Segundo o Decreto da Assembleia da República nº 133/XV, promulgado pelo Presidente da República, sem qualquer reparo, no passado dia 20 e que aguarda publicação no Diário da República, quem se opuser ao exercício da ‘autodeterminação de género’ do menor, pode vir a ser indiciado por um novo crime, criado pela Lei, através do aditamento ao Código Penal do artigo 176º-C. Este novo artigo pune “quem submeter outra pessoa a actos que visem a alteração ou repressão da sua orientação sexual, identidade ou expressão de género, incluindo a realização ou promoção de procedimentos médico-cirúrgicos, práticas com recursos farmacológicos, psicoterapêuticos ou outros de carácter psicológico ou comportamental” (n.º 1).

Quem submeter, ou tentar submeter (uma vez que a simples tentativa é punível), uma pessoa a algum destes actos, e quem os praticar, sujeita-se a uma pena de prisão até três anos, pena essa que é agravada (de acordo com a nova redacção dada ao artigo 177º do Código Penal) de um quarto, um terço, ou de metade, se a vítima for menor de 18, 16 e 14 anos, respectivamente. Poderão ainda ser aplicadas as seguintes penas acessórias: “proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período fixado entre 5 e 20 anos”; “proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período fixado entre 5 e 20 anos”; e “inibição do exercício de responsabilidades parentais, por um período fixado entre 5 e 20 anos.”

Numa sociedade que se orgulha de ser laica e multicultural, compreende-se que não se imponha um determinado código moral, mas não faz sentido que se legalize a mentira, nem que, como esta legislação pretende, se criminalize a liberdade, tendo subjacente precisamente a imposição de um certo padrão comportamental. É que o mesmo legislador que criou este novo tipo de crime, no n.º 2 do novo artigo 176-C, afirma: “Sem prejuízo do disposto no número anterior, não são puníveis os procedimentos aplicados no contexto da autodeterminação da identidade e expressão de género, conforme estabelecido nos artigos 3.º e 5.º da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, e que forem levados a cabo de acordo com as leges artis”.

Há uma verdade que não admite contradição: o sexo é definido no momento da concepção e é imutável e, por isso, a ideologia de género, que não tem qualquer fundamento científico, não fala de sexos, mas de géneros. Se hoje se descobrirem as ossadas de um ser humano que viveu há cem mil anos, nenhum médico forense terá qualquer dúvida no que respeita ao seu sexo, porque o mesmo consta em todas e cada uma das suas células. Talvez não se possa determinar a sua altura, ou peso, mas nenhum cientista poderá ignorar o seu sexo. Porque assim é, ninguém pode mudar de sexo, embora possa aparentar ser do outro sexo, submetendo-se a cirurgias e tratamentos que alteram o aspecto, mas não o sexo, que é sempre, necessariamente, o determinado na concepção.

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Pode-se permitir que, alguém que é homem – é ridículo acrescentar que o é em termos biológicos, porque ser homem é, por definição, uma noção biológica – se vista e comporte como mulher? Sim, claro. Mas nunca poderá ser de outro sexo que não seja o seu: neste sentido, qualquer tratamento é sempre, mesmo que seja legal, uma falsificação. Um ordenamento jurídico que faz prevalecer a ficção sobre a realidade é, por definição, mentiroso e, como tal, injusto, porque leva outros a crerem que a identidade de alguém é diversa da que na realidade é. Se quem compra gato por lebre é vítima de uma venda fraudulenta, o mesmo também acontece com quem, por hipótese, contrata alguém que se identifica como sendo do sexo contrário ao seu?! Se a liberdade se sobrepõe à verdade e à justiça, então o Estado e a lei promovem e incentivam a fraude.

É preocupante que o Estado apadrinhe técnicas enganosas, essas sim verdadeiras práticas, ou terapias, de conversão, que não alteram a realidade biológica. Pior ainda é que permita a sua realização em menores, eventualmente sem o conhecimento, nem o consentimento, dos seus pais e/ou encarregados de educação. Um jovem não pode votar, nem beber álcool, nem, até aos 16 anos, pode casar, mas pode entregar-se a quem se vai aproveitar da sua imaturidade para realizar danos que, nalguns casos, são irreversíveis.

A possibilidade de proceder a estas mudanças sem o conhecimento, nem o consentimento, dos pais é já uma confissão de que estes nunca aprovariam o que sabem prejudicial para os seus filhos, de que o Estado quer fazer cobaias, subtraindo-os à tutela dos seus progenitores. Se se tratasse de uma mais-valia para os menores, todos os pais a aceitariam de bom grado e não seria preciso ignorar, nem contrariar, o seu parecer.

