São cada vez mais comuns os confrontos a envolver as autoridades chinesas em Hong Kong. Desta vez foi a detenção de Ryan Law, o editor-chefe do Apple Daily, um jornal pró-democracia em Hong Kong. Enquanto ficam mais recorrentes estes confrontos, assistimos a um foco de atenção cada vez maior nestas matérias relacionadas com a China, não só Hong Kong, mas também a questão de Taiwan, dos Uighurs, ou mesmo do Tibete. É preciso, no entanto, compreender que estes fenómenos não são novos e estão a acontecer de forma mais ou menos dissimulada desde a fundação da “República Popular da China” e o pensamento do Partido Comunista da China (PCC).

Os menos atentos em Portugal têm-se preocupado com a possibilidade de acontecer a mesma situação de Hong Kong em Macau, mas esquecem-se, ou desconhecem, que a lei de segurança nacional já existe há mais de uma década em Macau. As leis não são totalmente idênticas, sendo que a de Hong Kong é muito mais musculada, mas o propósito é o mesmo. Esta é uma estratégia política, parte de um plano maior que já existe desde a fundação do país. Ademais, acresce o facto de Macau ter uma importância muito menor que Hong Kong (e diga-se que Portugal e Reino Unido também têm diferentes importâncias e modos de atuação) e também a cultura e demografia nos dois territórios não é igual. Estas são as razões pela fraca atenção dada às mudanças que acontecem na legislação e território macaense, que nos pode transmitir uma situação diferente da realidade.

Não obstante, estas mudanças aconteceram sempre e fazem parte, ironicamente, de uma postura de pensamento político estático da China, em que o objetivo principal em muito ultrapassa as mudanças que acontecem ao longo dos anos, que não passam de meios para atingir algo. O objetivo da China é alcançar a prosperidade para a sua população através do socialismo. Esse objetivo do PCC nunca se altera nem a própria essência do “socialismo com características chinesas”, que é a constante adaptação, mas não a alteração estrutural.

Esta estratégia de pressionar as “pedras no sapato” por parte da China continua a mesma, apenas é intensificada pela sua escala, que foi aumentada, fruto de uma política externa errada por parte do Ocidente, mais especificamente a política dos Estados Unidos da América (EUA) para com os chineses. Estamos a falar da PNTR, a sigla inglesa para “permanent normal trade relations”. Esta era uma abordagem que tinha uma crença que as constantes trocas comerciais, o investimento e também a deslocalização de empresas e unidades industriais para a China iria fazer com que aquele país se tornasse cada vez mais livre, tanto do ponto de vista político e económico como dos direitos humanos. Era uma estratégia conveniente e uma mão lavava a outra, já que a deslocalização de empresas e trabalho para a China permitia às empresas americanas e europeias manterem a competitividade no mercado internacional no que toca os preços. Graças a isto, foi cometido um erro estratégico crasso, que permitiu mais ferramentas ao PCC para continuar a estratégia de uniformização na busca pela sua prosperidade.

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A China cresceu com o comércio e investimento, aumentando o seu poderio económico e militar de uma forma estratosférica, nunca antes vista em tão pouco tempo. O país também criou a maior classe média do mundo, tirando 750 milhões de pessoas da pobreza. Também erradicou a pobreza extrema do país este ano, de acordo com o governo chinês. Do lado do Ocidente, os salários dos trabalhadores estagnaram, empregos foram perdidos e a situação política destabilizou-se com o aumento do tribalismo político e a busca por ideologias extremas.

Assim, aquilo a que assistimos foi o encurtar de distâncias entre dois polos opostos e dois modelos de pensamento completamente diferentes, a individualidade versus a coletividade. Encurtaram distâncias em termos de poder, sendo que o pensamento e estratégia política ficaram exatamente iguais, ao contrário do que o PNTR ambicionava. Como disse anteriormente, o que a China ambiciona é a uniformização, a coletividade, a importância do grupo ao invés do indivíduo, logo é completamente antagónica a corpos estranhos que constituam valores ligados à liberdade, critica e pensamento individuais. E a China ainda tem esses corpos estranhos, como Hong Kong, Taiwan ou os Uighurs em Xinjiang. Essa ambição chinesa nunca desapareceu, nem iria desaparecer com o PNTR, por uma razão muito simples: a prosperidade económica e financeira faz parte dos meios para chegar a esses objetivos. A China podia e iria sempre aproveitar os mercados internacionais (e principalmente a Organização Mundial do Comércio) para conseguir chegar mais rapidamente aos seus objetivos. Outro ponto importante neste assunto, é o facto do PCC gostar bastante de controlo e ao mesmo tempo ter bastante medo de perder esse controlo sobre a população chinesa. Esse controlo apenas é mantido com constante crescimento e desenvolvimento económico.

Ocidente e China têm dois modos antagónicos de atuação e a sua distância de poder encurtou, mas é importante referir que a China continua em desvantagem, sendo que não existe previsão para um real desequilíbrio de balanças, pelo menos num futuro próximo. O problema continua a ser a falta de aliados dos Chineses e a grande desvantagem militar para com os EUA (e a NATO). A economia é muito relevante e a China vai-se tornar na maior economia mundial provavelmente ainda durante esta década, mas o seu principal cliente é os EUA que também é o seu principal rival. Ai está outro problema. Do ponto de vista geopolítico, uma visão bastante caracterizadora da desvantagem chinesa atual é o facto de todos os seus problemas serem nas suas fronteiras ou dentro do seu próprio país: Taiwan, Hong Kong, Índia, Mar do Sul da China, etc. A China ainda não tem a capacidade de projeção como os EUA têm, que continuam a ter milhares de soldados e frotas junto às fronteiras da China.

A mudança estratégica dos EUA (e do Ocidente) para com a China irá ditar a evolução nas relações internacionais entre esses dois blocos, mas continua claro que ainda existe um longo caminho a percorrer para os objetivos de ambos, sendo que apenas um cenário continua certo: a manutenção da hegemonia global dos EUA. Em que condições e estabilidade essa hegemonia será mantida? Não sabemos ao certo.