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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Portugal Ventures. "Num mercado perfeito, não existiriam operadores públicos de capital de risco"

Rita Marques é a nova presidente da Portugal Ventures. Ao Observador, conta o que quer mudar na capital de risco pública, porque se quer reaproximar dos empreendedores e porque não fala dos falhanços.

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Rita Marques senta-se na sala de reuniões da sede da Portugal Ventures (PV), em Lisboa, para receber o Observador pela primeira vez desde que está na liderança do operador de capital de risco público. Com vontade de “reaproximar” o ecossistema de empreendedores ao novo conselho de administração, explica porque quer uma nova estratégia para os 19 fundos (de 240 milhões de euros) que gere: porque “quando somos preteridos, temos de perceber porque fomos preteridos, para melhorar”. Reconhecendo que a PV não tem, hoje, os recursos financeiros que tinha em 2012, quando foi criada, diz que não foi apenas isso que contribuiu para o decréscimo no número de projetos que procuraram os investidores do Estado no ano passado: “O facto de termos esmorecido o relacionamento com o ecossistema fez com que a PV não estivesse tão presente na mente dos empreendedores”.

Sobre os projetos que fracassam, Rita Marques diz que são “pão com manteiga”, acontecem todos os dias e que não compete aos investidores, ainda que públicos, revelar ao mercado o que se passa dentro das startups em que investem. “Quem tem de falar é o promotor, o promotor deve ser sempre a cara do negócio. Os investidores estão sempre atrás, a reunir em conselho de administração e a discutir a estratégia com os promotores”, disse. Sobre o caso concreto da Chic by Choice, diz que “é um caso em que a estratégia e o esforço que foi depositado não vingou”, mas que ainda não há um desfecho formal. “As empreendedoras perderam muito, mas nós também. Estamos todos a fazer o nosso luto”, disse.

Porque é que o Estado tem um operador de capital de risco para investir em startups? Porque tem o dever de suprir as falhas de mercado. “Num mercado perfeito, não existiriam operadores públicos de capital de risco”, respondeu, acrescentado que o facto de terem este dever público lhes impõe uma “exposição ao risco substancialmente superior” à dos privados. “Quando a PV foi criada, em 2012, o ecossistema era imaturo e as startups não tinham, de todo, acesso a capital de risco. E a PV surge num contexto em que, não existindo operadores, tinha de haver um instrumento capaz de dar este gás às startups. Nesta altura, continua a fazer sentido ter uma capital de risco pública porque continuam a existir falhas de mercado”, diz. Antes de chegar à presidência da Portugal Ventures, em abril de 2018, Rita Marques foi diretora executiva da área de MBA e Pós-Graduações da Porto Business School.

Antes de liderar a Portugal Ventures, Rita Marques foi es foi diretora executiva da área de MBA e Pós-Graduações da Porto Business School (João Porfírio/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“Por variadíssimas razões, a relação com o ecossistema foi-se esmorecendo”

Li no vosso relatório e contas que, em 2017, concorreram à PV 64 projetos, quando no ano anterior tinham concorrido 366. Também investiram menos: 10,6 milhões de euros em 44 empresas, menos quatro milhões do que no ano anterior. E, destes, apenas um milhão foi para seis novas empresas. O que é que se passou? O mercado arrefeceu ou foram as pessoas que deixaram de procurar a PV?
Não estava na casa nessa altura, não tive responsabilidade na escrita desse relatório. Qualquer análise que faça decorre do contexto atual e posso, eventualmente, ser injusta ou ter alguma imprecisão na análise que estou a fazer. Provavelmente, é um resultado de várias realidades. Em primeiro, a própria PV — e isso tem sido evidenciado desde que assumimos funções — tem de se reaproximar ao ecossistema. Em tempos idos, tínhamos uma ignition partners network, que era uma rede de universidades, de incubadoras, de algumas empresas que nos ajudavam a sinalizar deal-flow qualificado, ou seja, projetos interessantes de uma perspetiva do capital de risco. Por variadíssimas razões, a relação foi-se esmorecendo e, por isso, muito provavelmente a PV não teve a exposição que gostaria num passado recente. No nosso plano de atividades e orçamento para 2018, há uma prioridade mais global: a PV tem de estar próxima do ecossistema, junto de parceiros que possam ajudar a sinalizar deal-flow qualificado.

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A segunda razão que também justifica esses números mornos ou frios tem a ver com capital. A PV não tem os recursos que tinha no passado. Em 2012, tínhamos uma liquidez que não era comparável à liquidez que temos atualmente. Hoje, temos 28 milhões de euros para investir, estamos interessados e muito empenhados em constituir novos fundos e admito, mais uma vez, com todas as reservas e mais alguma, que também essa desaceleração dos números se prendeu com um foco que a PV teve, num passado recente, na constituição de novos fundos e não esteve tão concentrada no investimento. Porque precisa de ter recursos para investir.

Há um terceiro motivo: a PV faz a sua atividade com recurso a um binário, que tem de estar em constante equilíbrio: o investimento e o desinvestimento. Estamos a entrar numa curva de crescimento da vida da PV que nunca vivemos anteriormente: temos neste momento um portefólio de 105 empresas, em muitas delas investimos há mais de dez anos e temos de — já devíamos ter começado esse trabalho, nalguns casos foi feito, noutros não — fazer aqui um trabalho muito preciso, em estreita parceria com os fundadores, de estratégia de desinvestimento: estratégia de exit [quando os investidores vendem a fatia que detêm nas empresas] da Portugal Ventures, porque são essas as regras do jogo. Além do enfoque no investimento, tem de haver um grande enfoque no desinvestimento e isto consome recursos. Também aqui a prioridade da PV é diferente daquela que existia em 2012 ou 2015, quando se atingiu o máximo de projetos investidos: muitos projetos e um valor muito relevante no mercado.

Há uma quarta razão. Felizmente, o mercado hoje tem uma dinâmica que não encontrávamos há uns anos e, portanto, é natural que o empreendedor procure outros parceiros que não a Portugal Ventures. E nós, quando somos preteridos, temos de perceber porque fomos preteridos para melhorar. Portanto, é um assunto que não diria que nos preocupa, diria que nos motiva a sermos melhores. E há muito por onde trabalhar para sermos melhores. Diria que estes quatro fatores justificam esses números mais mornos do ano passado.

