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Uma semana depois de a guerra começar na Ucrânia, o exército russo continua a tentar entrar, sem sucesso, em Kiev. O que não significa que o país não esteja a atravessar uma crise sem precedentes: centenas de civis já morreram em ataques russos, e um milhão de pessoas fugiu do país. O Ocidente continua sem planos de enviar tropas para o terreno, mas as sanções intensificam-se e enviam-se cada vez mais armas — até a Alemanha concordou em fornecer armamento à Ucrânia.

O que sabemos, até agora, sobre uma semana da invasão russa da Ucrânia?

Quantas pessoas morreram?

É difícil ter certezas, e os números diferem muitos, consoante as fontes. A ONU diz que até 1 de março 227 civis morreram e 525 ficaram feridos devido ao conflito armado. Já os serviços de emergência da Ucrânia apontam para 2.000 civis mortos numa semana.

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As baixas militares são ainda mais difíceis de aferir, com os exércitos a avançar números contraditórios. Na quarta-feira, pela primeira vez, o Ministérios a Defesa russo admitiu que 498 dos seus soldados morreram na guerra, e 1.597 ficaram feridos. São números drasticamente diferentes dos avançados pelos ucranianos, que garantem que mais de 9.000 tropas russas foram mortas em combate e centenas foram feitas reféns.

Já do lado ucraniano há registo de 2.870 soldados mortos e 3.700 feridos. São números que não puderam ser verificados de forma independente.

Que cidades foram atacadas ou capturadas?

Até agora só há confirmação da captura de uma cidade ucraniana pelas forças russas: Kherson, no sul do país, perto da península da Crimeia e uma zona estratégica pela proximidade ao Mar Negro e a Odessa. As autoridades ucranianas confirmaram que perderam o controlo desta cidade portuária, com cerca de 290 mil habitantes, tendo passado para as mãos dos russos.

Kherson terá sido a primeira cidade ucraniana a ser tomada pelas forças russas

A cidade de Odessa pode ser a próxima, com o presidente da câmara a alertar que existem navios russos a “chegar a Odessa”, uma cidade portuária e estratégica.

Apesar de só haver uma cidade nas mãos dos russos,  há outras estruturas sob controlo de Moscovo. É o caso da central nuclear de Chernobyl, dominada após acesos combates e onde foram feitos reféns logo no início da invasão. Há também esforços para tomar a central de Zaporizhzhia, a maior da Europa. O avanço das tropas russas está a ser impedido por civis que montaram verdadeiras barricadas em torno da central, com carros, pneus e sacos de areia.

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Outras cidades têm sido alvo de constantes ataques: Kharkiv, Mariupol e Chernihiv, mas as autoridades garantem manter-se ainda sob controlo ucraniano.

Como as tropas russas avançam na Ucrânia

Kharkiv, onde vivem 1,5 milhões de pessoas, foi particularmente atingida, com vários ataques a estruturas civis. Pelo menos quatro complexos residenciais e três comerciais foram bombardeados, bem como edifícios da universidade, a câmara municipal, três escolas e um catedral.  Só nas últimas 24 horas, 34 pessoas morreram, incluindo dez crianças, e 285 ficaram feridas em bombardeamentos, de acordo com os serviços de emergência ucranianos.

A cidade de Zhytomyr, situada a 120 quilómetros a noroeste de Kiev, também foi alvo de vários bombardeamentos, que destruíram várias habitações e uma maternidade.

Sob controlo das forças russas está também o aeroporto de Hostomel, muito próximo de Kiev. Foi por aqui que passou, no dia 27 de fevereiro, uma coluna militar de vários quilómetros em direção a Kiev. No entanto, quatro dias depois continua “a mais de 30 quilómetros do centro” da cidade.

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A capital ucraniana continua a ser cercada, mas até agora, ainda não foi tomada. Além dos avanços por terra, a cidade tem sido também fortemente bombardeada e chegou a ficar sem energia. Um dos ataques mais recentes, na terça-feira, à torre de televisão de Kiev, causou a morte de cinco pessoas. Há relatos de combates em várias localidades nos arredores da cidade, como Obolon,  Bucha e Vyshhorod. Governos de todo o mundo têm repetido apelos aos seus cidadãos para que abandonem imediatamente Kiev enquanto é possível fazê-lo, uma vez que reina a incerteza quanto ao futuro da cidade.

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A presença militar russa é também forte na Crimeia, uma península anexada em 2014, e nas regiões separatistas de Donetsk e Lugansk — é que aqui que têm ocorrido alguns dos confrontos mais sangrentos.

Qual a dimensão da crise humanitária?

O número de pessoas a fugir da guerra não para de aumentar, com o alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados a estimar um milhão de refugiados neste momento. A fuga é feita através dos países que fazem fronteira com o Ucrânia, principalmente a partir da Polónia, Hungria, Roménia e Moldávia — muitos fogem em comboios sobrelotados, onde é cada vez mais difícil conseguir vaga. Os que permanecem no país, principalmente nas cidades mais atacadas, deixaram as suas casas e procuraram refúgio em abrigos subterrâneos ou em estações de metro.

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É uma crise que só se tem agravado: há relatos de bebés que nascem em bunkers e a Organização Mundial de Saúde (OMS) alerta ataques a instalações médicas e para a falta de oxigénio nos hospitais ucranianos. “Está tudo a acontecer muito depressa. Os serviços de saúde estão a ser transferidos para abrigos e caves. Estamos preocupados com o abastecimento de eletricidade, oxigénio e medicamentos”, alertou Jarno Hubicht, da OMS.

E não é só na Ucrânia que este conflito está a gerar violações de direitos humanos: na Rússia foram detidas mais de sete mil pessoas que participaram em protestos contra a guerra.

Que sanções já foram impostas?