É contraditório e escandaloso que o Estado, com esta nova legislação, queira criminalizar aquilo que denomina práticas ou “terapias” de “conversão sexual”, quando, é o próprio Estado que as promove, ao facilitar aos menores a substituição da sua aparência biológica pela do sexo, ou género, com que se pretendem identificar. Uma política da verdade deveria exigir que a mesma seja respeitada, até porque os verdadeiros casos de perturbação da identidade, ou disforia de género, que são a excepção que confirma a regra, sempre foram objecto de acompanhamento psiquiátrico e psicológico.

Se se permite que um rapaz, que quer ser rapariga, o possa ser em termos legais, correndo a cargo do Estado – ou seja, dos contribuintes – a despesa correspondente, ou vice-versa, por que razão um jovem, que sente especial atracção por pessoas do mesmo sexo e que quer superar esse sentimento, não pode ser ajudado, ou aconselhado?! Por que razão se liberaliza a “mudança” de sexo, ou de género autodeterminado, que é afinal uma prática ou “terapia de conversão”, – daquilo que se é para aquilo que se quer ser, ou pensa-se que se quer ser – e se criminalizam as práticas ou terapias, inclusive de mero carácter psicológico ou comportamental, destinadas a ajudar a pessoa a ser quem é?! Por que se defende a liberdade do menor, quando quer ser, ou aparentar ser, o que não é, mas não se respeita a sua liberdade quando, por hipótese, quer dar à sua vida um sentido cristão, incompatível com certos comportamentos?!

Nunca pratiquei, nem faço tenção de praticar, nenhuma “terapia de conversão sexual”, mas toda a pastoral católica é, como não podia deixar de ser, ‘terapêutica’ e, obviamente, tende à mudança de vida, como a festa do passado dia 25, comemorativa da conversão de São Paulo, exemplarmente manifesta. Como é óbvio e sempre foi doutrina e praxe da Igreja Católica, a conversão de vida pressupõe sempre a liberdade do sujeito, até porque uma falsa conversão, ou seja, uma mudança de vida não consciente, nem voluntária, é necessariamente nula. Qualquer intervenção espiritual só é válida se conhecida e consentida: pode-se obrigar alguém a dizer uma oração, mas não a rezar, porque a oração pressupõe sempre a razão e a vontade de quem reza. A proibição do aconselhamento religioso ou espiritual implicaria, em última análise, a interdição, não apenas da acção pastoral da Igreja Católica, mas também de todas as religiões, que necessariamente apelam à conversão interior e comportamental.

Este novo crime tem também nefastas repercussões em outros âmbitos da educação dos jovens. É sabido que alguns adolescentes padecem fobias, de que não se conseguem libertar por si próprios. A anorexia, por exemplo, é bastante frequente, como o recurso à pornografia e ao álcool, a dependência das novas tecnologias e dos estupefacientes. Se os pais ficam proibidos de procurar apoio psicoterapêutico, psicológico ou comportamental, para os seus filhos menores, em matéria respeitante à sua orientação sexual, identidade ou expressão de género – e os professores, terapeutas, psicólogos, psiquiatras e ministros de culto ficam impedidos de o dar –, sob pena de cometerem um crime, também não poderiam impor que os adolescentes se alimentem de forma adequada, prescindam do uso da droga e da pornografia, ou usem de forma regrada o telemóvel e o álcool, nem deveriam poder procurar ajuda e apoio especializado para tal. Se um jovem não precisa do consentimento dos pais para alterar o seu físico, até mesmo de forma irreversível, com que direito os pais podem impedir que um filho não se alimente, se drogue, consuma pornografia ou se embebede?! Se a lei determina que cada qual é, desde a sua mais tenra idade, o único soberano de si mesmo, ninguém, nem mesmo os pais, poderá obstar à sua livre e consciente opção pela dependência, seja por via da anorexia, do telemóvel, da droga, do sexo ou do álcool.

No seu último estertor, a dissoluta Assembleia da República exalou um suspiro que atenta gravemente contra a liberdade, a religião, as famílias e o superior interesse dos menores. Ao criminalizar as denominadas “terapias de conversão sexual” e ao defender simultaneamente, contra o bem dos adolescentes, práticas e terapias enganadoras, favorece a mentira e a fraude e, na realidade, criminaliza a verdade e a liberdade.