No passado 17 de Setembro, o Observador noticiou o estranho caso de Anousch, um bebé que então tinha 17 meses, nascido na Grã-Bretanha. Seus pais, Hobbit Humphrey e Jake England-Johns, que vivem numa casa-barco em Bristol, decidiram não atribuir à criança nenhum sexo ou género, até que “a própria criança tenha capacidade para decidir como quer ser tratada”. Até lá, vão-se abster de a tratar pelo pronome feminino ou masculino, optando pelo pronome pessoal colectivo que, em Inglaterra, se convencionou utilizar para referir o género neutro (they). Também decidiram não dizer a ninguém o sexo da criatura, nem sequer aos mais próximos familiares. O casal revelou que, durante nove meses, discutiram de que forma poderiam mitigar os preconceitos de género que a sociedade impõe às crianças, tendo então decidido dar ao seu filho o nome Anoush, que não é feminino nem masculino. O bebé tanto brinca com bonecas como com carrinhos e também se veste, indistintamente, de rapaz e de rapariga, até que decida o seu género.

É curioso que os pais de Anousch não se considerem aptos para determinar o seu sexo, que já está biologicamente definido, mas acharam-se competentes para tomar, por este seu descendente, muitas outras opções. Desde logo, se Anousch queria ou não viver; se queria ser cidadão britânico, em vez de guerreiro zulu ou dançarina do ventre indiana; se queria ser filho daqueles pais, ou desejaria outros (opção muito provável, diga-se de passagem); se se queria vestir, ou gostaria mais de andar tal como veio ao mundo; se se queria alimentar ou não e, em caso afirmativo, se o desejaria fazer só com vegetais, ou também carne e peixe; se queria ser educado, ou preferia permanecer selvagem; se era a favor ou contra as vacinas; se queria aprender a língua inglesa, a chinesa ou o mirandês, que é uma língua oficial portuguesa; se queria viver em família, ou preferia uma instituição; etc., etc., etc. Se, em relação ao género, tem de ser a criança a optar, porque razão não decide também ela a sua naturalidade, a sua nacionalidade, a sua filiação, a sua residência, a sua língua materna, o seu regime alimentar, o seu plano de vacinações, etc.?! Em coerência com o princípio que levou os progenitores de Anousch a não reconhecer o sexo da criança, deveriam mantê-la num limbo existencial até ela própria decidir se é macho ou fêmea; britânica ou tailandesa; civilizada ou selvagem; vegetariana ou carnívora; etc.

Sendo os pais de Anousch artistas de circo profissionais, este caso bizarro podia não ser mais do que uma infeliz palhaçada. Como activistas que são do grupo ambientalista extremista ‘Extinction Rebellion’, que também existe no nosso país, casos destes poderão também ocorrer em Portugal.

A verdade é que ainda há pais, certamente fascistas (daqueles que gostam do Trump e do Bolsonaro, negam as alterações climáticas, votam no Chega e leem o Observador) que se consideram no direito de dar um nome, masculino ou feminino, aos filhos recém-nascidos. Numa sociedade que tanto preza a liberdade individual, dever-se-ia proibir a imposição de um nome que, ao ser de menina ou menino, pode não coincidir com o género que o próprio depois assuma.

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Graças à moderna ideologia de género, sabe-se que é uma violência forçar alguém a identificar-se com o seu sexo biológico, até porque há muitas mais modalidades afectivo-sexuais do que os dois sexos tradicionais. Superada a noção de sexo pela multiplicidade dos géneros, cujo número é quase infinito, cabe ao próprio definir a sua identidade, que também não é uma constante da sua personalidade, mas uma realidade fluida que, portanto, pode evoluir para novas modalidades.

A lei já admite que o ser humano anatomicamente másculo decida passar a ser feminino, não apenas alterando o seu corpo, para que a sua aparência corresponda ao que pretende ser o seu género, mas também o seu nome. Portanto, se um qualquer Vladimiro quiser ser Vanessa, ou vice-versa, o Estado reconhece-lhe o direito de mudar o seu nome e sexo, agora mais modernamente designado por género. A aparência física já não é determinante: alguém de bigode e fartas suíças pode ser, afinal, uma senhora; como alguém de formas caprichosamente arredondadas, bâton e saltos altos, não é necessariamente uma senhora, nem sequer uma mulher, pois pode muito bem ser um cavalheiro.

Esta nova moda cria graves problemas para os pais contemporâneos, sobretudo quando se trata de registar um rebento (ou rebenta). Com efeito, se se deixam levar pela evidência física, darão à criança um nome que seja consoante com o seu sexo, mas nada nem ninguém lhes pode garantir que aquela criatura, quando discernir o seu género, não se venha a identificar com outra condição.

A solução, para estas situações de indefinição identitária, deve ser encontrada numa nova gama de nomes próprios que, como o Anousch britânico, não pressuponham nenhum sexo definido. Ou seja, para além dos nomes masculinos e femininos, os dois únicos géneros que a gramática conhece, deveriam existir também nomes neutros, a atribuir a todas as crianças enquanto estas não definam o seu género. Que os pais decidam que o filho é menino, ou menina, é uma insuportável falta de respeito pela liberdade do próprio que, muito antes de ter assumido um género, é constrangido a identificar-se com o seu sexo biológico que, como a ideologia de género tão bem explica, nada tem a ver com a identidade sexual com a qual o próprio se define.

A bem dizer, nem sequer deveriam ser admitidos os termos ‘filho’, ou ‘filha’, dada a conotação sexista destas designações. Pelo contrário, a expressão ‘ente’, mas sem qualquer artigo, parece ideal, na medida em que não pressupõe nenhum sexo ou género.

Em substituição do nome, masculino ou feminino, esse tal ente querido precisaria de ter, contudo, alguma designação que o identificasse na sua vida familiar e social, desde que essa menção não determinasse o seu género. Para efeitos práticos, e só enquanto o ente querido não decidir o seu género, deveria ser provisoriamente designado por Psst!, nome próprio de elevada beleza consonântica, de grande tradição na sociedade portuguesa e que – felizmente! – não pressupõe nenhum anacrónico estereotipo sexista hétero-patriarcal. Posteriores crias do mesmo casal poderiam adoptar o mesmo nome, seguido do cardinal correspondente à sua ordem nos nascimentos familiares, como sempre se fez com os papas e monarcas homónimos.

E, para quem queira ter um petit nom carinhoso, que tal apenas Ps?! É, sem dúvida, um diminutivo muito politicamente correcto…