Não foi um debate de grande confronto ou divergência, uma vez que Bloco de Esquerda e PCP têm muitos pontos em comum, sobretudo na crítica à UE. É assim nos “obstáculos” que a moeda única traz às propostas que os partidos gostariam de ver postas em prática, ou nos “caminhos para a paz” que ambos querem que a UE ajude a encontrar para a guerra na Ucrânia.

Ainda assim, há nuances e diferenças na ‘dose’: João Oliveira assume críticas mais duras ao euro, Catarina Martins rejeita uma saída da moeda única; o comunista diz que enviar armas à Ucrânia só prolonga o massacre, a bloquista diz que a Ucrânia tem direito a ser apoiada — embora rejeite uma corrida ao armamento. Neste frente a frente, ainda discutiram o alargamento da UE — com lembretes sobre o aumento no Orçamento europeu que seria necessário para compensar países prejudicados, como Portugal — e concordaram em rejeitar a ideia de uma frente eleitoral de esquerda.

PCP rejeita “oportunismos” sobre o euro, BE teme “isolamento”

As questões sobre uma eventual saída do euro serviram para traçar algumas diferenças entre os dois partidos – com João Oliveira a lançar acusações de “oportunismo” para o ar e Catarina Martins a tentar arranjar um consenso. O ponto comum de entendimento passa por criticar algumas regras da UE, mas a partir daí os partidos assumem posições com nuances diferentes.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ou seja, João Oliveira manteve que Portugal deve “preparar-se” para a eventualidade de sair do euro, um “obstáculo” às políticas que os comunistas defendem, mas deixou claro que sem essa preparação não deve haver saída nenhuma: “Se alguém amanhã propusesse Portugal fora do euro, estávamos contra. Uma saída de Portugal sem estar preparado não nos serve”, referiu.

Já Catarina Martins quis distanciar-se da ideia da saída do euro: apesar de argumentar que é importante ter a noção de que o euro “representa dificuldades” para Portugal, é preciso rejeitar uma ideia de “isolamento” do país. O caminho apontado pelo Bloco é outro: tentar alterar regras dentro da UE, para que medidas que foram tomadas de forma provisória durante a pandemia, como a suspensão das regras da dúvida ou do mercado único, se tornem em definitivo “medidas da UE e da zona euro”.

Ora foi neste ponto que surgiu a discórdia: João Oliveira recusou o “oportunismo de questionar apenas o euro em momentos de crise” – “no tempo da troika foi fácil” – e lembrou que as regras europeias só se tornam mais flexíveis quando todos os países, e não apenas os mais fracos, estão em causa (como na pandemia). Catarina Martins rematou o debate tentando o consenso possível – estarão “juntos na luta pela mudança de regras” – mas manteve: a saída do euro “isola Portugal e isola a esquerda”.

Ouça aqui o debate na íntegra em podcast.

Catarina Martins (BE) – João Oliveira (CDU)

O “cinismo” da UE e a necessidade de aumentar o Orçamento

Os dois candidatos têm reservas sobre o alargamento da UE, mas por motivos diferentes. Para João Oliveira, o problema não será o alargamento em si, mas antes as compensações que devem ser asseguradas que aos países que deverão ser mais prejudicados por essas mudanças – entre eles Portugal. Como o candidato comunista recordou, a decisão traria alargamentos de mercados que são “apetecíveis” para os países mais fortes. E, por isso mesmo, se há países que beneficiam do alargamento e outros que podem “ser prejudicados” (como Portugal), para o PCP é preciso tomar medidas que mitiguem esses prejuízos: é “preciso que o Orçamento da UE seja maior” para que se assegure uma compensação aos mais afetados.

[Já saiu o segundo episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui o primeiro episódio.]

Já a ex-líder bloquista manteve a posição cética em relação à postura da UE que tem tido ao longo dos debates: a Europa, argumentou, não tem sido “honesta” – tem mesmo sido “cínica” – com a Ucrânia e há países, como França, que não estão interessados nesse alargamento por causa da PAC. “Tem havido um discurso cínico que não respeita a Ucrânia”, criticou, mostrando-se depois alinhada com João Oliveira: se com o alargamento não existir um orçamento maior, então “a UE vai ficar apenas com um problema maior”.

Críticas unânimes ao armamento, mas com diferenças no apoio à Ucrânia

Na posição sobre a Ucrânia há uma base comum entre os dois cabeças de lista de crítica à linha armamentista da União Europeia e à ausência de um plano para a paz.

Catarina Martins falou na necessidade de garantir apoios à coesão para os países que já estão na UE, mesmo que esta venha a ser alargada, e disse que esses fundos estão a ser desviados “para financiar a indústria de armamento”, acusando a Alemanha de estar a fornecer armas a Netanyahu que “está a fazer um genocídio em Gaza”.

Os dois surgiram com contabilização sobre esta matéria. Catarina Martins puxou da calculadora para dizer que a UE “gasta, em percentagem do PIB, tanto como os EUA” em defesa. E João Oliveira de outra parecida, mas focada na NATO: ““Os 32 países da NATO gastam mais em armamento do que os 161 países do mundo”. E comum têm a crítica à “linha de militarização da UE”, mas diferem no apoio à Ucrânia.

O comunista diz que se esse apoio se mantiver, isso vai “continuar a sujeitar o povo ucraniano ao massacre”. Já a bloquista diz que “a Ucrânia tem o direito a defender-se e deve ser apoiada”, criticando a invasão russa.

Frente comum à esquerda? A resposta é quase em uníssono: Não

No final do debate a pergunta: pertencendo à mesma família política não deviam os dois candidatos da esquerda alinhar numa mesma frente nestas eleições? Aqui, Catarina Martins e João Oliveira convergem.

O comunista riu-se com a pergunta e disse que “há posicionamentos distintos que enriquecem o debate político e que já se viu noutras circunstâncias situações em que coligações dão menos votos do que forças a concorrerem separadamente”.

E Catarina Martins não respondeu muito diferente, garantindo “convergências conhecidas” com o PCP, mas também “divergências importantes”. “É normal que tenham campos próprios”, disse referindo-se a PCP e BE e concordando em toda a linha com Oliveira quando este disse que uma coligação não significaria mais votos para este campo.