"A PV também esmoreceu o relacionamento, deixou de ter ali aquela força motriz que existiu em 2012, de fazer um esforço de reunir todos os parceiros. Acho que houve aqui, se quiser, não digo 'falha', porque, enfim, os negócios são assim, são ciclos"

Falou na necessidade de se reaproximarem ao ecossistema. Sente que as pessoas se distanciaram da PV ou acha que nunca foi próxima o suficiente?
Houve uma aproximação relevantíssima, mais do que evidente, nos tempos da criação da Portugal Ventures. Em 2012, todo o ecossistema estava desorganizado ou desarticulado, não havia sinergias e a PV teve um papel preponderante de cola, de aglutinador de interesses. Essa aproximação existiu nessa altura. Fruto da dinâmica que foi crescendo, os vários atores do ecossistema acabaram por entrar com um nível de energia que se calhar era incompatível com parcerias ou colaborações. Por um lado, os atores já estavam suficientemente maduros, iam fazendo as suas caminhadas sozinhos e acabaram por se desinteressar de fazer parcerias e afins.

Por outro lado, a PV também esmoreceu o relacionamento, deixou de ter ali aquela força motriz que existiu em 2012, de fazer um esforço de reunir todos os parceiros. Acho que houve aqui, se quiser, não digo ‘falha’, porque, enfim, os negócios são assim, são ciclos. Houve aqui um ciclo que espero que, agora, seja interrompido, de reaproximação de todos os atores. No passado, essa aproximação existiu, fortíssima, e acho que é inquestionável o valor e o contributo extraordinário que a Portugal Ventures deu ao ecossistema. Temos agora de encontrar uma dinâmica nova, porque o futuro também se constrói com ambição, novas ideias. E tudo mudou desde 2012. Felizmente, o ecossistema hoje tem uma maturidade que em 2012 não tinha. Temos agora também de encontrar o nosso espaço.

Não quer utilizar a expressão ‘falha’, mas acha que houve alguma desresponsabilização?
Em que sentido? De todos?

Não, da Portugal Ventures, junto das participadas.
Não, de todo. Acho que somos todos gestores empenhados. O termos “responsabilização” aqui nem se aplica. Acho que tem a ver com ciclos. Como lhe dizia, quando houve essa desaceleração, esta pouca energia que era dada aos protocolos de colaboração, etc, etc, foi usada com certeza noutras áreas. Foi canalizada para outras áreas, nomeadamente para a área de desinvestimento ou para o cumprimento das participadas. Também em 2012, o portefólio era um e hoje é outro, tem uma dimensão incomparável, temos de ter também aqui muita energia para investir, mas muita energia seguramente para acompanhar as nossas participadas, porque o portefólio foi crescendo. Acho que a energia sempre esteve aqui, tem é de ser canalizada para as prioridades.

"Não é sustentável a médio prazo continuarmos a ter um portefólio a crescer desmesuradamente, por via dos novos investimentos, e não garantir as condições quer de acompanhamento das nossas participadas (que temos sempre de garantir) quer as que levam a um desinvestimento interessante para a PV"

Um dos argumentos utilizados para a diminuição do investimento é “a redução da qualidade dos projetos enquadráveis nos fundos geridos” pela PV. Isto significa que não têm aparecido projetos com a qualidade que procuram ou que estão mais exigentes?
Acho que é um misto dos dois, ainda que, muito honestamente, ache que há aqui um terceiro fator. Por um lado, muito naturalmente, a PV e todas as sociedades de capital de risco em Portugal, fruto da maturidade que já temos, tornam-se mais rigorosas, se quiser. Não diria mais seletivas, porque acho que a questão é serem mais rigorosas na avaliação dos projetos e também mais exigentes para com o empreendedor. Isso é seguro e ainda bem que assim é, porque mostra que o mercado está mais maduro. Por outro lado, a verdade é que, fruto da concorrência que existe, há projetos que gostávamos que nos tivessem chegado e não nos chegaram. Há aí várias empresas que gostávamos imenso de ter tido no nosso portefólio e que, felizmente para essas mesmas empresas, conseguiram ter VC [investidores de capital de risco] de primeira liga, internacionais e nem sequer foram bater à porta dos nacionais. Naturalmente, a PV nem sequer teve oportunidade de avaliar esses projetos.

Por outro lado, o facto de termos esmorecido o relacionamento com o ecossistema fez com que a PV não estivesse tão presente na mente dos empreendedores porque, provavelmente, quando um empreendedor pensava em procurar financiamento aconselhava-se junto da sua universidade, incubadora, etc, que, nos tempos idos, tinha uma relação privilegiada com a PV, mas que num passado recente já não tinha. É um misto de vários fatores. Muito honestamente, acho que só temos de aprender com o passado e não é que o passado nos preocupe, porque faz parte do ciclo, mas temos de olhar para a frente e construir: construir para a frente e para cima. Queremos naturalmente ter hoje uma visibilidade que num passado recente não tivemos.

Há aqui uma vontade de mudar a estratégia.
De melhorar a estratégia.

Olhando para este passado, acha que se calhar se investiu demais ou de uma forma desfocada?
Não sei ajuizar, honestamente. Nem me compete. Quem tomou as decisões com certeza terá tomado com base em informações que nesta altura não disponho. O que lhe posso dizer é que gostávamos de investir até ao final do ano, por exemplo, em 12 projetos. No ano passado, investimos menos e, mesmo estes 12, não nos satisfaz de todo, porque nos tempos idos da PV investimos em várias dezenas de projetos anuais. Mas também quero reiterar que a nossa prioridade passa pelo investimento e pelo desinvestimento. Não é sustentável a médio prazo continuarmos a ter um portefólio a crescer desmesuradamente, por via dos novos investimentos, e não garantir as condições quer de acompanhamento das nossas participadas (que temos sempre de garantir) quer as que levam a um desinvestimento interessante para a PV. Também estou a falar das condições que temos de deixar na participada, para que a empresa continue a crescer saindo este acionista de referência. Diria que é arriscado e desajustado estar a falar de uma pulverização de investimento ou de um desfoque na política de investimentos.