Várias rondas de sanções foram já apresentadas e mais podem estar para vir. A sanção mais aguardada, considerada a “opção nuclear”, foi a exclusão da Rússia do sistema de pagamentos global SWIFT, que permite a transferência de dinheiro além fronteiras. A medida fez o rublo colapsar, e durante vários dias a bolsa de Moscovo nem abriu.

Várias nações ocidentais congelaram os bens do banco central russo, limitando o seu acesso a 630 mil milhões em reservas internacionais em dólar.

A União Europeia aplicou sanções a 680 indivíduos e 53 entidades russas, incluindo o congelamento de bens do Presidente Vladimir Putin e do ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergey Lavrov. Fechou também o espaço aéreo a aviões russos, incluindo jatos privados, proibiu a transmissão dos media estatais russos RT e Sputnik, e prometeu enviar 450 milhões de euros em armamento para a Ucrânia, bem como um outro pacote de 50 milhões de euros para compra e envio de material não militar. É a primeira vez que a União Europeia vai enviar armas para um país europeu que está sob ataque.

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A Alemanha, que inicialmente se mostrou reticente em enviar armas para a Ucrânia, já anunciou dois envios diferentes: primeiro foram 1.000 lança-rockets antitanque, 500 mísseis terra-ar Stinger, nove peças de artilharia, 14 veículos blindados e 10.000 toneladas de combustível, e depois mais 2.700 mísseis anti-aéreos. Como resposta à invasão russa, Berlim também mandou suspender o gasoduto Nord Stream 2, que ia transportar gás natural da Rússia para a Alemanha.

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Os Estados Unidos também fecharam o espaço aéreo, e congelaram os ativos do Banco Central Russo que estão nos EUA e também do Fundo Nacional de Riqueza Russo, que é gerido por um aliado próximo de Putin. Mais de uma dezena de empresas estatais russas foram proibidas de procurar financiamento nos Estados Unidos, incluindo a gigante energética Gazprom, e dois dos maiores bancos russos, o Sberbank e o VTB Bank. Washington sancionou também Putin diretamente, bem como o ministro Lavrov e alguns oligarcas próximos do Presidente russo.

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Sanções semelhantes foram anunciadas pelo Reino Unido, Canadá, Austrália, Japão e Taiwan.

Para mitigar o impacto das sanções, Moscovo decretou que passa a ser proibido sair da Rússia com mais de 10 mil dólares em dinheiro vivo em moeda estrangeira.

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No seguimento dos vários pacotes de sanções, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou voto de condenação à Rússia pela invasão da Ucrânia “nos termos mais graves possíveis”. Estados-membros votaram a favor, 35 abstiveram-se — entre eles, a China e Cuba — e cinco votaram contra. Bielorrússia, Coreia do Norte, Eritreia, Rússia e Síria foram os Estados-membros que votaram contra.

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Também o Tribunal Penal Internacional confirmou que foi iniciada uma investigação sobre os alegados crimes de guerra da Rússia durante a invasão à Ucrânia.

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Que impacto está a guerra a ter na economia?

No espaço de uma uma semana os preços do petróleo e gás natural dispararam. A pressão também se faz sentir nas cadeias de abastecimento, já fragilizadas pela pandemia, com o endurecimento das sanções à Rússia.

Moscovo não tem um papel preponderante na economia global, representado 1,7% da produção mundial, mas destaca-se pelas elevadas exportações energéticas. Assim, o preço do barril de petróleo para entrega em maio atingiu esta quinta-feira um novo máximo desde agosto 2013: subiu 3,48% na abertura do mercado de futuros de Londres, para 116,8 dólares. Durante a madrugada o Brent chegou a ultrapassar os 118 dólares.
Também o gás natural atingiu máxmos históricos: o preço de referência europeu disparou na quarta-feira para 194,715 euros por megawatt hora (MWh).

O encerramento do espaço aéreo europeu e americano a aviões russos, e vice-versa, também está a ter impacto económico, com os aviões de carga a terem de fazer enormes desvios e, por isso, a gastar mais combustível, encarecendo os produtos. Este cenário faz também subir o preço do transporte de contentores por mar. O jornal New York Times cita uma consultora de cadeias de abastecimento de Chicago para ilustrar o problema: a empresa FourKites diz esperar que os preços por contentor tripliquem, de 10 mil dólares para 30 mil.

Esperam-se aumentos generalizados na inflação, com a escassez de bens a pressionar os preços de produtos habitualmente exportados tanto pela Rússia como pela Ucrânia, como cereais e diferentes tipos de metal, usados na produção de telemóveis e automóveis.

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Como correm as negociações entre a Rússia e a Ucrânia?

Depois de muitos avanços e recuos, a Rússia e Ucrânia acordaram encontrar-se para negociações de paz, mas o primeiro encontro, que aconteceu na passada segunda-feira, dia 28 de fevereiro, terminou sem que um cessar-fogo fosse alcançado. A segunda ronda de conversações ocorreu esta quinta-feira, em Belovezhskaya Pushcha, na região de Brest, na Bielorrússia, junto à fronteira com a Polónia. Rússia e Ucrânia não concordaram com um cessar-fogo, mas acordaram uma nova ronda de conversações nos próximos dias.

Neste último encontro, ficou acordado um corredor humanitário e um cessar-fogo temporário para retirar civis.

Negociações para cessar-fogo entre Rússia e Ucrânia em suspenso à espera de novo encontro

O Presidente francês, Emmanuel Macron, chegou a dizer que Putin tinha aceitado três condições, incluindo o fim dos ataques a civis na Ucrânia, mas o Kremlin respondeu que só será possível um acordo com uma Ucrânia “neutra”, “desnazificada”, “desmilitarizada” e com o “controlo [russo] da Crimeia formalmente reconhecido”.