeito em críticas e houve quem fizesse questão de levar o tema até à conversa com o Presidente da República.
O assunto é sensível, tomou proporções nunca antes vistas desde que Marcelo Rebelo de Sousa chegou a Belém e os partidos não perdoaram. Dentro de portas, o Presidente da República explicou-se a quem o questionou e mostrou-se melindrado com toda a situação.
Fontes ouvidas pelo Observador perceberam que existe um misto de sentimentos entre a sensação de injustiça e o facto de considerar que foi uma das pessoas que mais força e mais pressão fizeram para que a Comissão Independente que veio apresentar as primeiras conclusões visse a luz do dia.
A alguns dos políticos que estiveram esta quarta-feira em Belém, o chefe de Estado admitiu tratar-se de um mal entendido e mostrou estar crente que as vítimas serão muito mais do que as relevadas — o que o terá levado às primeiras declarações.
PS dá cobertura total a Marcelo
Se os partidos tinham sido chamados para falar sobre Orçamento, o assunto que nas últimas 24 horas invadiu o debate político e mediático – as controversas declarações do Presidente sobre os casos de abuso na Igreja – acabou por invadir também o Palácio de São Bento. E vários partidos fizeram questão de que se soubesse isso mesmo fora das paredes da sala de reuniões em que falaram com Marcelo Rebelo de Sousa.
Um por um, os partidos foram-se manifestando, em declarações aos jornalistas, sobre o assunto – uns adotaram, após a reunião, um tom mais compreensivo ou delicado; outros mantiveram as críticas duras ao Presidente. Desde logo, pelo Bloco de Esquerda, Catarina Martins frisou que o partido puxou pelo assunto na conversa com Marcelo, exigindo que os órgãos de soberania mostrem apoio às vítimas de abusos.
Também na audiência, a Iniciativa Liberal fez questão de falar com Marcelo e reiterou que deve um pedido de desculpas às vítimas – mesmo admitindo que a origem do problema seja apenas uma “deficiência de comunicação”.
Na mesma linha, o Livre, pela voz de Rui Tavares, considerou que até os “bons comunicadores” como o Presidente falham – e aqui falhou a “empatia”; e o Chega tomou como boas as explicações, mas continua – tal como o PAN – a manter que Marcelo deve pedir desculpa.
Nem todos os partidos foram tão taxativos. Foi o caso do PCP, que preferiu frisar a “sensibilidade” da matéria e pedir que o foco esteja nas investigações; ou do PSD, que se manteve à margem da polémica, com Luís Montenegro a recusar pedir “explicações” ao Presidente.
A defesa pura e dura de Marcelo acabaria mesmo por caber ao PS: tal como António Costa tinha feito horas antes, Carlos César garantiu que “não passaria pela cabeça” de ninguém achar que o Presidente desvalorizaria a gravidade da situação – embora tenha sido precisamente essa a acusação a atingir Marcelo, um pouco por todo o espetro político, nas últimas horas.
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Votos contra começam a aparecer
À porta da sala, os partidos deixaram também as suas críticas e posições sobre o Orçamento do Estado, revelando ou, pelo menos, deixando adivinhar em praticamente todos os casos o sentido de voto que aí virá. Sem surpresas, do lado do PS, Carlos César elogiou o documento e até a “humildade da maioria absoluta” pelo acordo a que chegou na concertação social, por entre muitas farpas à oposição – que tem dificuldade em “conjugar o verbo concordar”.
De resto, uma chuva de críticas. Da esquerda à direita, ouviram-se referências a um OE de “empobrecimento” (crítica comum), “injusto” (PCP), “sem esperança” (PSD), com “truques” (BE), navegando à vista (Chega), “habilidoso e enganoso” (IL). PSD e IL confirmaram taxativamente o voto contra, PCP e BE sugeriram que deverão fazer o mesmo.
Ficam a faltar os novos aliados, Livre e PAN, que quiseram endurecer o tom e garantir que desta vez serão mais “ambiciosos” nas negociações com o Executivo – até pela desilusão que terá provocado a curta execução das medidas que conseguiram incluir no Orçamento anterior.