Tenho dificuldade em ajuizar se investimos pouco, queria fazer diferente, é verdade. Quero fazer melhor e acho que melhor toda a gente quer fazer. Estamos empenhados em fazer passar uma mensagem mais clara sobre a nossa política de investimentos, que acho que também não é, não tem sido bem entendida ou conhecida. Qual é a política de investimentos, garantir que a PV tem sempre aqui uma postura muito supletiva no mercado, quer dizer: que nós não nos substituímos porque a concorrência agora é bastante e, felizmente, não nos queremos substituir a nenhum operador privado, queremos sempre ter uma perspetiva supletiva, complementar e atuar naquelas que consideramos que são as falhas de mercado.

As falhas de mercado nesta altura são tickets [investimentos] mais elevados. Com a call dos MVP [para financiar produtos mínimos viáveis] estamos a falar de tickets de 300 mil a um milhão de euros para aquilo a que chamamos prova de conceito. É necessário investimento para que o protótipo, se exista, possa ser trazido à escala real e introduzido no mercado. E é aí que estamos, é essa a falha, e é esse o posicionamento atual da Portugal Ventures.

"Como qualquer operador de capital de risco, somos remunerados pela gestão que fazemos dos fundos. As nossas receitas são exclusivamente suportadas com as receitas decorrentes da gestão dos fundos que fazemos"

“As taxas de rentabilidade não têm sido tão positivas como quereríamos”

Há esta ideia de que a PV, por ser pública, usa dinheiro dos contribuintes. De onde vem o dinheiro que a PV investe nas empresas?
Vem de todos os investidores que acreditam nos projetos que acompanhamos. E, seguramente, não é dos impostos dos contribuintes, porque não estou a ver a Direção-Geral do Tesouro a ter esse papel. Vem de operadores privados e de operadores públicos. A PV é uma sociedade de capital de risco pública, porque o seu capital social, a sua estrutura acionista, tem maioritariamente entidades públicas, mas também tem entidades privadas. Entre as públicas está o Turismo de Portugal, a AICEP, IAPMEI, PME Investimento e a Direção-Geral de Tesouro e Finanças, que têm uma representatividade maioritária e que depois é consubstanciado com capital privado. Já na estrutura acionista da PV temos acionistas privados. Quer isto dizer que a prestação de contas da PV é feita em assembleia geral com participantes privados.

Em relação aos fundos, a PV gere nesta altura 19 fundos. Cada fundo tem uma política de investimento diferente, porque cada fundo foi criado para mitigar uma falha de mercado diferente. O facto de gerirmos tantos fundos implica que tenhamos de passar para o mercado várias mensagens: às vezes, dizemos que investimos em produtos mínimos viáveis, noutras vezes em produtos A, B ou C. Existem várias derivadas em função da liquidez de cada um dos fundos. Não há nenhuma entidade no mercado que opere esta quantidade e diversidade de fundos e de política de investimentos.

Temos fundos com diversas fontes, maioritariamente públicos. Quer isto dizer que os participantes dos fundos são maioritariamente públicos e coincidem na maioria com os nossos acionistas e temos fundos maioritariamente privados. Temos também fundos com empresas, como a Critical  Software — a própria PV faz um match com o fundo e coloca os seus recursos. Porque a PV tem dois papéis: é gestora de fundos e participa ativamente nos fundos. E quais são? De onde vem esta capacidade financeira da PV? Como qualquer operador de capital, recebemos zero do Orçamento de Estado e, como qualquer operador de capital de risco, somos remunerados pela gestão que fazemos dos fundos. As nossas receitas são exclusivamente suportadas com as receitas decorrentes da gestão dos fundos que fazemos. E também estamos empenhados em captar recursos do Brasil, EUA, Israel, que têm duas alternativas: ou investem diretamente nas startups ou colocam esse montante num fundo gerido pela PV e investem via fundos.

Por exemplo, quando há uma call de Turismo e investem em startups desta área, o dinheiro sai do fundo do Turismo de Portugal, certo?
Sim. Todo o investimento é veiculado via fundos.

"O facto de sermos uma entidade pública impõe-nos uma exposição ao risco substancialmente superior a qualquer operador privado. Temos de estar nos negócios com uma exposição de risco superior às dos operadores privados, porque temos esta missão: suprir falhas de mercado"

Mas o Turismo de Portugal é do Estado. De onde vem o dinheiro que alimenta esse fundo?
Isso já é entrar no negócio dos nossos participantes e não queria. Na prática, isto funciona assim: o Turismo de Portugal tem na sua cotação orçamental X para investimento em fundos de capital de risco, escolhe os parceiros que considera serem mais relevantes — a PV é um deles –, cria o fundo e disponibiliza à PV um determinado montante. Em relação aos fundos de Turismo, por exemplo, temos dois ativos, com liquidez. O Turismo juntamente com a PV e a banca, constituiu um fundo. Agora, de onde vem a receita do Turismo de Portugal para investir, aí tem de perguntar ao Turismo. O que lhe posso dizer é que a PV também investe nos fundos que gere. Da parte da PV, esse dinheiro vem das receitas que gerimos às custas desses fundos.

Por receitas, entendemos que é o retorno dos investimentos?
É duplo. Há uma receita associada à manutenção anual do fundo e, portanto, tem a ver com as taxas de rentabilidade que o fundo tem, e por outro lado, aquando do exit, são distribuídas mais-valias a todos os participantes dos fundos. Se a PV também for uma participante também receberá as suas mais-valias. Se não for participante e for apenas entidade gestora, não receberá as mais-valias.

Pelo que vi no relatório e contas do ano passado, as taxas de rentabilidade dos fundos eram negativas à exceção de dois fundos.
As taxas de rentabilidade não têm sido tão positivas como quereríamos.

