Passavam 15 minutos das 10 horas da manhã quando os conselheiros de Estado do Presidente da República se reuniram. “Reunir” é uma expressão forçada pelas circunstâncias e permitida pela tecnologia, já que nenhum dos conselheiros se encontrava na mesma sala. As imagens inéditas divulgadas pela Presidência da República mostram como se faz um Conselho de Estado em isolamento, por causa da pandemia de Covid-19.
E esse é precisamente o tema desta reunião. Já não é segredo que o Presidente da República vai decretar esta noite o estado de emergência, uma medida excecional que confere mais poderes ao Governo e que implica a restrição de alguns direitos dos cidadãos. O debate publico que se gerou à volta da questão mostra como esta não é uma decisão consensual. E foi precisamente por isso que o Presidente da República quis convocar o Conselho de Estado, embora não esteja obrigado a isso quando está em causa a declaração do estado de emergência.
Marcelo quis o respaldo político de um orgão de consulta onde estão representadas não só as mais importantes figuras do Estado, como também um conjunto importante de “senadores” da democracia (alguns, como Ramalho Eanes, que teve um papel crucial em novembro de 1975 quando parte do país esteve sob estado de sítio). Para além disso, o Conselho de Estado junta ainda várias sensibilidades ideológicas (da direita à esquerda) e até sociais (para além dos titulares de cargos públicos, há advogados, investigadores, professores, empresários, ensaístas e até, como é o caso de Domingos Abrantes, escolhido pelo PCP, operários). Deste grupo não estiveram apenas Eduardo Lourenço e o Presidente do Tribunal Constitucional, ambos por razões pessoais.
O decreto começou já a ser trabalhado antecipadamente, apurou o Observador, e quando começou a reunião já havia um primeiro rascunho em cima da mesa. Esse documento acolherá ainda os contributos dos conselheiros e só no final dessa reunião chegará à versão final. O Governo (que também está representado no Conselho de Estado pelo primeiro-ministro) receberá formalmente uma versão, até porque tem de ser obrigatoriamente consultado. Já se sabe que não se irá opôr. E depois é a vez da Assembleia da República se pronunciar, o que acontece esta tarde, com plenário já marcado para as 16h para aprovar essas e outras iniciativas relacionadas com o combate à pandemia. Aqui também não haverá obstáculos.
Partidos disponíveis para aprovar estado de emergência no Parlamento para travar Covid-19
Tal como o Observador já deu conta, desde a noite de ontem que circula em grupos de WhatsApp e nas redes sociais um documento falso que está a ser apresentado como o decreto presidencial que decreta o estado de emergência. A Presidência da República já o desmentiu, tal como pode ler neste fact check.
Decreto do PR que declara estado de emergência já circula nas redes. É verdadeiro?
Cumpridas todas estas etapas, Marcelo Rebelo de Sousa fará finalmente uma comunicação ao país onde explica porque entendeu avançar já para o decreto de emergência nacional (quando havia ainda outras possibilidades que permitiam ao Governo muscular as medidas). Ainda assim, o decreto que sairá das mãos de Marcelo, ao que o Observador apurou junto da presidência, será um documento abrangente, que não se pretende limitador, mas que dê espaço ao Governo para agir como entender melhor.