Isso quer dizer que a maior parte das receitas terá de vir das saídas de sucesso que façam das empresas em que investiram?
As taxas de rentabilidade já incluem os exits. É como qualquer investimento: quando contratualiza um instrumento financeiro com a banca, temos uma exposição maior ou menor ao risco. Quando a exposição é grande pode dar-se o caso de, inclusive, perder o capital que investiu. O capital de risco funciona assim: não há garantias de devolução do capital para quem investe. Nós fazemos tudo o que é naturalmente possível para que a taxa de rentabilidade seja positiva, para que o investidor, seja público ou privado, possa receber aquando da liquidação do fundo, mais-valias e que possa ter um encaixe positivo. As taxas de rentabilidade dos fundos da PV não são aquelas que queríamos, mas também há aqui duas equações que são muito difíceis de gerir: em primeiro lugar, nós temos como obrigação garantir que os participantes dos nossos fundos tenham taxas de rentabilidade interessantes, mas, por outro lado, o facto de sermos uma entidade pública impõe-nos uma exposição ao risco substancialmente superior a qualquer operador privado. Temos de estar nos negócios com uma exposição de risco superior às dos operadores privados, porque temos esta missão: suprir falhas de mercado. E aí a PV tem de assumir esse papel. É natural que, com isto, as taxas não sejam tão interessantes como noutros negócios. Agora, é esta missão que tem de ser feita. São situações difíceis de gerir.

"A meta é o desinvestimento. Pese embora o mercado entender que a atividade de uma capital de risco mede-se pelo investimento, mas em boa verdade, não é bem assim"

Pegando neste exemplo do fundo do Turismo, se a entidade recebe dotação orçamental para investir, então, a PV acaba por receber uma fatia do Orçamento do Estado de forma indireta?
Para lhe responder, precisava de ter feito um trabalho de casa que não fiz. Não consigo perceber qual é a origem — até porque não conheço com o detalhe que se impõe, porque não sou gestora dessas casas — qual é a fonte de receita que permite que o Turismo de Portugal ou as outras entidades possam investir nos fundos que gerimos. Aí, teria de ser conduzida uma entrevista com os gestores destas entidades. O que podemos dizer é que, na nossa estrutura acionista, temos estes participantes, estes acionistas têm vindo a investir nos fundos que gerimos, têm mostrado essa disponibilidade, alinhamos com eles as políticas de investimento e constituímos os fundos com os recursos que cada um tem.

Esta vontade de fazer o balanço entre investimento e desinvestimento também é porque estão preocupados com a saúde das receitas e fundos?
É mais do que isso, nós somos uma entidade regulada pela CMVM, o que quer dizer que as regras são claras para todos. Uma sociedade de capital de risco quando investe numa participada, investe através de um fundo, fundo esse que tem uma data de constituição e de maturidade — aquando da data de maturidade, o fundo não deve ter unidades de participação, ou seja, não deve ter participações em empresas. Temos de proceder ao desinvestimento de modo que, na data de liquidação, o fundo possa ser liquidado e haja distribuição das mais-valias pelos vários participantes dos fundos. Para que, à data de maturidade do fundo, que tipicamente ronda os 10 anos, possamos proceder ao encerramento das contas do mesmo, temos de ter desinvestido em todas as participadas que foram investidas por esse fundo. E, portanto, esta preocupação com o desinvestimento tem a ver com a nossa preocupação em acompanhar bem a participada e a participada já sabe que nós estamos ali para dar um gás bom no início, mas não somos um investidor de médio, longo prazo. Temos de preparar a nossa saída. Temos de trabalhar com cada participada para encontrar uma estratégia de exit.

Segundo ponto: também é altura, porque o mercado hoje olha para o nosso portefólio e para as startups em Portugal com mais interesse e, portanto, a probabilidade de encontrarmos um bom investidor também é maior. Por outro lado, também é altura porque os nossos fundos têm maturidade e temos de caminhar para uma estratégia de exit. Agora, não podemos fazer isto a correr: há aqui um conjunto de circunstâncias que não têm a ver só com aquela que referiu  que nos impõem que olhemos para o desinvestimento. Gostava de lhe dar aqui um parêntesis: mesmo que nós não tivéssemos fundos em maturidade, o investidor de capital de risco está sempre a pensar em estratégias de exit. A meta é o desinvestimento. Pese embora o mercado entender que a atividade de uma capital de risco mede-se pelo investimento, mas em boa verdade não é bem assim.

Rita Marques substituiu Celso Guedes de Carvalho na liderança da Portugal Ventures em abril de 2018 (João Porfírio/OBSERVADOR)

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“Num mercado perfeito, não existiriam operadores públicos de capital de risco”

Porque é que o Estado tem a PV? Porque é que precisa de um operador de capital de risco público?
Quando a PV foi criada, em 2012, o ecossistema era imaturo e as startups não tinham, de todo, acesso a capital de risco. E a PV surge num contexto em que, não existindo operadores, tinha de haver um instrumento — e aí acredito que o Estado desempenhou o seu papel — porque criou um instrumento que não existia no mercado — capaz de dar este gás às startups. Nesta altura, continua a fazer sentido ter uma capital de risco pública porque continuam a existir falhas de mercado. Gostaria de dizer que daqui a uns anos não haveria necessidade, havemos de chegar lá. A missão da PV é tão só suprir falhas de mercado. Num mercado perfeito, não existiriam operadores públicos de capital de risco. Tão simples quanto isto.

Como se sabe qual é o ponto exato em que o Estado deixa de ter essa função?
Nenhum especialista sabe responder a essa pergunta, nunca nenhum Estado chegou lá. Agora, se virmos que, de facto, as empresas são cada vez mais financiadas com VC internacionais, que não há falhas, há um conjunto de circunstâncias que podem concluir que já não precisamos. Todos os estudos académicos apontam que um operador de capital de risco público tem vantagens e é um instrumento interessante para assegurar a maturidade do ecossistema. Há poucos estudos que indicam ainda qual é o ponto certo de retirar o operador de risco público. Honestamente, estou mais preocupada em garantir, enquanto cá estamos, que temos o valor acrescentado que se impõe, mas estamos sempre atentos às novas tendências. Neste momento, o Estado além de ter uma PV tem outros instrumentos complementares. Havemos de encontrar o momento em que orgulhosamente a PV se retira.

Há aqui uma imagem da PV que se foi alterando com o tempo.
Ainda bem que se alterou.

Li que há uma “incerteza do ecossistema quanto ao posicionamento da PV”. Porque é que isto aconteceu?
Sabe que parar é morrer. Mal seria se a política de investimento da PV não evoluísse. Fruto dos novos fundos que fomos criando, das novas políticas, das falhas de mercado que não são as mesmas, a política de investimentos tem de mudar. Somos todos teimosos, mas também somos todos suficientemente inteligentes para perceber que a teimosia em determinadas circunstâncias tem de ter limites. A política de investimentos da PV teve de mudar e ainda bem.

"Acho que a forma como fomos comunicando e a forma como os empreendedores entenderam essa mudança pode não ter sido a desejável. E aí nossa culpa, de todos. Nós desligámo-nos do mercado, houve muita concorrência"

Acha que isso afastou alguns empreendedores?
Acho que a forma como fomos comunicando e a forma como os empreendedores entenderam essa mudança pode não ter sido a desejável. E aí nossa culpa, de todos. Nós desligámo-nos do mercado, houve muita concorrência, etc. Agora, a evolução da política faz parte de qualquer entidade. A questão tem a ver com o melhoramento das políticas e nós fizemos esse diagnóstico. Quando entramos, fazemos esse diagnóstico: fizemos uma análise interna que confrontámos com os nossos parceiros, que estão no terreno. E chegámos a várias conclusões. Uma delas foi, por exemplo, a de lançar a call para MVP. Não encontrámos ninguém que discordasse desta necessidade: a falha estava nos produtos mínimos viáveis. Então, aí a PV tem de assumir o seu papel público.

Uma das coisas que os empreendedores procuram, além de dinheiro, é mentores, pessoas com quem possam conversar. Acha que desempenharam bem esse papel? Ou o afastamento pode estar relacionado com algum desacompanhamento da vossa parte?
Não creio. Fizemos com certeza o melhor que soubemos. É muito difícil alinhar as expectativas de todos. O empreendedor acredita no seu projeto ao máximo, é como um filho, e nós não conseguimos ter recursos disponíveis para uma única participada, temos 105. E isto acontece em qualquer operador. A questão dos mentores é manifestamente importante, porque o investimento é uma das componentes de valor acrescentado que a PV pode introduzir. Temos várias necessidades dos empreendedores: por exemplo, abrir novos mercados, aí a PV o que tem feito é trazer especialistas para os conselhos de administração dessas empresas e ter uma relação muito ágil com a AICEP. Se isto é uma solução que serve a todos? Se calhar, não, mas a algumas participadas sim. Se fosse um fundador de uma empresa de blockchain, por exemplo, gostaria de ser investido por um VC especializado em blockchain ou numa VC generalista como a PV? Tem várias vantagens e desvantagens. Tem de ser analisado casuisticamente pelo empreendedor e ele terá de bater à porta de quem julga que lhe trará mais valor acrescentado.

Chic by Choice: “As empreendedoras perderam muito, mas nós também. Estamos todos a fazer o nosso luto”

Vou dar um exemplo concreto. Depois de sair o artigo sobre a Chic by Choice, as empreendedoras e a PV reagiram. A PV reagiu dizendo que o negócio não era sustentável e que queria vender a empresa, as empreendedoras emitiram um direito de resposta afirmando que tinham mudado o modelo de negócio. Mas uma coisa não é igual à outra. Houve aqui um desajuste na comunicação feita pelo investidor e pela participada.
Não vou comentar o caso em concreto. Mas se estiver aqui com a Ana a vermos uma apresentação e se sairmos as duas e perguntarmos o que é que cada uma reteve, vamos ter respostas diferentes. Faz parte da natureza humana ter entendimentos diferentes sobre os assuntos. O problema é quando são incompatíveis e não acho que as duas respostas tenham sido incompatíveis. E estou a dar a minha opinião tendo em conta uma perspetiva técnica e não enquanto CEO da Portugal Ventures. A PV optou pelo registo mais institucional, porque é o que lhe compete, não beliscou questões de confidencialidade, que são sempre muito importantes de acautelar para garantir o respeito e a relação saudável com as promotoras. E as promotoras desempenharam o seu papel de fundadoras, que acabaram de ter um filho quase nos cuidados paliativos. Ou seja, a dor de uns e de outros é diferente e é normal que sejam verbalizadas de maneira diferente. Numa perspetiva técnica, acho que as respostas não são de todo incompatíveis. De todo. Incompatíveis seriam ter desfechos diferentes. Como CEO da Portugal Ventures, não queria comentar o caso em particular, porque não estive envolvida.

Chic by Choice, o negócio fantasma das portuguesas que foram distinguidas pela Forbes

Mas posso-lhe dar a situação atual: é uma participada como muitas outras que tivemos em carteira, que tem passado por dificuldades. Quando foi investida, tinha um conjunto de pressupostos que infelizmente para todos não se concretizaram. Acho que não há dor maior para um empreendedor ou empreendedora do que ver a sua empresa e os seus planos, nos quais perderam muito sangue, suor e lágrimas, a não resultar, a não vingar. Mas o capital de risco é mesmo assim. Só há três fins possíveis: um exit, quando conseguirmos vender a participada a um múltiplo interessante, a insolvência ou a liquidação, fechar a empresa liquidando-a. Gostava muito de lhe dizer que a probabilidade da primeira é 99%, mas aí não seria capital de risco. No caso da Chic by Choice, como noutros que temos em carteira e nas carteiras de outros operadores, é um caso em que a estratégia e o esforço que foi depositado não vingou. E teve de se tomar a decisão, que é sempre difícil, de escolher um caminho. Ainda não chegámos à meta e ainda não existe um desfecho formal, mas estamos a caminhar para a meta.

As respostas continuam a parecer-me diferentes, porque uma alteração de modelo de negócio implica uma estratégia para esse novo modelo, o que é diferente de entrar num processo de liquidação. Se isto não é um caso isolado, como referiu, porque é que se tenta encobrir um desfecho destes?
Acho que não foi isso que aconteceu. Honestamente, só se comunica aquilo que já se concretizou. Não há ainda desfecho formal para o caso Chic by Choice. Seria imprudente da parte de um acionista institucional ou da parte dos promotores dizer que vai ocorrer aquilo, quando há contratos em vigor, quando ainda não ocorreu. Formalmente, ainda não há desfecho, aquele NIF ainda existe. Ainda estamos a trabalhar arduamente para encontrar o desfecho formal. Como investidor, isto faz parte das boas práticas do capital de risco. Estamos obrigados a um conjunto de questões que são sensíveis, que beneficiam um negócio. E esta minha opinião é sempre enquanto técnica.

Portugal Ventures diz que Chic by Choice não é sustentável e que está a tentar vender a empresa

Quando saiu a notícia, provavelmente — e digo provavelmente porque de facto não sei o que estava a acontecer na altura — estavam a decorrer negociações com outros investidores e entidades que estavam interessadas em adquirir os ativos da Chic by Choice, ou estavam a ser equacionadas outro tipo de soluções, não sei. Honestamente, não sei. E, portanto, é mais do que natural que nem as promotoras nem a PV, nem os outros acionistas quisessem partilhar detalhes que pudessem prejudicar o que estava em curso. Acho que se está a fazer quase uma tempestade num copo de água quando isto é mais do que natural. E o que nós estamos a fazer em Portugal acontece em todos os cantos do mundo.

A estratégia da PV e a estratégia das fundadoras, na minha opinião, foi a correta, tendo em conta o que estava em cima da mesa e tendo em conta o grau de incerteza que ainda agora… Não é fácil proceder à liquidação ou à insolvência de uma empresa, há aqui uma série de trâmites, há clientes, há bases de dados, há ativos e, portanto, há aqui um trabalho que tem de ser feito antes de atirar a toalha ao chão. E, muito honestamente, a sensação que me fica enquanto leitora é que quem atirou a toalha ao chão não foi a promotora nem a PV, mas foi o grande público, quando, de uma forma quase imatura, diz que há um desfecho trágico com uma participada, quando é uma coisa que é pão com manteiga, acontece todos os dias. Acho que houve aqui algum sensacionalismo associado pelo facto de, quiçá, as promotoras terem sido identificadas no âmbito da Forbes. E estou sempre a dizer: ainda bem que foram e amanhã era muito bom que continuassem a ser. Porque os empreendedores não se medem pelos sucessos, medem-se também pelos insucessos. A mim não me choca nada. Houve quem dissesse que era uma incoerência terem sido destacadas pela Forbes quando têm uma empresa numa situação complicada. Eu, como técnica, não acho de todo incoerente.

Direito de resposta da Chic by Choice. “O negócio fantasma que foi distinguido pela Forbes”

Não acha que as pessoas têm o direito de saber?
Não, as únicas pessoas que tinham o direito de saber eram os clientes, os fornecedores e os acionistas.

Mas a PV não é um investidor privado. Quando a comunicação social, que tem um dever de serviço público, bate à porta de um investidor que é público, esse investidor não deve comunicar estes casos de forma diferente [da dos privados]?
Acho que honestamente não há solução para esta questão, a não ser a razoabilidade. Entendo que um operador público poderia ter responsabilidades acrescidas ou dar a conhecer ao ecossistema a situação mais frágil ou menos frágil das suas participadas, entendo. Mas também entendo que um operador, seja público ou privado, tem questões de natureza contratual que o impedem de dar essa informação. Acho que comunicação social fez o seu trabalho, mas que a PV também fez o seu.  Nós também temos muitas estrelinhas douradas e não falamos delas. A DefinedCrowd fez recentemente uma nova ronda e limitamo-nos a passar um comunicado, dando conta de que houve uma participada que está a evoluir favoravelmente. Há um facto, nós comunicamos um facto. Um investidor comunica factos após terem ocorrido. Estar no caso Chic by Choice ou noutro, menos positivo, a criar fumaça à volta de um caso em que as empreendedoras ainda estão a lutar e nós como acionistas também estamos… Pergunto-me: se não tivesse acontecido aquela fumaça e fogo de artifício à volta da Chic By Choice, se todos nós, à porta fechada, tivéssemos conseguido encontrar uma solução… É que acho que na altura — e esta sensação é a que tenho como técnica, porque não estive envolvida — se calhar não tínhamos atirado completamente a toalha ao chão. Digo eu. Ainda podíamos ter tido um raio de energia.

O artigo saiu em fevereiro de 2018 e no ano passado já havia uma ação judicial em tribunal para cobrança de dívidas, por exemplo.
Como temos “n”. Temos aí uma empresa que está com uma ação judicial também com um fornecedor, com um cliente. Faz parte do negócio. Isso acontecer não invalida que a ideia e o projeto estejam a maturar. Entendo o que me diz, mas também entendo a posição assumida pela PV, que privilegiou uma postura mais institucional que não é incoerente face à das promotoras. Mal seria. Parece que passamos de anjo a diabo. Nós apoiamos o projeto, nós investimos no projeto. As empreendedoras perderam muito, mas nós perdemos também muito. Estamos todos a fazer o nosso luto. Não é por sermos uns públicos, outros privados, uns empreendedores que sofremos menos. Acho que há aqui alguma fumaça num assunto que faz parte do negócio. A PV, como qualquer operador público ou privado, não vai deixar criar ruído à volta das participadas, sob pena de estarmos a atirar a toalha ao chão, antes de tal ser oportuno.

Chic by Choice em tribunal. Credores reclamam mais de 72 mil euros em dívidas

É uma faca de dois gumes: fecham-se para proteger o negócio, mas, se calhar, o fogo de artifício que mencionou acontece precisamente por ninguém ter falado.
Mas para falarmos teríamos de falar não de uma, mas de cento e tal.

E porque não falar?
Porque, ao falarmos, temos consciência de que estamos a prejudicar o negócio. Quem tem de falar é o promotor, o promotor deve ser sempre a cara do negócio. Os investidores estão sempre atrás, a reunir em conselho de administração, e a discutir a estratégia com os promotores. Nós temos orgulho nos promotores que temos. Quem tem de falar, em primeira mão, há-de ser o promotor. Sempre. Nós não somos o CEO da empresa, somos um acionista. Estamos a usar o exemplo da Chic by Choice para perceber a política de comunicação da PV, mas se me fizer uma pergunta sobre a DefinedCrowd, a única coisa que posso partilhar consigo são factos. Porque aquilo que se passa no conselho de administração dessas empresas, é discutido lá. A não ser que o CEO decida, de acordo com a política de comunicação que tem em vigor, gerir o assunto de forma diferente. Nós nunca falaríamos pela nossa participada.

"Se virmos numa perspetiva tradicionalista, qualquer alteração de gestão pode ter consequências a esse nível, de instabilidade. Numa perspetiva mais disruptiva e ambiciosa, só posso entender que a alteração das equipas de gestão traz sangue novo, sangue na guelra"

“Para dançar o tango, são precisos dois: o investidor e o empreendedor. E têm de estar os dois bem equilibrados”

A quem é que a PV reporta?
Informalmente, reportamos ao mercado. Porque, se alguma coisa não correr bem, o mercado puxa-nos as orelhas. Formalmente, à semelhança do IAPMEI, PME Investimentos e Sociedade de Garantia Mútua, reportamos à tutela do Ministério da Economia, Secretaria de Estado da Indústria.

A presidência da PV tem vindo a mudar com os ciclos políticos.
Não, nós somos gestores públicos, mas tendo em conta que temos uma assembleia geral, estou aqui porque o meu nome, à semelhança do dos meus colegas, foi proposto pelos acionistas públicos e privados da sociedade. Não é um despacho ministerial como acontece noutras circunstâncias. Somos nomeados como acontece no privado, por força da assembleia geral.

Nos últimos quatro anos, a PV teve três CEO. Acho que esta instabilidade na liderança pode ser prejudicial?
Sim e não. Se virmos numa perspetiva tradicionalista, qualquer alteração de gestão pode ter consequências a esse nível, de instabilidade. Numa perspetiva mais disruptiva e ambiciosa, só posso entender que a alteração das equipas de gestão traz sangue novo, sangue na guelra. Quando assumimos funções, tivemos uma preocupação de reunir, além da equipa toda, que é o ADN da casa, reunimos com os nossos acionistas, participantes dos fundos e com as administrações interiores. Com todos os presidentes, para justamente perceber a história: entender o passado para fazer o futuro. E nós temos essa preocupação. Nas grandes empresas, assistimos sempre a mudanças, se calhar não à velocidade com que temos assistido aqui na PV. Desde 2012, é o quarto conselho de administração, mas noutras empresas há velocidades ainda maiores. Depende um bocadinho da vontade dos acionistas e aqui é a vontade dos acionistas que impera, não está restrito a ciclos políticos.

"Acho que a questão não se prende só com a falta de liquidez. A PV não tem os recursos que gostaria, mas ainda assim temos, não estamos todos paupérrimos. A liquidez existe"

Por que é que este conselho de administração é uma mais-valia para a PV?
Gostava que me colocasse essa questão no final do mandato, porque, como diz o outro, “prognósticos só no final do jogo”. Acho que temos três coisas importantes: por um lado, bom senso, sabemos as nossas limitações — não temos o capital que queríamos, temos um portefólio complexo, uma relação com o ecossistema que não é ideal, uma perceção do mercado sobre a PV que também não é ideal — mas penso que temos o bom senso para encontrar soluções que sejam exequíveis, que não sejam só fogo de artifício. Depois, não menos importante, temos a ambição, visão para encontrar um caminho. Já estivemos do outro lado, a acompanhar empreendedores. E depois acho que temos a capacidade técnica. Falta-nos um pilar super importante, a equipa. Não há operador nenhum em Portugal que tenha a equipa que nós temos: pessoas altamente capacitadas. Temos de saber dar-lhes energia para puderem utilizar a sua capacidade e o público tem aqui uma desvantagem: não conseguimos dar os estímulos aos nosso colaboradores que gostaríamos de dar. Também temos de criar com engenho e alguma criatividade os estímulos para dar à equipa. Diria que com bom senso, ambição/visão e capacidade técnica e energia, acho que chegamos lá. The only way is up.

Um dos desafios que mencionou logo no início da nossa conversa tem a ver com a falta de liquidez. Acha que é generalizada? O mercado arrefeceu?
Não, não acho. Acho que a questão não se prende só com a falta de liquidez. A PV não tem os recursos que gostaria, mas ainda assim temos, não estamos todos paupérrimos. A liquidez existe. O que temos de fazer é: por um lado, o ser humano é naturalmente avesso ao risco, temos de contrariar essa aversão ao risco. Por outro lado, também temos de ter alguém que dance connosco. O empreendedor já não é o empreendedor de 2012, temos de ter um empreendedor diferente. O projeto é diferente e sobretudo o empreendedor tem de ser diferente. A liquidez que temos nesta altura, apesar de não ser a ideal, é suficiente para não deixar esmorecer o mercado. Não é por falta de liquidez que o trabalho não se fará. Para fazer esse trabalho, temos todos de contrariar essa aversão ao risco e temos de ter, do outro lado, um empreendedor que tem uma mentalidade muito evoluída face àquela mentalidade que teria em 2012. Tem de haver aqui um compromisso por parte do empreendedor, que é exigido por todos, investidores e sobretudo pelo mercado, que é muito mais forte e muito mais exigente que era há uns anos atrás. Hoje, é impensável um empreendedor ficar em Portugal a vender a partir de Lisboa, tem de se fazer ao mundo. Para dançar o tango, são precisos dois: o investidor e o empreendedor. E têm de estar os dois bem equilibrados.

É uma das prioridades para o seu mandato?
São várias, há uma que tem a ver com o desinvestimento e aí o empreendedor também tem de saber dançar o tango.

"Se vendermos bem, temos um múltiplo interessante, mais valias, mas se entregarmos o ouro ao bandido, ou seja, se vendermos a uma empresa que tenha como missão cortar as pernas à participada, aí deixamos o promotor na mão e não queremos isso"

“Assiste sempre ao investidor bater em retirada e dizer que não tem condições” de continuar a investir

Quando falamos de desinvestimento, nem sempre falamos de saídas com sucesso, pois não?
Não, também há encaixes de menos valias.

Dos desinvestimentos feitos pela PV, no ano passado, quantos foram de sucesso?
Não lhe sei dizer e há questões de confidencialidade. Partilhamos essa informação com os participantes dos fundos, se passarmos para o exterior tem de ser de uma forma consolidada, quiçá, acumulada ao longo dos vários anos, para garantir que não prejudicamos a confidencialidade dos participantes dos fundos. Se déssemos essa informação ao mercado estaríamos a prejudicar os pressupostos que assumimos na celebração do contrato com o participante do fundo.

Quando ocorre o desinvestimento, se conseguirmos vender a participação com um múltiplo interessante de dois ou três ou dez ou 20, como aconteceu por exemplo com a OutSystems, há vários desfechos. Quando vendemos a participação, podemos vender através de um manage by out (ao fundador), ou a outro VC mais internacional, por exemplo, a uma empresa. Podemos vender todos ou só a PV, também se pode dar um IPO [dispersão do capital em bolsa]. O objetivo final é duplo: rentabilidade e deixar uma pegada que permita à participada continuar a crescer. Porque se vendermos bem temos um múltiplo interessante, mais valias, mas se entregarmos o ouro ao bandido, ou seja, se vendermos a uma empresa que tenha como missão cortar as pernas à participada, aí deixamos o promotor na mão e não queremos isso. Encontrar estas alternativas não é fácil, tem de ser uma conversa conjunta.

Estou a lembrar-me de dois casos, o da Kinematix, no qual a PV perdeu estes 8 milhões de euros, e o da Bioalvo, mais antigo, na qual a PV quis sair e vender a sua participação.
A decisão nunca é tomada unilateralmente, há sinergias com todos. Nenhum operador de capital de risco está num negócio de toque e foge. Temos de encontrar uma solução que nos deixe a todos confortáveis. Na Kinematix, conheço o promotor e conheço bem o caso, da Bioalvo não estou tão certa. A Kinematix foi mais um caso no qual a empresa não conseguiu ter a tração que queria, que todos queríamos, porque estamos todos do mesmo lado, e, por fruto de várias complicações, acabamos por não conseguir continuar a investir na empresa para dar um novo fôlego.

Oito milhões de euros depois, esta startup portuguesa despediu 27 pessoas e fechou

Agora, vou falar de uma forma geral. Quando é gizada uma estratégia e o investidor vem bater-nos à porta e investimos nessa estratégia, pode correr tudo bem ou tudo mal. Se correr tudo mal, assiste o direito ao investidor de continuar a investir na empresa, sendo certo que vai haver uma inflexão de estratégia, porque provavelmente a estratégia principal não resultou. E o investidor pode fazer duas coisas: retira-se porque não tem confiança na nova estratégia e prefere encaixar as menos valias ou então dá um segundo balão de oxigénio e aposta. E apostamos quase numa Fénix renascida. Mal seria se o investidor neste ponto de inflexão não se pudesse dar ao direito de dizer “não”, já não quero investir mais dois, três ou quatro. Mal seria, sejamos públicos ou privados. Aí, mais uma vez, respondo como técnica: assiste sempre ao investidor bater em retirada e dizer que não tem condições. E aí falamos todos: o que é que é mais interessante para esta participada? E vamos todos juntos tentar e isto é feito em estrita colaboração com a equipa de gestão.

Tenho tido o privilégio de encontrar no nosso portefólio empreendedores extraordinários, mas ainda há pessoas magoadas que entendem que o investidor podia ter feito assim ou assado, mas isto é como um casamento. Quem tem razão no divórcio? Provavelmente, têm os dois, se é 60/40 ou 70/30 ou 50/50, não sei. Sou pela teoria dos grandes números, já que sou engenheira, tenho essa tendência, acho que é 50/50. O que lhe posso dizer é que nos nossos empreendedores, quando temos necessidades de diversão de estratégia e a PV diz que não tem condições de investir, se houver uma conversa na qual a PV diz que não é por aí e do outro lado estiver um empreendedor que é teimoso, garanto-lhe que o empreendedor vai apontar o dedo ao investidor porque passamos de bestiais, porque o apoiamos no primeiro momento, para outro b.

"A humanização dos negócios é importante e a humanização dos negócios é sentarmo-nos, falarmos, percebermos as limitações de um lado e do outro, agora isto leva tempo, dá trabalho, é mais fácil passar um comunicado"

Isto acaba por ser tudo muito emocional, não é?
Muitíssimo emocional. Por isso lhe dizia que, no caso da Chic by Choice, não me importo de falar no caso de um ponto de vista meramente técnico, o facto de ter havido todo aquele fogo de artifício foi porque, de facto, estávamos perante empreendedorismo feminino, uma área interessantíssima, porque estávamos a falar de um projeto muito disruptivo e sexy, a questão da Forbes, mas também temos de pensar que, no mundo dos negócios, temos de ter alguma discrição e bom senso. Aqui na PV, temos tido algumas discussões difíceis, mas temos outras bem construtivas, inteligentes, nas quais estamos todos a contribuir para a mesma solução. E no fim, nós, PV, não passamos de bestiais para bestas. Queremos os dois o melhor para a empresa? Como é que chegamos ao melhor? Aí é que podemos divergir.

Os conselhos de administração são sempre muito acesos, mas isto acontece mais uma vez nas startups, no mundo empresarial, em toda a cadeia de valor. A humanização dos negócios é importante e a humanização dos negócios é sentarmo-nos, falarmos, percebermos as limitações de um lado e do outro, agora isto leva tempo, dá trabalho, é mais fácil passar um comunicado. Gostava muito e lançava aqui o desafio de irem buscar os casos de participadas que têm sido investidas pela PV e se o empreendedor estiver disposto a dar informação que vá além dos factos, por favor, explorem. Para tentarmos todos ter um discurso mais positivo. Acho que é com positivismo que se fazem as coisas. A PV teve um impacto muito marcante no ecossistema, tentamos fazer o melhor que sabíamos e acho que fizemos. Mas o melhor que sabíamos nem sempre é equivalente a dizer “fizemos o melhor”. Estou certa que o ecossistema seria muito mais pobre se não tivesse uma PV, não tenho dúvidas absolutamente nenhumas.

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